Que política industrial é essa?

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EUA, União Europeia e Japão questionam a política industrial brasileira, considerada discriminatória às empresas estrangeiras. Eles podem não ter moral para reclamar, mas será que o Brasil escolheu o melhor caminho ao se limitar a estimular o consumo?

Por Cristiano ZAIA

Em meio à intensa campanha para convencer os 159 países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) a escolhê-lo como novo diretor-geral do órgão, o embaixador Roberto Azevêdo teve que incorporar um novo assunto à sua agenda na semana passada: o protecionismo. Não a crítica às práticas de outros países, mas a defesa das políticas do governo brasileiro. Na reunião do Comitê de Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio (TRIMS), da OMC, realizada na terça-feira 30, Estados Unidos, União Europeia e Japão questionaram a legislação brasileira que cobra IPI maior de produtos importados e acusam essas políticas de serem discriminatórias.
 
Coube a ele tentar se distanciar. “Eu, como candidato a diretor-geral, não estarei representando o Brasil”, disse Azevêdo em entrevista à agência Reuters, na semana passada, ao ser questionado sobre o assunto. A acusação pode parecer exagerada, já que tanto Estados Unidos quanto União Europeia são mestres em proteger seus mercados quando julgam conveniente. Mas eles abrem uma discussão que é relevante para a economia brasileira. Nos últimos anos, toda a política industrial do País foi concentrada no estímulo ao consumo, escolhendo setores que se beneficiaram da redução de impostos. Desde o início de 2009, como resposta à crise do ano anterior, os escolhidos foram veículos, eletrodomésticos, móveis e materiais de construção.
 
A medida deu certo por algum tempo. As vendas de eletrodomésticos e móveis se mantiveram em dois dígitos nos últimos três anos. Mas já mostrou seus limites. No primeiro bimestre deste ano, o setor cresceu apenas 2,7% sobre o mesmo período do ano passado. “As reduções do IPI cumpriram papel muito importante na crise de 2009, mas o Brasil não deveria estar dependendo disso até hoje”, afirma o economista Aloísio Campelo, da Fundação Getulio Vargas, responsável pelo índice Sondagem da Indústria. O problema é que é justamente esta a estratégia que vem sendo reeditada pelo governo. A equipe econômica já fechou uma proposta, que ainda precisa ser aprovada pela presidenta Dilma Rousseff, para oferecer crédito, a juros subsidiados, para os compradores de imóveis do Minha Casa, Minha Vida adquirirem móveis e eletrodomésticos.

 
Para a indústria, que vem já sentindo a ressaca do crescimento dos anos anteriores, seria a garantia de vendas melhores neste ano, que começou mais fraco para o setor (veja quadro). Para Armando Valle, vice-presidente de relações institucionais da Whirlpool, que produz as marcas Brastemp e Consul, a renovação do IPI menor para geladeira, fogões e máquinas de lavar roupas, prevista para acabar em junho, ajudaria a empresa a crescer entre 2,5% e 3%. “Se a redução do IPI acabar de vez, vamos apenas empatar com 2012”, diz ele. No ano passado, a expansão foi de 15%. Mas será que a política industrial brasileira deve se limitar a esses incentivos pontuais, mesmo que eles sejam importantes para alguns setores da indústria?
 
Na avaliação de Heloisa Menezes, secretária de Desenvolvimento da Produção do Ministério de Desenvolvimento, ela vai além. “O Brasil tem uma política industrial estruturante, com viés de estímulo à inovação e atração de investimento”, diz ela, referindo-se justamente aos programas questionados na OMC, como a cobrança de impostos menores de quem produz no Brasil. A economista Cristina Reis, consultora do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), concorda que a política setorial dos últimos anos foi importante para evitar uma piora na produção industrial.
 
Mas diz que, agora, o foco deveria ser outro, para aumentar os investimentos. “A questão é: mesmo com essas medidas, quanto o consumo ainda pode crescer com o PIB atual?”, questiona. O economista Júlio Gomes de Almeida, professor da Universidade de Campinas (Unicamp) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, também defende uma política mais abrangente. “Seria melhor que o governo desonerasse matérias-primas, porque isso atingiria toda a cadeia de produção”, afirma. A acusação de protecionismo dos países desenvolvidos pode até não fazer sentido, mas está na hora de o próprio País repensar sua política industrial.

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Veículo: Revista Istoé Dinheiro


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