Preocupado com os reflexos da forte seca em curso na região Sul do país e em Mato Grosso do Sul, o governo busca prevenir-se dos efeitos financeiros sobre a produção nacional e a renda do setor. O primeiro sinal do problema já figura no radar do sistema financeiro. Nos últimos 40 dias, o Banco Central recebeu 18 mil comunicados de perdas nas lavouras da região Sul com pedidos de cobertura do seguro oficial de crédito (Proagro). Na melhor safra climática da última década (2006/07), 30 mil solicitações de indenização chegaram ao BC em toda a temporada. Nas piores (2004/05 e 2005/06), foram 400 mil pedidos.
Nesta segunda-feira, um grupo avaliará a necessidade de medidas para amenizar as perdas na região Sul e no Mato Grosso do Sul. Somados, os quatro Estados produzem 48% da safra de grãos, fibras e cereais - ou 66,2 milhões de toneladas. "Temos que prestar atenção aos efeitos e ter medidas de apoio prontas", diz o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Edilson Guimarães. Hoje (dia 9), ele está em Santa Rosa (RS) para verificar as condições das lavouras em uma das áreas mais afetadas pela estiagem.
Maior financiador do setor rural, o Banco do Brasil teme possíveis efeitos da quebra das lavouras sobre o nível de adimplência e de risco dos clientes no campo. Os preços devem subir no mercado, mas quem sofreu com a seca pode ter problemas para pagar a renegociação. "Mas estamos preparados para realocar recursos para financiar o replantio dentro do prazos autorizados", diz o diretor de Agronegócio do BB, José Carlos Vaz. O banco ainda está concluindo a renegociação das dívidas da carteira rural, muitas delas decorrentes da seca do fim de 2004.
O otimismo esbarra no cenário climático de curto prazo para a região Sul e Mato Grosso do Sul. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) calcula em 40% as probabilidades de chover abaixo da média histórica nesses Estados até março. "Há uma fraca 'La Niña' [resfriamento das águas do Oceano Pacífico] que reduz as chuvas por lá", diz o diretor do Inmet, Divino Moura. "Não será nada extremado, mas teremos problemas localizados que devem gerar perdas".
Diante da previsão, os produtores já começaram a movimentação para evitar os impactos de uma forte estiagem em seus bolsos. "Na próxima safra [2009/10], teremos problemas de crédito, com inadimplência e alto risco dos produtores. Quem vai financiar essa dificuldade?", questiona a presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), senadora Kátia Abreu (DEM-TO).
Diante das projeções de safra divulgadas na quinta-feira pelo governo para esta temporada 2008/09, cuja colheita já começou em Mato Grosso, as perspectivas de que o clima poderá piorar nos próximos três meses em importantes pólos agrícolas do Centro-Sul, prejudicando inclusive o plantio das culturas de inverno, tornam-se alarmantes.
Segundo a Conab, a produção brasileira de grãos alcançará 137,034 milhões de toneladas, 2,3% menos que o projetado em dezembro. Além de ter sido um dos maiores ajustes mensais já observados, a nova estimativa amplia para 4,9% a quebra em relação à colheita de 2007/08.
Desde meados de 2008 já se sabia que o volume cairia por causa do menor uso de tecnologia nas lavouras - sobretudo fertilizantes, que estavam muito caros na época do plantio -, mas até então esperava-se que o clima colaborasse e justificasse a maior área plantada que se confirmou (47,493 milhões de hectares, aumento de 0,2%).
Outro detalhe que poderá reduzir ainda mais as previsões de safra do governo nos próximos meses envolve o trigo, que ainda consta nas estimativas com a produção de 2008, que foi quase 50% maior que no ano anterior e que dificilmente manterá o patamar em 2009, até porque a realidade de preços hoje é outra.
Independentemente desse inevitável ajuste para o trigo, a Conab já prevê redução de 2,5% da safra de grãos do Sul do país em 2008/09, que deverá somar 58,119 milhões de toneladas. Com forte queda na safra de verão de milho - 27,6%, para 7,030 milhões de toneladas -, o Paraná deverá colher, segundo os números oficiais, 6,6% menos grãos (28,504 milhões de toneladas).
O Estado só não perderá a liderança na produção nacional porque Mato Grosso também produzirá menos (25,792 milhões). O clima ajudou, mas o menor uso de tecnologia afetou sobremaneira o plantio de soja, milho e algodão - principalmente este último, que tem custo maior e sofreu mais com a falta de crédito disponível aos grandes produtores do Estado.
Para Fabio Silveira, da RC Consultores, as projeções do governo são mais um sinal de que 2009 "será um ano terrível para a agricultura brasileira". Ele lembra que uma quebra grande na colheita em um ano de crédito escasso e desaceleração econômica poderá deixar seqüelas graves. "Já está em jogo o plantio na safra 2009/10", afirma.
Veículo: Valor Econômico