A inesperada alta dos produtos agropecuários e industriais no Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) de setembro é o primeiro sinal claro de que o câmbio já teve impacto na inflação doméstica, avaliam economistas consultados pelo Valor. Entre o começo de agosto e o fim do mês passado, a moeda americana subiu mais de 20%, e o reflexo dessa escalada começa a chegar aos preços no mercado interno. O IGP-DI encerrou setembro com avanço de 0,75%, acima da alta de 0,65% do fechamento do Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M). Os dois indicadores são apurados pela Fundação Getulio Vargas (FGV), diferindo apenas pelo período de coleta dos dados.
Para o coordenador de análises econômicas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), Salomão Quadros, o dólar foi o grande vilão da alta do IGP-DI, e esse movimento não acabou. Ele ressalta, contudo, que "na alta do IPA câmbio e preços estão subindo por outros fatores" como a demanda interna e o preço internacional. A mandioca, que não sofre com o câmbio, subiu 13,9% em setembro.
O IGP-DI avançou acima do teto das expectativas do mercado e da projeção dos analistas entrevistado. "Essa aceleração como um todo não faria sentido se não fosse o câmbio", avalia Thiago Curado, da Tendências Consultoria. Os economistas esperavam acomodação dos preços agropecuários e industriais, trazendo o indicador para uma taxa pouco abaixo de 0,65%, marca registrada no último IGP-M.
A ascensão do IGP-DI foi puxada por avanço de 0,94% no Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), com alta de 1,85% nos preços agropecuários e 0,62% nos industriais. No IGP-M de setembro, esses itens haviam variado 1,57% e 0,45%, respectivamente. "A maior pressão saiu de matérias-primas brutas, que tiveram alta de 2,44%. O câmbio bate primeiro nesses itens e depois se espalha ao longo da cadeia produtiva até chegar ao consumidor", explica Curado. Fábio Romão, da LCA Consultores, lembra que, além do câmbio, outros fatores influenciaram o comportamento da inflação no mês passado. "Tivemos também casos de aumentos sazonais e recomposição de margens", diz.
Na visão de Curado, os impactos do câmbio são visíveis tanto nos produtos agrícolas como nos industriais. Opinião distinta tem Thiago Carlos, da Link Investimentos. Ele não acredita que o câmbio tenha influenciado os preços agrícolas, mas vê no movimento do dólar o principal motivo para a aceleração de 1,36% dos produtos químicos, que estão no grupo dos industriais e haviam caído 0,69% em agosto. "Os insumos desses produtos são importados, por isso o câmbio pega 'na veia'", explica, acrescentando que a pressão cambial, antes concentrada no minério de ferro, já se espalha por outros itens. Entre as matérias-primas agrícolas, o café, a soja e o milho estão entre os produtos que mais puxaram o avanço do IGP-DI, registrando elevações de 9,5%, 5,4% e 3,33%, respectivamente.
A expectativa de Fábio Romão é de que a soja e o café apontem desaceleração de preços já em outubro, acompanhados pela batata-inglesa e pelo arroz. A projeção da LCA para os produtos agropecuários no atacado em outubro é de aumento de 1,48%, percentual inferior ao 1,85% de setembro.
Para Quadros, da FGV, contudo, a influência do câmbio deve ser mais forte nos índices de preço do próximo mês, já que há produtos que ainda estão sendo transacionados a um preço defasado. "Essas negociações ainda não incorporaram completamente a revisão do câmbio deste mês", disse ele.
Para os analistas consultados, a perspectiva de desaceleração nos preços das commodities, decorrente da diminuição da demanda frente à crise global, não deve evitar que no mercado interno a inflação continue sendo puxada pelos alimentos. Curado, da Tendências, acredita que em outubro pode haver acomodação dos preços agrícolas se o real parar de perder valor em relação ao dólar e as commodities seguirem em queda, mas ressalta que, no varejo, os alimentos continuarão pressionados.
Para outubro, a estimativa dos economistas é de que o IGP-DI apresente elevação entre 0,56% e 0,65% frente a setembro.
Veículo: Valor Econômico