A ideia de ter uma meta para o déficit nominal das contas públicas, uma das opções em discussão no Palácio do Planalto para tentar restabelecer a confiança em um dos pilares do tripé econômico, encontra certa resistência por parte de economistas ouvidos pelo Valor. Voltar a ter objetivos claros de superávit primário e deixar de recorrer à contabilidade criativa, dizem, já seriam passos importantes nesta direção. Além disso, em momentos de alta de juros, a imposição da necessidade de redução do déficit nominal pode ser uma amarra para a política monetária.
Após a agência de classificação de risco de crédito Standard & Poor's ter rebaixado a perspectiva para a nota do Brasil, o governo pensa em reagir às críticas feitas à condução da política fiscal e uma das alternativas seria anunciar como meta a eliminação do déficit nominal das contas públicas em um prazo de cinco anos, informou ontem o Valor.
Para Margarida Gutierrez, professora do Coppead, instituto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o objetivo de reduzir a zero o déficit nominal, que alcançou 2,9% do PIB nos doze meses encerrados em abril, é válido. O problema, diz, é que essa é uma variável que não depende apenas da política fiscal, porque além da evolução das receitas e despesas primárias, o serviço da dívida também entra na conta. Quando o Banco Central reduz juros, não há problema, porque o resultado nominal tende a melhorar. No entanto, quando os juros precisam ser elevados, o efeito é contrário e o déficit nominal sobe. "Neste cenário, a Fazenda poderia tentar dissuadir o BC a subir juros, e o resultado seria mais inflação. A segunda opção seria permitir uma política monetária mais apertada e cortar gastos discricionários, mas a qualidade do ajuste pode piorar se o corte for em investimentos".
Para Carlos Kawall, economista-chefe do Banco J. Safra, antes de anunciar uma meta para o resultado nominal, seria mais importante voltar a ter metas claras de superávit primário. "Na prática, temos uma banda, que pode variar de 0,9% a 3,1% do PIB. Neste espaço, cabe trajetória que reduz e que aumenta a dívida líquida, por exemplo". Este amplo intervalo, avalia o ex-secretário do Tesouro Nacional, é ruim do ponto de vista da solvência das contas públicas e também da atividade econômica, porque torna mais difícil a avaliação por parte do BC sobre quão expansionista será a política fiscal.
De acordo com cálculos do Itaú Unibanco, ao longo de um ano, até o primeiro trimestre de 2013, o impulso dado à atividade econômica via orçamento da União e de governos regionais totalizou 0,67% do PIB. Em relatório, a equipe econômica do banco afirma que as informações disponíveis hoje sinalizam "continuidade do quadro expansionista atual".
Para Kawall, estabelecer como meta de superávit primário cerca de 2% do PIB para este ano e no próximo já seria suficiente para sinalizar maior compromisso do governo. Mansueto Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também afirma que é mais lógico ter metas para o superávit primário, já que zerar o déficit nominal exigiria forte esforço fiscal e ainda poderia constituir amarra para a política monetária.
O economista vê com ceticismo a perspectiva de que o governo possa mudar de mão na condução da política fiscal. "Quando falamos em ajuste fiscal, temos que falar em ciclos de governo. Controle de gastos em geral é feito no primeiro ano de mandato, a tempo de recuperar popularidade nos anos seguintes". Controlar despesas agora, quando há uma eleição a ser vencida em 2014, seria uma espécie de "tiro no pé". O próprio Orçamento também dificulta um ajuste, já que a maior parte dos gastos do governo é de despesas obrigatórias, previstas pela Constituição ou na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Por isso, quando é preciso enxugar gastos, em geral o investimento é a rubrica que mais sofre, como em 2003 (ver tabela).
O discurso da austeridade também não combina com medidas como a linha de crédito destinada à compra de mobília com juros subsidiados para beneficiários do "Minha Casa, Minha Vida", que deve ser anunciada hoje, diz.
Veículo: Valor Econômico