Fazenda que produz o patê sem maltratar os gansos não consegue crédito no banco e aposta na internet para captar recursos
Na Espanha, a crise econômica chegou à finca do produtor Eduardo Sousa e ameaça a produção de um símbolo da alta gastronomia: o foie gras. Reconhecido internacionalmente por produzir um dos melhores foies do mundo, Sousa não conseguiu financiamento para cobrir as benfeitorias necessárias à fazenda mesmo tendo entre seus clientes chefs celebridades como o espanhol Ferran Adrià e o americano Dan Barber.
"Não se encontra linha de crédito em nenhum lugar da Espanha. Nos bancos que visitei, e acho que visitei quase todos, a resposta era sempre a mesma: não podemos abrir crédito", disse, em entrevista ao Estado, de sua propriedade em Badajoz, Extremadura.
Por viverem soltos na propriedade, os gansos da Patería Sousa são vulneráveis a ataques de animais silvestres. Este ano, raposas famintas já abocanharam uma parcela considerável dos lucros: o prejuízo passa dos 30%.
Cansado das visitas frustradas ao banco, o produtor buscou na internet uma forma de conseguir os 20 mil necessários ao conserto das cercas da fazenda e ao custeio de parte da produção. Para arrecadar dinheiro, montou uma página no Crowdfunding (http://www.lanzanos.com/caja/proyecto/1373/) explicando o projeto e detalhando os prêmios para seus futuros investidores.
Muito usado para projetos culturais, o Crowdfunding é uma forma alternativa de conseguir financiamento para diversos tipos de projetos independentes, como livros, discos e filmes. "O mercado está acostumado a trabalhar com bancos, mas, num momento como este, os bancos nos dão as costas. É hora de inventar nossa forma de financiamento. É o que almejo conseguir com o Crowdfunding", diz. "Espero nunca mais pisar em um banco para pedir crédito."
A medida desesperada e incomum de um produtor de foie gras chamou a atenção e o projeto está entre os mais votados. Se conseguir apoio suficiente, em breve começará a amealhar investidores. "Temos observado que há bastante interesse. Os projetos culturais são muito comuns, mas acho que as pessoas gostam de ações como essa, mais reais, e da possibilidade de apoiar empresas que aportam algo à sociedade e se preocupam com o bem-estar animal."
Toda a produção deste ano será vendida no site. Por 1, mais gastos de envio, o investidor recebe uma lata de 70g de patê Ibérico; 5 valem um estojo com cinco patês de 70 g; 54 equivalem a um pote de 160 g com foie gras inteiro. Quem tiver 1.000 pode comprar 0,001% da fazenda produtora de um dos melhores foies do mundo.
A despeito da crise, existe uma demanda muito grande pelo foie gras da Patería Sousa, mas a produção artesanal limita-se a cerca de 500 kg por ano - este ano, em razão do ataque de animais aos gansos, a produção caiu para 340 kg. Outro entrave para o fazendeiro é arcar com os custos da produção, iniciada no inverno, e vendida nos meses seguintes. "É um sistema que já não podemos sustentar."
Único. O foie gras da Patería Sousa é um produto de exceção mesmo dentro do sofisticado mercado de produtos gourmet. Ético, premiado e aclamado por alguns dos chefs mais importantes do mundo, chegou a ganhar o prestigiado prêmio Coup de Couer no Salão da Alimentação de Paris, em 2006.
A honraria irritou os produtores franceses, responsáveis por 75% de todo o foie produzido no mundo e cada vez mais criticados pelo método cruel de engorda dos animais. Por lá, todos os anos, cerca de 37 milhões de patos e gansos são super alimentados à força para que seus fígados cresçam até chegarem a 700 g e até 1 kg.
O que faz do foie gras de Sousa um produto tão admirado - e descrito como "o melhor foie da minha vida" pelo chef Dan Barber - é a forma única de produção. Seus gansos, ao contrário de 99% da produção mundial, não são alimentados dia e noite à força por um cano preso à garganta. Ao contrário, desde que a família Sousa começou a criá-los em 1812, os animais vivem soltos, comendo figos e azeitonas.
Seu método, explica, é natural, mas trabalhoso e não tão lucrativo, pois a produção acontece uma única vez por ano, sempre no inverno. Com a queda da temperatura, os gansos passam a comer mais do que o normal para estocar gordura para os dias frios. Eles então são capturados e alimentados com milho orgânico pouco antes de serem sacrificados. É um caso raríssimo de foie gras ético no mundo, reconhecido pela Asociación Nacional de Productores de Alimentos Éticos (Anpae).
Sousa é o primeiro a admitir que a produção de foie gras ético, em um cenário, em que a alta qualidade do produto é tão importante quanto o bem-estar animal e práticas sustentáveis, é um negócio bem rentável. Já pensando em ampliar a fazenda, espera poder lançar em breve projeto mais ambicioso no Crowdfunding.
Se essa primeira incursão for bem-sucedida, ele pretende atrair investidores dispostos a tirar da carteira 300 mil. O dinheiro será destinado à construção de uma sala de sacrifício equipada para garantir que seus gansos não se estressem ou sintam dor quando chegar a hora de se tornarem uma das iguarias mais apreciadas do mundo.
Veículo: O Estado de S.Paulo