Apesar do avanço do poder aquisitivo das famílias brasileiras de 2003 a 2009, mais de um terço tem comida insuficiente, diz o IBGE
O rendimento das famílias brasileiras cresceu 10,8% de 2003 para 2009, bem acima dos 6% de alta dos gastos domiciliares no mesmo período. Mas, apesar do avanço no poder aquisitivo, mais de um terço das famílias (35,5%) vive com "insuficiência da quantidade de alimentos consumidos", como mostra a Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 (POF), divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O levantamento demonstra que a meta "fome zero" lançada no início do governo Lula ainda não é realidade no País, embora o acesso das famílias brasileiras à comida tenha aumentado significativamente em sete anos. Na POF anterior, referente a 2002/2003, a alimentação era insuficiente para 46,7% das famílias consultadas.
De acordo com os dados coletados no ano passado, na Região Norte, que teve o maior aumento de renda (19,16%), passando à média mensal de R$ 2.092,32, mais de 50% das famílias ainda não comem o que necessitam.
Para o presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes, os dados confirmam a redução da desigualdade no País, porém em ritmo inferior ao do desenvolvimento econômico. "Nós percebemos a redução das desigualdades de uma forma clara. Ela revela o padrão de desenvolvimento da nossa economia, entretanto numa velocidade menor do que o grau de enriquecimento do País", avalia.
Em todo o País. Houve redução da fome em todas as regiões brasileiras. Os destaques são o Sudeste, onde os alimentos eram insuficientes para 43,4% das famílias em 2003 e em 2009 a situação baixou para 29,4%, e o Norte (de 63,9% para 51,5%).
Apesar de comerem mais, as famílias brasileiras ainda não conseguem escolher os alimentos. Apenas 35,2% delas consomem sempre os alimentos "do tipo preferido", enquanto 52% nem sempre conseguem comer o que querem. Outras 12,9% das famílias "raramente" dispõem do tipo preferido.
Já as despesas mensais de consumo das famílias com transporte cresceram nos últimos anos e boa parte desse aumento pode estar associada à maior disponibilidade de financiamento para a compra de automóveis, avaliam os técnicos do IBGE. A POF mostra que, em 2009, a maior parte das despesas familiares de consumo (75%) estava com o trio transporte, alimentação e habitação, praticamente o mesmo porcentual de 2003.
Porém, enquanto a fatia da alimentação no total de despesas de consumo caiu um pouco entre 2003 (20,8%) e 2009 (19,8%), e o porcentual da habitação ficou inalterado em torno de 36%, no caso do transporte houve aumento de 18,4% para 19,6%, ou seja, parte dos gastos com alimentação foi deslocada para o transporte.
O gerente da POF, Edilson Nascimento Silva, disse que o aumento nos gastos com transportes está relacionado a dois fatores: maior disponibilidade de financiamento para compra de carros e alta nos preços dos combustíveis. Além do transporte, também subiram os gastos de consumo com assistência à saúde (6,5% para 7,2%), mas caiu a parcela voltada para educação (4,1% para 3%).
Para José Márcio Camargo, o aumento na aquisição de automóveis é mais um dado que mostra a redução da pobreza. "A mudança da estrutura de gastos indica que as famílias brasileiras ficaram mais ricas nesse período. Com aumento da renda, tendem a gastar mais com transporte, automóvel e gasolina."
Para 75,5% das famílias, renda não cobre despesa
Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE mostra que o aperto no orçamento no fim do mês é maior para quem ganha até R$ 2.490,00
A maior parte das famílias brasileiras gasta mais do que ganha. Nada menos que 68,4% das famílias do País têm, em média, uma despesa mensal superior ao rendimento, segundo revela a Pesquisa de Orçamento Familiares 2008 e 2009 (POF). O aperto no orçamento é maior na parcela de renda até R$ 2.490,00 e piora à medida que a renda fica mais reduzida.
Como resultado desse estrangulamento orçamentário, 75,5% das famílias revelaram que têm dificuldade para esticar a renda até o fim do mês. Na camada mais baixa, de famílias com rendimento mensal de até R$ 830, as despesas médias, no ano passado, totalizavam R$ 744,98, enquanto o rendimento médio era de R$ 544,21.
O levantamento mostra, porém, uma evolução no equilíbrio orçamentário familiar, já que, na pesquisa anterior, de 2003, 85% das famílias estavam com gastos desequilibrados. A coordenadora de trabalho e rendimento do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Márcia Quintslr, disse que, ainda que o desequilíbrio nas contas familiares ainda seja significativo, a redução do desequilibro em seis anos também é destaque.
É um período de aumento real do rendimento e da ocupação, então o maior equilíbrio no orçamento é resultado desses fatores", disse Márcia.
Tributos. A pesquisa mostra também que as famílias que vivem na área rural do País têm menos despesas com tributos do que as famílias urbanas, mas os gastos com tributos estão crescendo no campo nos últimos anos. Do total de despesas das famílias rurais, 5,4% eram direcionados para impostos e pagamentos de contribuições trabalhistas em 2009, enquanto na área urbana esse porcentual era de 11,3% (em 2003, era de 11,4%).
No entanto, com a formalização do trabalho no campo, as despesas com tributos das famílias rurais aumentaram em seis anos, já que somavam 4,4% do total de despesas em 2003. De qualquer modo, a pesquisa do IBGE mostra um forte aumento das despesas com tributos e contribuições, nas áreas urbana e rural, entre 1975 e 2009, passando respectivamente, no caso urbano, de 4,7% para 11,3% e, no rural, de 2,4% para 5,4%.
No que diz respeito aos gastos com pagamento de dívidas, totalizavam 2,0% das despesas familiares em 2003, passando para 2,1% em 2009, fatia inferior aos 3,6% de 1975.
A coordenadora de trabalho e rendimento do IBGE, Marcia Quintslr, disse que a composição das despesas na POF mostra "evidências" de aumento do rendimento das famílias nos últimos seis anos. "Não há valores, a pesquisa não traz isso, mas há evidências", disse.
Veículo: O Estado de S.Paulo