RIO — O esfriamento do consumo das famílias no primeiro trimestre, afetado pelo avanço dos preços, e a forte valorização das ações das empresas de menor porte da Bolsa começam a mudar, ao poucos, uma fórmula que faz sucesso nas estratégias das corretoras de valores desde o ano passado: a de apostar em papéis de companhias mais dedicadas à demanda doméstica e negociadas fora do Ibovespa, o principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Das dez carteiras das corretoras recomendadas para junho, consultadas pelo GLOBO, 68% dos 103 papéis são de empresas que dependem do crescimento interno e 32% de companhias expostas ao mercado internacional. Um ano atrás, essa relação era de 76% a favor das empresas ligadas ao mercado doméstico. Já as ações listadas no índice passam a responder por 70% das recomendações, mais que os 61% do mesmo mês do ano passado.
Segundo Clodoir Vieira, consultor de investimentos da Souza Barros Corretora, parte dos papéis de consumo ficou simplesmente cara demais. É o caso da fabricante de bebidas Ambev e da empresa de serviços odontológicos Odontoprev, muito recomendadas por analistas e que desapareceram das carteiras mensais.
— Os preços das ações de empresas de varejo, serviços e educação ficaram próximos do que o mercado considera o valor justo a se pagar por elas, o que significa menor potencial de valorização. O setor continua a maior aposta do mercado, mas isso começa a mudar, aos poucos. Do outro lado, há ações de exportadoras que ficaram bastante baratas, que sofreram muitas perdas desde o ano passado — diz Vieira.
Entre as empresas expostas ao mercado internacional que ganharam espaço nas carteiras, os destaques do mês são a fabricante de alimentos BRF (dona das marcas Sadia e Perdigão), Vale e Petrobras, com quatro recomendações cada. Também aparecem nessa relação Suzano Papel e Celulose, Klabin, Fibria (ex-Aracruz), Minerva, JBS e Gerdau.
Riscos chinês e americano
Na carteira da Souza Barros, que teve um dos melhores desempenhos de 2012, a BRF foi a primeira exportadora a ser recomendada em um ano. Vieira diz que a empresa encerrou seu processo de reestruturação societária e concluiu os acordos com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) sobre o uso das marcas Sadia e Perdigão.
— A empresa agora é uma aposta firme e tem tudo para crescer — acredita Vieira.
Roberto Indech, analista da Octo Investimentos, que recomenda a compra de Vale e Minerva para junho, diz que as exportadoras podem ser beneficiadas pela valorização do dólar, que chegou a ser negociado a R$ 2,15 no fim de maio, maior valor em quatro anos. Ele frisa, no entanto, que esse benefício precisa ser avaliado caso a caso, já que uma parte das companhias tem dívida em moeda estrangeira, o que pode gerar impacto contábil na lucratividade no trimestre.
— E existem outros riscos para as exportadoras, como a desaceleração maior do que a esperada da economia da China e a lenta recuperação da economia europeia. Nos EUA, há em curso uma retomada da economia, mas a redução do programa de recompra de títulos americanos pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) pode afetar os preços dos ativos — avalia Indech.
Esses foram, inclusive, fatores que influenciaram a perda de 4,30% do Ibovespa no mês passado, o pior desempenho do índice desde maio de 2012.
Bancos voltam a liderar
Entre os papéis ligados ao consumo interno, os bancos voltaram a ser destaque das recomendações. As ações preferenciais (PN, sem voto) do Itaú Unibanco foram as mais recomendadas para o mês, presentes em seis carteiras. Bradesco PN tem cinco sugestões.
Segundo Rafael Weber, analista de investimentos da Geração Futuro, que tem ações do Itaú Unibanco e Bradesco nas sugestões do mês, as instituições financeiras ganharam destaque porque são beneficiadas pelos juros mais altos. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central elevou, no fim de maio, em 0,5 ponto percentual os juros básicos da economia, a Taxa Selic, para 8% ao ano. E os juros vão subir mais até o fim do ano.
— O ano passado foi complicado com aumento da inadimplência das famílias e a pressão do governo sobre os juros dos bancos. Isso mudou. Vemos concessão de crédito mais disciplinado e a pressão do governo sobre a queda do crédito dos bancos caiu. E, com Selic, subindo, agora, os bancos podem repassar um pouco mais essa alta — afirmou Weber.
Para Marcelo Torto, analista da Ativa Corretora, apesar da valorização nos últimos meses, existem ainda papéis de varejistas atraentes para o investidor. Ele cita o Pão de Açúcar, que teria facilidade para repassar a alta da inflação aos produtos que comercializa.
— É ainda possível fazer apostas no setor, até porque a demanda segue aquecida no varejo, ainda que em ritmo menor. O investidor precisa, porém, ser seletivo — avalia.
Veículo: O Globo - RJ