Comércio exterior: Estratégia envolve atrasos nas licenças, caminhões parados nas fronteiras e novas restrições
Às vésperas do aniversário de 20 anos do Mercosul, quando entrou em vigor o livre comércio entre países do bloco, o governo da Argentina voltou a ampliar suas barreiras à entrada de produtos brasileiros. Agora, para desagradar ainda mais os exportadores, a escalada protecionista veio em dose tripla. Há violação do prazo de 60 dias, previsto pela Organização Mundial do Comércio (OMC), para a liberação das licenças não automáticas de importação. Novas medidas antidumping passaram a valer ou estão em análise, enquanto importadores argentinos dizem que caminhões com alimentos processados "made in Brazil" têm ficado até 15 dias retidos na fronteira.
O pano de fundo é a explosão do desequilíbrio comercial entre os países. Nos dois primeiros meses deste ano, a Argentina acumulou déficit de US$ 572 milhões com o Brasil, aumento de 180% em relação ao mesmo período de 2010. A tendência de agravamento do saldo atiçou o ânimo das duas principais autoridades argentinas que lidam com a questão: a ministra da Indústria, Débora Giorgi, e o secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno.
Por determinação de Moreno, caminhões que transportavam guloseimas como chocolates e biscoitos ficaram parados na fronteira, esperando autorização do Instituto Nacional de Alimentos (Inal). Na semana passada, hipermercados e varejistas avisaram fornecedores que cancelarão encomendas se não houver uma solução nos próximos dias. O temor é que não possam ter nas prateleiras, até a Semana Santa, produtos como ovos de Páscoa do Brasil.
O que mais irrita as empresas brasileiras é a imprevisibilidade em obter as licenças não automáticas de importação. Em fevereiro, quando o número de bens afetados pelo mecanismo passou de 400 para 600, a ministra Débora Giorgi prometeu celeridade na análise dos pedidos brasileiros. Os dois países criaram uma comissão para monitorar as licenças. "Estamos em um prazo de tolerância para ver se vai funcionar, mas não tenho nenhum indício de que esse compromisso tenha sido cumprido", afirma o coordenador da área internacional da Associação Brasileira da Indústria do Têxtil (Abit), Domingos Mosca.
O problema desanima a Mundial, fabricante gaúcha de utensílios domésticos e produtos de beleza pessoal, que tem enfrentado problemas na liberação de suas exportações de facas (para casa e uso profissional em frigoríficos ou açougues). As vendas efetuadas ao longo do ano passado só obtiveram as licenças não automáticas em dezembro. "É difícil obtê-las em 60 dias", diz o presidente da Mundial na Argentina, Cristiano Mohr. As demais exportações da empresa não estão na lista de produtos sujeitos às licenças não automáticas. No caso das facas, havia uma previsão de embarcar US$ 50 mil por mês ao longo de 2011.
Segundo a Anfavea, os fabricantes brasileiros não conseguem exportar à Argentina nenhuma máquina agrícola desde janeiro. No auge da safra de milho e de soja, os principais cultivos argentinos, cerca de 800 tratores e colheitadeiras permanecem nos pátios porque não conseguem a liberação dos documentos exigidos.
No caso do setor têxtil, segundo Mosca, há "casos escandalosos" de exportadores de roupa de cama, mesa e banho da região Sul que aguardam a liberação há mais de 360 dias. Nem sempre a boa vontade das empresas brasileiras resolve. No fim de 2010, o Ministério da Indústria da Argentina propôs um acordo de restrição "voluntária" das exportações de toalhas e lençóis provenientes do Brasil. Os fabricantes de lençóis aceitaram limitar suas vendas a 2.100 toneladas em 2011, 5% a menos do que em 2009, em troca da promessa de liberação das licenças não automáticas em prazo de até 60 dias úteis.
Apesar do acordo, o prazo das licenças continua extrapolando o permitido pelas normas internacionais de comércio. O Ministério da Indústria abriu uma investigação que pode resultar na aplicação de direitos antidumping de 70,9% a empresas como a Coteminas.
A tentativa de liquidar concorrentes nacionais, vendendo produtos abaixo do preço de custo, também foi a alegação do governo argentino para aplicar uma medida antidumping a compressores de parafusos. Desde quinta-feira está em vigor, por cinco anos, uma sobretaxa de 33% aos equipamentos da Mayekawa, de Diadema (SP), e de 79% para os demais exportadores brasileiros, para proteger 120 empregos diretos gerados por duas indústrias argentinas. "Estamos defendendo nosso mercado da concorrência desleal", disse a ministra Débora Giorgi,
Veículo: Valor Econômico