Equipes de construção chegaram ao endereço Rua Busch, 1 poucos meses atrás e demoliram os gabinetes ornamentados dos diretores da Anheuser-Busch Cos. No lugar, agora, o que se vê é um mar de mesas nas quais executivos e outros funcionários trabalham lado a lado.
Esta é apenas uma peça da mudança radical na legendária cervejaria americana pela InBev, a empresa sediada na Bélgica e administrada por um brasileiro que comprou a Anheuser-Busch no fim do ano passado. Em seis meses, a InBev transformou a empresa familiar gigante e pouco preocupada com gastos numa firma determinada a cortar custos e ampliar as margens de lucro, e que agora está revendo sua maneira de vender cerveja.
Os novos donos cortaram empregos, reformaram o sistema de remuneração e eliminaram benefícios que haviam transformado os funcionários da Anheuser-Busch em objeto da inveja de outros na cidade e em outras fabricantes de cerveja.
Os executivos acostumados a voar em primeira classe ou em jatos particulares agora viajam em classe econômica. Regalias como ingressos para eventos esportivos de repente tornaram-se escassos. Os funcionários agora são instruídos a usar os dois lados das folhas de papel na impressora.
Os fornecedores não ficaram de fora. A empresa resultante da fusão, Anheuser-Busch InBev NV, informou aos fornecedores de cevada, às agências de publicidade e a outros que quer um prazo de 120 dias para pagar as contas. A cervejaria, empresa com uma rica história de anúncios de cerveja memoráveis, eliminou alguns acordos de publicidade esportiva que eram o centro do marketing da antiga Anheuser-Busch.
Para os empregados, as mudanças não têm sido fáceis de engolir. Alguns se vêem com mais carga de trabalho por causa das demissões, estão ansiosos quando à segurança no emprego ou frustrados com a ênfase diária em corte de custos, dizem pessoas próximas à empresa. Ex-executivos dizem que os funcionários sentem-se menos reconhecidos numa política de poucas regalias.
O mercado dos EUA está indo bem apesar da recessão, disse ontem o diretor-presidente da Anheuser-Busch InBev, o brasileiro Carlos Brito. "Em tempos difíceis, é um grande mercado para um empresa se expor" disse Brito, de 48 anos, numa entrevista coletiva depois da assembleia anual de acionistas em Bruxelas. Ele não quis dar entrevista para esta reportagem.
A InBev emergiu como um peso pesado há cinco anos, a partir da fusão da brasileira AmBev com a belga Interbrew SA, produtora da marca Stella Artois. Apesar de a base ser em Leuven, na Bélgica, a cultura dos sócios brasileiros acabou por predominar. Essa abordagem enfatiza o acompanhamento atento dos custos e um sistema de pagamento de incentivos que pode ser lucrativo se as vendas e as metas de lucro forem atingidas.
A InBev evita escritórios luxuosos e automóveis para executivos, e grupos de executivos compartilham uma única secretária.
A empresa usa orçamento base zero - em que todas as despesas têm de ser justificadas a cada ano, e não apenas os aumentos de despesas. A empresa afirma ter economizado 250.000 euros (US$ 325.000) ao mandar os funcionários do Reino Unidos usarem impressões em preto e branco e nos dois lados da folha de papel, e usou esse dinheiro para contratar mais vendedores.
"Nós sempre dizemos, quanto mais econômico o negócio, mais dinheiro teremos no fim do ano para dividir", disse Carlos Brito em discurso, no ano passado, a um grupo de estudantes da escola de administração da Universidade de Stanford, na Califórnia, onde estudou.
A Anheuser-Busch adotou um caminho diferente para o sucesso, gastando montes de dinheiro para tudo, desde os melhores ingredientes de cerveja até os melhores hotéis. Seus executivos não tinham apenas secretárias - muito também tinham assistentes que viajavam com eles, tomavam notas e aprendiam sobre o negócio, numa espécie de treinamento profissional.
Muitos empregados, até mesmos os dos parques temáticos da empresa - Sea World e Busch Gardens- ganhavam cerveja de graça. Ex-dona do time de futebol americano Saint Louis Cardinals, a empresa continuou a distribuir pesadamente ingressos para os jogos da equipe, como parte do marketing. Empregados que quisessem que a empresa doasse cerveja ou outras mercadorias para eventos comunitários enfrentavam pouca burocracia. A empresa de Saint Louis com frequência figurou nas listas dos "melhores lugares para trabalhar".
Gastos maciços em acordos de publicidade exclusiva para eventos esportivos ajudaram a Anheuser-Busch a dominar o mercado de cerveja dos EUA. Mas o aumento das vendas e do valor da ação foram lentos nos últimos anos, enquanto as vendas de cervejas importadas e artesanais cresceram com mais rapidez do que as marcas da empresa de Saint Louis.
Depois que a InBev comprou a cervejaria americana no ano passado, por US$ 52 bilhões, já foram demitidos cerca de 1.400 empregados nos EUA, igual a 6% da força de trabalho americana antes da fusão, e 415 posições terceirizadas. Isso depois de 1.000 funcionários aceitarem ofertas para demissão na Anheuser-Busch logo antes da fusão.
A InBev reviu o sistema de salários e compensação da unidade nos EUA como parte do que chamou, num memorando interno, de "foco cada mais maior em meritocracia". No futuro, a empresa irá pagar aos trabalhadores assalariados entre 80% e 100% da média do mercado para empregos equivalentes, "e qualquer aumento acima disso exigirá justificativa e aprovação especiais", informou o memorando, mudando o sistema anterior, em que "funcionários com alto desempenho (...) podem ter tido menores recompensas já que o dinheiro era distribuído de forma mais uniforme".
A Anheuser-Bush InBev deu, em novembro, um total de 28 milhões de opções de ações a cerca de 40 executivos como um incentivo para combinar com sucesso a InBev à Anheuser-Busch e reduzir a dívida da empresa. Os executivos poderão vender as opções de ações, com um valor potencial de milhões de dólares para cada recipiente, se a empresa reduzir a relação dívida/lucro à metade em cinco anos.
Ao mesmo tempo, a empresa suspenderá as contribuições ao plano de pensão dos empregados em 2012. E, a partir de janeiro, vai parar de dar seguro de vida a aposentados.
Para cortar custos, este ano a empresa informou ter reduzido o número de BlackBerrys dos empregados de 1.200 para 720. O nono andar do edifício sede nos EUA agora se parece com um salão de trading, e, segundo a empresa, o novo visual reforça a comunicação. "Meus emails agora provavelmente caíram em um terço porque estamos tendo muitas discussões rápidas", disse Peacock, presidente da divisão americana.
Ele disse que os jatos executivos da empresa estão à venda. Peacock disse que, há poucos dias, visitou quatro cidades americanas em menos de três dias em vôos comerciais, a um preço igual a 10% do que custariam os vôos num dos jatos da empresa.
Veículo: Valor Econômico