Estoques estão no limite

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Situação em São Paulo pode ser reflexo de uma crise global do setor, associada ao excesso de pesca e à degradação dos ecossistemas marinhos


O naufrágio da produção pesqueira no Estado de São Paulo não tem causa única nem óbvia. Segundo os especialistas, pode ser atribuído a uma combinação de fatores ambientais e humanos, atuais e históricos, incluindo o excesso de pesca, a poluição e a degradação dos ecossistemas marinhos e costeiros, dos quais os peixes dependem para sobreviver e se reproduzir.

"A pesca é um recurso biológico renovável, porém finito", diz o pesquisador Marcus Henrique Carneiro, coordenador do Programa de Monitoramento da Atividade Pesqueira, do Instituto de Pesca de São Paulo. "Se você não deixar que ele se renove, ele acaba mesmo", sentencia Maria Cristina Cergole, chefe do escritório regional do Ibama para o Vale do Paraíba e Litoral Norte, com sede em Caraguatatuba.

Eles ressaltam que o problema não é exclusividade de São Paulo. "São sintomas locais de um fenômeno mundial", avalia Cristina. Vários estudos internacionais alertam para o esgotamento de estoques pesqueiros ao redor do mundo, com várias espécies (e, consequentemente, as atividade pesqueiras associadas a elas) à beira do colapso.

O Brasil está no mesmo barco, segundo Carneiro, com basicamente todos os seus recursos tradicionais de pesca em condição de sobre-explotação - situação constatada pelo Programa de Avaliação do Potencial Sustentável dos Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (Revizee), encerrado em 2006. "Estamos tirando mais peixes do mar do que a natureza é capaz de repor por conta própria", explica Carneiro.

Ainda assim, a pesca brasileira dá sinais de crescimento. Segundo dados do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), criado em 2009, a produção nacional de pesca extrativa marinha está estável na Região Sul e em ascensão no Norte e no Nordeste. Só no Sudeste ela aparece em queda. Segundo Carneiro, porém, é possível que esse crescimento seja reflexo de uma melhora no processo de coleta de dados das outras regiões, e não necessariamente de um aumento real do volume de capturas.

Os dados do MPA referem-se somente ao período de 2007 a 2009. Não há série histórica. O próximo Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura, com dados de 2010, está previsto para abril.

A defasagem temporal deve-se a uma falta crônica de acompanhamento estatístico do setor. São Paulo e Santa Catarina são os únicos Estados que monitoram de maneira consistente sua produção pesqueira. E, ainda assim, mesmo nesses dois Estados, o déficit de informações é grande, segundo Carneiro. "Se estamos vendo esse declínio em São Paulo com os dados que temos, imagine se tivéssemos todos os outros dados que precisamos", diz. "O valor real da queda é provavelmente muito maior."

A melhoria das bases de informação, defende Carneiro, é essencial para a formulação de políticas de proteção, recuperação e sustentabilidade da pesca. "Sem informação não se faz gestão."

Os dados de produção pesqueira têm como referência o local onde o peixe é descarregado e não onde ele foi pescado. O que deixa à deriva a seguinte questão: a produção pesqueira de São Paulo está caindo porque há menos peixes no mar, ou porque esses peixes estão sendo pescados em águas paulistas e descarregados em outros Estados?

Não há restrições geopolíticas à área de atuação do barcos. As embarcações vão aonde o peixe estiver, até onde seja economicamente viável pescá-lo.

Santa Catarina. A principal frota de pesca industrial do País é a de Santa Catarina, com cerca de 700 embarcações. A produção do Estado tem se mantido relativamente estável nos últimos dez anos, com um aumento de 8% entre 2001 e 2011, segundo dados do Grupo de Estudos Pesqueiros (GEP) da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). "Não vemos uma tendência de queda por aqui", diz o pesquisador Paulo Ricardo Schwingel, do Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar (CTTMar) da Univali.

Muitos barcos catarinenses operam em outros Estados. Por exemplo, na costa fluminense, onde a pesca da sardinha foi melhor nos últimos dois anos. Mas não em quantidades suficientes para explicar a queda na produção de São Paulo, segundo Schwingel.

