Na Noruega, o mar está para bacalhau
A economia não foi a única a ser preservada na Noruega da crise que assola vizinhos europeus - seus mares também estão distantes das turbulências ao Sul. Com forte tradição pesqueira, esse país nórdico cercado por águas geladas atingirá um feito histórico: o estoque de 1 milhão de toneladas de bacalhau em 2013 no Mar de Bering, o maior volume registrado já na região.
"Conseguimos obter esse estoque recorde de bacalhau devido à gestão sustentável do mar", disse ao Valor a ministra da Pesca, Lisbeth Berg-Hansen, durante uma viagem de dois dias ao país para reuniões com grandes varejistas e com o governo federal, em busca de negócios e parcerias técnicas.
O esforço, diga-se, não foi só norueguês. O estoque inédito de bacalhau se deve a um acordo de cotas acertado com a Rússia, país com que divide praticamente todo o seu estoque marinho. Pelo sistema, a Noruega conseguirá no ano que vem retirar do oceano 446,74 mil toneladas do Gadus morhua, a variedade de peixe mais comum que, após salgada, se transforma no que conhecemos como bacalhau. Em 2012, o país teve o direito de retirar do mar 339,85 mil toneladas. O restante pertence à cota russa. E se depender da ministra, mais peixe virá para o Brasil.
Nascida em uma família de pescadores, a terceira mulher a ocupar um dos ministérios mais importantes da Noruega - a pesca ali só perde em receita para o petróleo e os metais, tendo exportado US$ 9,7 bilhões em 2011 - decidiu fazer a sua primeira viagem ao Brasil porque é aqui que está um dos seus mais importantes mercados. É fácil entender: de todo bacalhau consumido no país, 70% vem da Noruega. Segundo dados do governo, as importações brasileiras do peixe subiram de 11,3 mil toneladas em 1988 para 34,3 mil em 2011. A guinada veio na última década, acompanhando a elevação no poder aquisitivo da população.
Apesar de ser o peixe mais conhecido, o bacalhau não é o carro-chefe da indústria pesqueira do país. Pouco mais de 60% das exportações têm origem na aquicultura - a criação de peixes. Os noruegueses são líderes mundiais nesse segmento. Produzem sobretudo salmões e trutas.
"Queremos exportar mais bacalhau para o Brasil", disse Lisbeth, após almoço anteontem em São Paulo com representantes de compras de Pão de Açúcar, Walmart e outros grandes clientes. Cautelosa, ela não revela números. Só quer abrir mais mercado.
Para o Brasil, a Noruega manda atualmente, embora em pequenos volumes, o arenque, típico do Atlântico Norte, e caranguejos. "Gostaríamos de exportar salmão para vocês, mas as condições não são boas", diz Lisbeth. Ela refere-se à tarifa de importação de 10% sobre o salmão norueguês frente à tarifa zero para o equivalente chileno, que tem preferências comerciais pelo Mercosul.
A expansão de mercados, por meio da entrada em novos países ou o aumento de vendas onde já atua, é vital para um país que produz 3 milhões de toneladas de peixes ao ano mas consome só 10% disso. Com 5 milhões de habitantes (quase um terço da população de São Paulo), a Noruega necessita do exterior para escoar a produção e manter pulsante esse alicerce da economia. Há séculos tem sido assim. O primeiro relato de comercialização com o Brasil data de 1842, época em que o Império comprava bacalhau e devolvia um barco de café para o Norte.
Não é à toa, portanto, que Lisbeth enfatiza a sustentabilidade da sua indústria pesqueira. Nos tempos de seus pais, o país cometeu o erro da sobrepesca e sentiu o sumiço do peixe. Desde então, um esforço político determinou como seria o futuro na costa de 21 mil quilômetros. A cota, acertada com os russos, garantiu o tempo necessário para que as populações de peixes fossem mantidas nos mesmos níveis. Barcos mais sofisticados deram precisão às pescas. Os investimentos em pesquisas aumentaram o poder de identificação de espécies e o entendimento dos animais no mar. Mas foi o monitoramento constante da Marinha - o assunto é uma questão de segurança nacional - que " zerou" a ilegalidade da pesca.
"Há dois anos não há registros de pescadores ilegais em Bering. Podemos dizer que a ilegalidade é inexistente hoje ", disse Lisbeth. É com esse argumento que ela pretende convencer consumidores a comprar bacalhau norueguês em vez do da China, que começa a avançar neste campo também. "Os chineses são, sem dúvida, uma ameaça para nós porque seus custos de produção são baixos comparado aos nossos. Mas nós fazemos o negócio da forma certa".
Veículo: Valor Econômico