Classes D e E compram menos itens básicos

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Consumo de supérfluos apenas desacelera no trimestre, indicando trocas na lista do supermercado

 

Após anos consecutivos de aumento no tamanho da cesta de compra da nova classe média brasileira, houve uma mudança no ritmo de consumo dessa população em 2011. Já foi constatada estagnação na demanda desse grupo, e até perda na quantidade de produtos comprados pelo consumidor das camadas emergentes nos primeiros meses do ano. O aumento modesto do salário mínimo e a alta forte de preços de alimentos e das tarifas de transporte público explicam esse processo, afirmam economistas. A escalada na cotação das commodities e dos fretes - que levou grandes fabricantes a reajustar preços de mercadorias - também ajudam a entender esse movimento.

 

Uma das primeiras pesquisas sobre essa variação no consumo mostra que de janeiro a março, as classes D e E (formadas por famílias com renda mensal de até quatro salários mínimos) diminuíram em 2% a quantidade de itens básicos comprados nos supermercados em relação ao mesmo período de 2010. A informação consta em estudo realizado pela consultoria Kantar Worldpanel na casa de 8,2 mil brasileiros nas últimas semanas. A base de comparação alta poderia explicar um crescimento menor, mas não a retração, na análise de especialistas da área.

 

Desde o ano de 2005 não se via uma redução no consumo dessa classe de renda no Brasil. São mercadorias de compra frequente nos segmentos de alimentos, bebidas, higiene, limpeza e cuidados pessoais. "Precisamos ficar de olho para ver se essa perda se consolida como tendência. Ainda não podemos afirmar isso", diz Fátima Merlin, diretora da Kantar Woldpanel no Brasil.

 

Na classe C, que reúne a grande massa de novos consumidores, foi verificada estabilidade no volume comprado de itens básicos. No ano passado, as taxas cresciam entre 10% a 12% na média trimestral. Nas camadas A e B houve elevação de 3% no volume comprado dessas mercadorias de janeiro a março.

 

Essa desaceleração, no entanto, não se repetiu na mesma velocidade nas categorias de itens não básicos - e essa é uma análise interessante do levantamento. O consumo de mercadorias consideradas supérfluas cresceu 10% nas classes D e E de janeiro a março, e no caso da classe C, a alta foi de 13%. São aumentos em cima de taxas já altas. No acumulado do ano passado, a classe D já havia ampliado a demanda por itens não básicos em 19% e na C, a alta foi 13%.

 

É algo que, na avaliação dos consultores, tem explicação em alguns novos comportamentos surgidos após a recente expansão da classe média brasileira. Se o cenário econômico dá sinais de leve piora, o consumidor não tende mais a cortar, necessariamente, o que é supérfluo. "Essa é uma análise simplista demais num mercado cheio de nuances", afirma Arlete Soares Corrêa, gerente de análises especiais da Nielsen. "Há determinados ganhos, certas conquistas que não se quer abrir mão. Então se o dinheiro fica mais curto, você reorganiza a cesta, mas tenta manter a compra daquele produto que virou uma conquista para a família, pelo menos por algum tempo".

 

Fatima, da Kantar Brasil, também ressalta que há nuances a considerar no comportamento do consumidor. "Se o bolo pronto, que não é um item básico, subiu demais, você troca o produto por uma bolacha mais bacana, e leva dois pacotes para casa", diz. "E se um item básico disparou de preço, como arroz ou a farinha de trigo, você deixa de comprar a farinha de trigo e faz um estoque menor de arroz em casa, esperando pela queda no preço".

 

O economista Fabio Romão, da LCA Consultores, lembra que o salário mínimo subiu apenas 0,4% acima da inflação neste ano, o menor reajuste real desde 2003. "Em 2009 e 2010, o aumento real ficou na casa de 6%. Neste ano, o ganho foi bem menor", diz Romão. Segundo estimativas da LCA, cerca de 30% da população ocupada tem o rendimento referenciado ao piso salarial - ou ganham o mínimo ou um valor próximo a ele. "Além disso, dois terços dos beneficiários do INSS recebem o salário mínimo."

 

Romão estima que a renda das classes D/E deve aumentar 1,6% acima da inflação neste ano, um aumento bem menor que os 4,2% registrado em 2010. "Será a primeira vez desde 2004 que o rendimento das classes D/E cresce menos que das outras", afirma ele, que projeta aumento de 2% para o rendimento da classe C e de 2,2% para o das classes A/B em 2011.

 

O coordenador de análises econômicas da Fundação Getulio Vargas (FGV), Salomão Quadros, também acredita que a desaceleração no consumo dos mais pobres pode se explicar pelo aumento menor do salário mínimo e pela alta expressiva de preços de itens como alimentos e tarifas de transporte. O Índice de Preços ao Consumidor - C1 (IPC-C1), que mede a inflação para quem ganha entre 1 e 2,5 salários mínimos, subiu 2,53% no primeiro trimestre, com aumento de 2,91% do grupo alimentação e 6,25% de transporte público, especialmente puxado por tarifas de ônibus. Juntos, esses dois itens respondem por mais da metade do IPC-C1 (os alimentos equivalem a quase 42% do indicador e o transporte público, cerca de 13%).

 

Romão observa que os alimentos têm subido um pouco mais devagar neste ano do que no começo de 2010, mas lembra que a elevação se dá em cima de patamares já elevados. No IPC-C1, por exemplo, os alimentos subiram 11% no ano passado. "Além disso, a alta do transporte público afeta muito o bolso das classes de renda mais baixa. O aumento neste ano foi muito forte." No Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), a elevação desse item no primeiro trimestre foi de 6%, mais que os 5,8% registrados em 2010 inteiro, diz Romão. Com gastos elevados com alimentação e transporte, sobra menos dinheiro para as classes de menor renda. O INPC retrata a inflação para quem ganha até seis salários mínimos.

 


Veículo: Valor Econômico


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