Lançado ontem pelo governo federal, o pacote para o setor de etanol e indústria química prevê uma renúncia fiscal de R$ 2,07 bilhões neste ano com a redução da incidência de PIS-Cofins e a reabertura de linhas de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar investimentos em canaviais e a estocagem de álcool.
Os ministros Guido Mantega, da Fazenda, e Edison Lobão, de Minas e Energia, disseram que o governo pretende baixar custos, aumentar investimentos e estimular ganhos de competitividade nos dois setores. Não há intenção de reduzir preços aos consumidores e, sim, recompor margens das indústrias.
As medidas, assim como o aumento já anunciado da mistura de etanol anidro na gasolina de 20% para 25%, começam a vigorar no dia 1º de maio e, no caso das desonerações, dependem ainda de uma medida provisória
O governo mudou a tributação do etanol: as distribuidoras deixam de pagar o PIS-Cofins, que passa a incidir integralmente sobre o produtor no valor de R$ 0,12 por litro.
Para "neutralizar" o efeito do tributo, os produtores vão receber um crédito tributário do governo federal no mesmo valor.
Na avaliação do ministro Guido Mantega a mudança é "anti-inflacionária". O custo fiscal em 2013 será de R$ 970 milhões.
O governo também melhorou as condições de linhas de financiamento do BNDES que já existiam, mas não vinham funcionando por causa de juros elevados.
O Pro Renova, que permite a renovação e implantação de novos canaviais, terá R$ 4 bilhões neste ano, com juros reduzidos de 8,5% a 9% ao ano para 5,5%. O prazo de pagamento é de 72 meses, com 18 meses de carência.
A redução nos juros será equalizada pelo Tesouro Nacional, que desembolsará R$ 344 milhões. No ano passado, o governo também disponibilizou R$ 4 bilhões para o Pro Renova, mas o setor pegou apenas R$ 1,3 bilhão por causa da taxa de juros.
Também foram anunciadas novas condições de financiamento da estocagem do etanol. A linha contará com R$ 2 bilhões e terá taxa de juros de 7,7% ao ano ante 8,7% cobrada em 2012.
A indústria química terá redução no PIS-Cofins da matéria-prima e dos produtos de primeira e segunda geração. Para isso, o governo federal vai abrir mão de R$ 1,1 bilhão neste ano. Para essa indústria, que sofre com a invasão dos importados, a alíquota do PIS-Cofins vai cair de 5,6% para 1%. O setor recebe crédito tributário de 9,25%, que será mantido.
Na prática, o crédito tributário efetivo - diferença entre os dois percentuais - vai aumentar. Esse benefício será válido até 2015. Em 2016, o tributo começa subir gradualmente atingindo a alíquota cheia (5,6%) em 2018.
A diretora técnica de economia e estatística da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Fátima Ferreira, disse que as medidas do governo vêm "numa hora excelente" e dão "um certo alívio" ao setor. Já a presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Elizabeth Farina, ressaltou que as ações de estímulo aumentam a competitividade, mas "não são medidas que por si só venham a resolver os problemas do setor de etanol". Ela relatou ainda que a presidente Dilma Rousseff teria dito que, apesar desse pacote de estímulos, as conversas entre governo e o setor "não terminaram aqui".
Medidas reforçam caixa, mas não garantem investimento
O velho Proálcool, criado em 1975 pela ditadura militar na esteira da primeira crise internacional do petróleo, acabou em meados dos anos 80. De forma melancólica, com filas de milhares donos de carros à espera do álcool nos postos, abandonados por usineiros interessados em produzir açúcar. De lá para cá, o derivado da cana ficou no ostracismo, marcado pela derrocada imposta pelo regime decrépito. Virou sinônimo de mau negócio. Quem tinha um carro à álcool, tratava de vendê-lo a qualquer preço.
Demorou quase 20 anos até que, recentemente rebatizado como etanol, o biocombustível retomou o status de salvação nacional. As montadoras viram no filão dos carros "flex fuel" um valioso nicho. A independência do velho álcool seduziu novos consumidores. E a oferta abundante de etanol barato ajudou a alavancar a indústria. Os usineiros foram chamados de heróis pelo então presidente Lula e o então manda-chuva americano George W. Bush ajudou a levar a produção de etanol ao Olimpo.
Mas a crise financeira mundial de 2008 atropelou os sonhos de potência energética mundial. As multinacionais, que haviam comprado dezenas de usinas, desaceleraram. As fontes de crédito externo secaram. A aversão ao risco freou os grupos nacionais, às voltas com elevados investimentos em mais de 200 projetos desde 2005. Ficaram sem capital. E as dívidas foram à estratosfera. O governo tentou pacotes de socorro, paliativos. Nada funcionou. Em 2009, os usineiros queriam renegociar R$ 3,5 bilhões em dívidas com BNDES, tradings, bancos privados, produtores e fundos de investimento. O governo recusou. A descoberta do petróleo no pré-sal, em fins de 2007, já tinha arrefecido os planos para uma "Arábia Saudita verde".
Escolada no setor desde a época de ministra, a presidente Dilma Rousseff tentou, no início de sua gestão, chacoalhar os empresários ao transferir a fiscalização e o controle da área à Agência Nacional do Petróleo, esvaziando o Ministério da Agricultura, aliado tradicional dos usineiros. O aumento da interferência do governo piorou a situação. E a falta de diálogo se acentuou. De exportador, o país passou a comprador de etanol de milho dos EUA. Sem ter como contratar crédito novo, boa parte das usinas nacionais foi liquidada. Outra parte quebrou ou pediu recuperação judicial. Saíram de cena gigantes como Santelisa, NovAmérica e Vale do Rosário. Entraram os estrangeiros ADM, Louis Dreyfus, Bunge, Tereos, Abengoa, Shree Renuka. Em 2012, a dívida do setor rondava US$ 42 bilhões.
O pacote ora anunciado vinha em gestação desde 2011. Deveria ter saído em 2009. Agora, avalia-se, não será a solução, mas se aposta que permitirá um rearranjo nas combalidas finanças do setor. Desonerar o etanol de PIS-Cofins em R$ 0,12 por litro vai recompor margens e reforçar o caixa de usinas, distribuidoras e postos. Mas a expansão e renovação dos canaviais, se vier, só ocorrerá em quatro ou cinco anos. O etanol será complementar à gasolina, não mais um protagonista, como na década anterior. E os investimentos só voltarão em peso se o combustível for rentável, e não pela demanda via elevação do etanol anidro na gasolina. No governo, costuma-se dizer que um carro é produzido em 12 minutos, mas um hectare de cana só fica pronto em dois anos. De 2008 a 2013, a produção de etanol total recuou de 26,6 bilhões para 25,7 bilhões de litros.
As linhas de investimento podem ajudar a driblar a decadência. Mas não serão decisivas. Desde 2008 que não se cuida dos canaviais. O clima desfavorável e a multiplicação de pragas aumentou custos. A produção não decolou e a produtividade média, sem investimento, caiu de 81,5 para 73,5 toneladas por hectare. A administração pouco profissional, centrada em poucas famílias, e as sucessões mal resolvidas, complicaram as coisas. Ainda há riscos nos estoques. Grandes empresas contratam empréstimos subsidiados para comprar etanol de pequenas destilarias e vendem na entressafra, o que pode gerar mais desigualdade.
Pouco desse pacote deve estimular o consumidor a voltar às filas pelo etanol. E uma interferência excessiva do governo no setor pode botar tudo a perder.
Veículo: Valor Econômico