O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça determinou, ontem, que a Coca-Cola Brasil se retire da joint venture que detém a linha de chás prontos Nestea no Brasil. A decisão faz parte de um acordo entre a Coca-Cola e o Cade para que fosse aprovada a compra da Leão Junior, fabricante do Matte Leão, pela multinacional americana - negócio fechado entre as duas companhias em 2007.
Pelo acordo, a Coca terá prazo de 12 meses para se afastar da Beverage Partners Worldwide no Brasil. A BPW, que tem sede na Suíça, é uma joint venture mundial entre a The Coca-Cola Company e a Nestlé para o desenvolvimento, fabricação e distribuição do Nestea.
O prazo estipulado pelo Cade será contado assim: por seis meses a Coca se compromete a continuar com a produção do Nestea. A distribuição e o marketing deverão ser mantidos por 12 meses - todos os dois prazos a partir de agora. A preocupação do órgão antitruste é, conforme o seu parecer, evitar que a marca desapareça.
A decisão vinha sendo negociada já há alguns meses. O Cade havia indicado que iria impor à Coca a separação da Nestea em outubro do ano passado. Na ocasião, o órgão havia proposto um prazo de três meses para que a Coca-Cola deixasse a BPW no Brasil. O prazo foi considerado muito curto pela empresa que iniciou, então, as negociações para o acordo.
"A decisão está corretíssima", afirmou o advogado Leopoldo Pagotto, do escritório Xavier, Bernardes, Bragança, que atuou para a PepsiCo - que se opôs à compra da Leão pela Coca-Cola, pedindo a interferência do Cade. A PepsiCo, em joint venture com a Unilever, é dona mundialmente da marca concorrente de chás prontos Lipton - que no Brasil é distribuída por acordo local pela AmBev.
As vendas de chás prontos para beber no Brasil, segundo a Nielsen, são lideradas pela Matte Leão, que tem pelo menos 40% do mercado. Em segundo lugar vem Nestea, seguida de Lipton. As duas marcas têm cerca de 30% do mercado. O restante é disputado por Feel Good (da Sucos Wow) e Green Tea, também da Leão Junior/Coca-Cola.
Embora suas vendas movimentem R$ 186 milhões ao ano, os chás prontos não são muito populares no país. De acordo com a LatinPanel, o produto está em 2,5% dos lares do país - sucos prontos estão em 51,3% e bebidas à base de soja em 29,5%. Outra característica desse mercado é que 60% das vendas estão concentradas em supermercados. Bares e restaurantes respondem pelos os outros 40%.
Esse divisão do mercado é um dos fatores importantes para se determinar o futuro da marca Nestea no país. Com a saída da Coca-Cola da BPW, abrem-se três possibilidades. A primeira é a da Nestlé assumir sozinha o negócio no país. Nesse caso, ela poderia concentrar a venda de Nestea nos supermercados - ou continuar nos dois canais, já que a Nestlé, assim como a Coca-Cola, também tem uma rede de distribuição para bares e restaurantes, onde vende água mineral, sorvetes e chocolates.
A outra possibilidade é a de que uma outra empresa se torne parceira da BPW no Brasil. Esse possível novo parceiro teria a chance de emplacar seus produtos nos mesmos milhares de pontos de venda nos quais Nestea atua há anos. Para as empresas de sucos prontos do país, por exemplo, seria uma oportunidade de ouro. Ainda mais porque, pelo acordo com o Cade, ainda existe a chance de a Coca-Cola se dispor a assumir a distribuição do produto para um novo parceiro da BPW. "Mas nenhuma delas têm caixa hoje de assumir esse negócio", diz Adalbarto Viviani, consultor especializado no mercado de bebidas. Outra carta fora do baralho seria a rival Lipton, já que colocaria em cheque a livre concorrência que ela mesma contestou no caso da Coca e Matte Leão.
A terceira alternativa é a mais amarga: a BPW poderia desistir do negócio e tirar a marca Nestea do país. Mas a companhia divulgou nota dizendo que "espera que a marca mantenha sua história de sucesso no país". Também afirmou que "dentro em breve serão divulgados planos para um novo sistema de produção e distribuição estratégico para Nestea no Brasil."
A Nestlé do Brasil divulgou que a decisão é da BPW e de sua matriz na Suíça e que não tem nenhuma ingerência sobre o caso. A Coca-Cola Brasil divulgou que "cooperará com a BPW no plano de transição para a operação de Nestea no país."
Os concorrentes - tanto de Nestea quanto de Matte Leão - respiraram aliviados. "O setor é pequeno, com poucos concorrentes", disse o responsável por uma das companhias rivais, sem se identificar. "Nos bares, quem vende Coca-Cola só comercializa Nestea. Os que vendem cervejas da AmBev, só trabalham com Lipton. A única e pequena competição que temos é nos supermercados. O Cade ajudou essa guerra acirrada a não ficar ainda mais sangrenta."
Veículo: Valor Econômico