"Acho pouco plausível que barcos catarinenses estejam tirando peixes dos barcos de São Paulo", diz o pesquisador. "É mais plausível que seja uma redução dos estoques pesqueiros mesmo; algo relacionado diretamente à disponibilidade do recurso no ambiente." Mais da metade do pescado desembarcado em Santa Catarina, segundo ele, é pescado no próprio Estado.

No caso específico da tainha, porém, as reclamações dos caiçaras de São Paulo parecem justificadas. Trata-se de uma espécie migratória com ciclos e rotas de reprodução bem definidos. Os pescadores sabem exatamente quando e por onde os cardumes vão passar todos os anos. O principal "berço" da espécie é a Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul. À medida que a água começa a esfriar, no fim do verão, as tainhas migram para o norte, para desovar em águas mais quentes (como as do litoral paulista). Difícil é chegar lá, especialmente agora que as traineiras de sardinha estão de olho nelas também.

"A tainha não morre duas vezes", diz Schwingel. "Para chegar até São Paulo ela precisa escapar de todas as redes do Rio Grande do Sul até aqui. Isso é fato."


NA FALTA DE PEIXE, PESCADORES VIRAM MARICULTORES

Caiçaras de Picinguaba, no litoral paulista, desenvolvem projeto de produção de vieiras, molusco saboroso e com bom valor de mercado


Na falta de peixe, alguns pescadores de Picinguaba resolveram apostar seu futuro na maricultura. Dois anos atrás, mesmo criticados e ridicularizados pelos colegas de pescaria, dez deles resolveram investir num projeto de produção de vieiras, um molusco pouco comum no litoral de São Paulo e servido como iguaria em restaurantes paulistanos. O negócio evoluiu e começa a se mostrar uma alternativa economicamente viável à pesca. Sem a necessidade de abandonar o mar.

"É uma atividade autossustentável. Se a gente cuidar bem, é algo que vai durar para os nossos filhos, nossos netos, nossos bisnetos", diz André Bergamo, coordenador do Projeto Vieiras, que foi financiado pelo Ministério da Pesca e Aquicultura. "Peixe não tem mais. Não vira mais."

Diferentemente de outros mariscos, as vieiras não precisam crescer presas a um substrato. São moluscos de concha "livres", que se locomovem no fundo do mar propelidos por jatos de água que produzem pela contração de seus músculos. Na superfície, batem as conchas e parecem cuspir água nas pessoas - como nos desenhos animados.

Na maricultura, elas são produzidas em gaiolas de rede chamadas "lanternas", por causa da semelhança com as lanternas orientais de papel, do tipo sanfona. Na fazenda de Picinguaba - que, segundo Bergamo, é a primeira a produzir a espécie em escala comercial no País - 150 lanternas acomodam cerca de 55 mil animais, penduradas em boias enfileiradas ao lado de uma balsa que serve como estação de trabalho. O volume atual de vendas, segundo Bergamo, é de 400 dúzias por mês.

As sementes, como são chamadas as vieiras em estágio inicial, com poucos milímetros de diâmetro, são compradas de laboratórios de reprodução em Santa Catarina ou no Rio. O ciclo de produção, da semente até o abate, leva cerca de um ano e meio.

"O lucro ainda é pequeno, mas está melhorando. Se levarmos isso a sério mesmo, acho que dá para viver até melhor do que da pesca", diz o caiçara Emerson Cardoso, de 39 anos, enquanto prepara uma caixa de vieiras para ser enviada a um restaurante de Paraty. A dúzia fresca é vendida por R$ 40. "Elas chegam lá batendo, igual você está vendo aqui", observa Bergamo. "É a melhor carne do mar."

Cardoso e seus colegas pescadores estão satisfeitos com o projeto e esperam que ele cresça ainda mais. Pode ser que no futuro nem precisem mais da pesca para sobreviver, mas ainda pescam, e já têm saudades dela. "Pescar é bom demais", afirma Cardoso, em tom um tanto melancólico. "A gente fica meio dividido."



Veículo: O Estado de S.Paulo


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