Tom Bulleit lembra a reação dos executivos da Diageo, quando ele se ofereceu para ajudar na campanha de marketing do uísque que leva o nome de sua família: "Tom, você soaria como um caipira se fizesse o marketing".
Era 2001 e a Diageo havia acabado de comprar a carteira de vinhos e destilados da Seagram por US$ 8,15 bilhões, em uma oferta conjunta com a francesa Pernod Ricard, herdando a Bulleit Bourbon, um uísque de Kentucky pouco conhecido, com um punhado de fiéis consumidores nos Estados Unidos.
No início, a estratégia da Diageo para o Bulleit era simples: não fazer nada. A companhia pretendia aumentar gradualmente as vendas, mas queria manter a imagem independente de "uísque de fronteira" - para que os consumidores pensassem que estavam descobrindo um bourbon de nicho e não um produto da maior fabricante de bebidas do mundo.
Mas no ano que vem, a Diageo planeja lançar o Bulleit em 14 mercados fora dos Estados Unidos, inclusive no Brasil, Japão e Alemanha, num esforço da empresa de tirar vantagem de um renascimento da arte de beber bourbon e abocanhar participação de mercado de rivais como Beam e Brown-Forman.
Como parte da expansão, a gigante de bebidas enfrenta um dilema: colocar o Bulleit no mercado de massas poderia afastar os amantes de uísque que ajudaram a fazer a marca crescer em primeiro lugar.
Peter McDonough, diretor de marketing e inovação da Diageo na América do Norte, afirma que há duas opções para os planos de expansão da Bulleit: "Ou fazemos a marca explodir ou continuamos alimentando-a aos pouquinhos."
Há indícios de que a Diageo planeja usar a tática da explosão para o Bulleit. A multinacional espera vender mais de um milhão de caixas de nove litros por ano no "futuro próximo", um salto gigantesco em relação às cerca de 40.000 caixas que eram vendidas anualmente há cinco anos. A marca, que há cinco anos nem contava com um orçamento de marketing agora tem uma máquina publicitária de "milhões de dólares", de acordo com McDonough.
Depois da aquisição da Seagram, Bulleit, o empresário de 70 anos de Lexington, Kentucky, continuou a trabalhar como fazia desde 1987, quando ressuscitou uma receita de família para a fabricação de bourbon, usada pela última vez nos anos de 1860: ele conversava com gerentes de bares, organizava sessões de degustação e vendia o uísque quase que uma garrafa de cada vez.
Ao restringir os gastos com publicidade e vender apenas a bares selecionados, a Diageo tinha como objetivo criar uma aura moderna e independente ao redor do Bulleit. O plano funcionou: ajudado pelo renascimento do bourbon e com um crescente número de seguidores na indústria de coquetéis, as vendas do Bulleit quintuplicaram nos últimos três anos, em grande parte, por meio de vendas diretas a bares, sem intermediários.
A estratégia é a antítese dos orçamentos de marketing de US$ 100 milhões para marcas emblemáticas da Diageo, como Smirnoff, Johnnie Walker e Guinness. Mas faz parte dos esforços da empresa britânica para ganhar uma posição dominante no mercado em rápida expansão de destilados escuros fabricados nos Estados Unidos. O uísque americano - que consiste principalmente de bourbon e uísques do Tennessee e do Canadá - representou 53% do crescimento total no mercado americano de bebidas alcoólicas, que movimenta anualmente US$ 21 bilhões, nos 12 meses terminados em 12 de outubro, de acordo com a Nielsen.
Além do Bulleit, a Diageo também planeja promover as vendas dos uísques Crown Royal Canadian e George Dickel Tennessee. A empresa planeja ainda lançar duas novas marcas de bourbon em 2014.
Mas o Bulleit, conhecido pelo alto teor de centeio, está atraindo a maior atenção, em grande parte por causa de sua relativa escassez. No ano passado, cerca de 300 mil garrafas foram vendidas, em comparação a 7 milhões de garrafas de Jim Beam, o bourbon líder de mercado.
"Os descolados realmente adoram essa marca", diz McDonough, "porque eles pensam que é exclusiva deles".
Esse prestígio entre os definidores de tendências é algo que a Diageo quer preservar, mesmo que esteja se preparando para a maior campanha de expansão já feita para o Bulleit. Numa tentativa de manter um pouco dessa imagem independente, a Diageo planeja colocar anúncios do uísque em revistas especializadas, mas não vai fazer propaganda em televisão ou na grande imprensa. A empresa também vai se concentrar em gerentes de bares para ajudar a divulgar o produto.
Matt Fairhurst, gerente do Callooh Callay, um bar especializado em coquetéis no badalado bairro de Shoreditch, em Londres, diz que alguns de seus clientes não têm a menor ideia de que o Bulleit é fabricado pela mesma empresa que produz a Smirnoff e o Johnnie Walker. "Se é gostoso, não importa quem o fabrica", diz ele.
A tática que dá a sensação de exclusividade é empregada pela Diageo a uma série de produtos, e conta com a divulgação boca a boca e com a conquista de barmen, ao invés de grandes campanhas publicitárias. Uma abordagem semelhante foi usada com as marcas de vodca Ketel One e Ciroc, que vendem mais de 2 milhões de garrafas cada uma por ano.
Veículo: Valor Econômico