Comércio exterior: Alfândegas foram orientadas para retirar do canal automático autopeças importadas
Discretamente, o governo brasileiro começou nesta semana a adotar retaliações comerciais à Argentina, em represália à retenção de produtos brasileiros nas alfândegas do país vizinho, segundo informou uma autoridade ligada ao assunto. As aduanas receberam orientação para retirar do canal automático autopeças importadas pelo Brasil, provocando pequenos atrasos, como sinal ao governo vizinho das medidas mais severas que poderão ser adotadas, caso não se resolvam as dificuldades encontradas por exportadores brasileiros nas alfândegas do sócio no Mercosul.
Ontem, a ministra da Indústria argentina, Débora Giorgi, telefonou ao ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, mas foi atendida pela secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres. Giorgi queria dizer ao ministro que não recebeu a carta que Pimentel, na véspera, disse ter enviado ao governo argentino, pedindo o fim das retenções de mercadorias nas alfândegas. A carta foi reenviada por fax.
Falava-se ontem, no governo, na possibilidade de enviar a Buenos Aires o secretário-geral do Ministério do Desenvolvimento, Alessandro Teixeira, para obter um compromisso firme do governo argentino pelo fim das medidas erráticas de bloqueio na entrada de bens brasileiros. Apesar de as retenções afetarem uma parcela ainda pequena do intenso comércio bilateral, elas ameaçam a sobrevivência, por prejuízos imprevistos com o bloqueio das vendas aos argentinos, de empresas médias e pequenas, como as do setor de chocolates. Outros produtos afetados pelas barreiras, que assumem a forma de exigências contraditórias da burocracia nas aduanas, são eletrodomésticos da linha branca e máquinas agrícolas.
Débora Giorgi mandou recados ao governo brasileiro, para que se evitasse a disputa pela imprensa, como interpretam os argentinos as queixas feitas por autoridades brasileiras nos últimos dias. O governo claramente tem usado essas declarações para reforçar as mensagens frustradas pela via diplomática. "O ideal é não tomar medidas", comentava ontem um graduado funcionário do governo. A informação de que, na prática, já começaram as dificuldades para autopeças argentinas na aduana brasileira não foi confirmada por outras fontes ligadas ao assunto, que afirmavam haver disposição para negociar até terça-feira, data da reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex), que deve discutir a estratégia para lidar com as medidas do país vizinho.
Os argentinos já receberam, nos últimos dias, recados de pelo menos dois ministérios do Brasil sobre a "iminência" da retaliação. Um dos fatores que irritam o governo brasileiro é a falta de resposta argentina para o pedido de uma reunião ministerial bilateral, destinada a remover os problemas. O pedido foi feito na primeira semana de abril pelo secretário-geral do Itamaraty, Ruy Nogueira, que queria uma reunião dos ministérios de Indústria e Relações Exteriores. Os argentinos fizeram questão de incluir os ministérios da Fazenda e Economia e, desde então, não fixaram uma data para o encontro.
O governo brasileiro reconhece que as exportações brasileiras crescem em praticamente todos os setores, e o saldo comercial em favor do Brasil, de US$ 1,3 bilhão até abril, já é quase 140% maior que o do mesmo período do ano passado. Havia a decisão, na cúpula do governo, de discutir e resolver o conflito discretamente. Há consenso em Brasília de que as ações protecionistas estão ligadas ao período eleitoral e se destinam também a minimizar os efeitos da fuga de capitais no país vizinho, que chega a US$ 1 bilhão por dia, nas estimativas mais alarmistas. Nesta semana, Débora Giorgi foi recebida como heroína em um evento da União Industrial Argentina (UIA), que congrega representantes dos produtores locais beneficiados pelo bloqueio aos importados.
O fracasso dos contatos diplomáticos e o descumprimento das promessas de "fast track" (ação rápida) para a liberação dos produtos brasileiros levaram, porém, as autoridades do Brasil a mudar de tom. Pois, para obter dividendos políticos, o governo argentino está, afinal, criando áreas de atrito entre o governo e o setor privado brasileiros, avalia um graduado assessor do governo.
Veículo: Valor Econômico