Indicadores da Fecomércio mostram que tendência prejudica famílias de baixa renda, que têm o orçamento comprometido com a compra de comida
Pela primeira vez em três anos, a inflação de produtos acumulada em 12 meses ultrapassou a de serviços na Região Metropolitana de São Paulo. A mudança ocorreu em fevereiro deste ano e, de lá para cá, essa tendência vem se acentuando.
Com a desvalorização do real em relação ao dólar, que em 30 dias depreciou-se 10%, a perspectiva é que a inflação continue sendo puxada por produtos e punindo as classes de menor renda, prevê o assessor econômico da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP), Fábio Pina.
A partir deste mês, a Fecomércio-SP começa a divulgar regularmente o Índice de Preços de Serviços (IPS) e o Índice de Preços do Varejo (IPV), que se refere aos produtos, usando a apuração feita pelo IBGE para calcular o IPCA, o índice oficial de inflação. Além de separar as variações de preços de produtos das de serviços, a outra novidade desses dois indicadores é identificar a inflação por classe social.
No mês passado, a inflação de produtos atingiu 6,68% em 12 meses e a de serviços, 5,19%. A diferença entre o IPV e o IPS foi de 1,49 ponto porcentual. E esse diferencial a favor dos produtos é crescente desde fevereiro.
Para os estratos sociais de menor renda, as classes C, D e E, a inflação de produto (IPV), em 12 meses até maio, superou a média de 6,68%. Em contrapartida, a inflação de serviços (IPS) castigou as classes A e B, que tiveram índice superior à média de 5,19%, acumulada em 12 meses até maio.
"A inflação é ruim para todos, mas quem é mais rico sofre menos no supermercado", diz Pina. Ele vê um agravante no atual momento da inflação. "Agora o que está subindo mais é produto e, principalmente alimentos, o que faz com que isso se torne um mal maior para as classes de menor renda."
O economista traduz em números o estrago que a inflação de produtos, puxada por alimentos, faz no orçamento das famílias mais pobres. O tomate, por exemplo, cujos preços dispararam desde novembro de 2012, pesa 0,21% no orçamento das famílias de classe E, com renda mensal de até R$ 976,58. Esse peso chega a ser quase 2,5 vezes maior do que o gasto dos mais ricos com o produto (0,09%).
Freio. Na análise de Pina, o fato de a inflação de produto ter ultrapassado a de serviços no acumulado em 12 meses força um ajuste nos serviços. "Como as pessoas estão com o orçamento comprometido com a compra de produtos e não têm como escapar dessa situação, elas buscam alternativas de serviços com preços menores", observa o economista.
Um exemplo desse freio nos preços dos serviços provocado pela retração na demanda, foi registrado pelo restaurante Capcana, na região avenida Paulista, em São Paulo. Thábata Yamauchi, sócia do restaurante, conta, que chegava a servir 70 refeições por dia na hora do almoço. Em fevereiro, esse movimento caiu 35% e, para reverter esse quadro, ela decidiu negociar uma redução de preço da refeição executiva com as empresas que atende. "Cerca de 95% da nossa clientela são empresas", diz ela.
Com isso, ela já sentiu uma melhora na demanda e conseguiu recuperar parte da clientela perdida para concorrentes. Thábata conta que, faz 20 dias, decidiu cortar o preço do café da manhã, de R$ 35 para R$ 18. Com isso, vendeu 212 cafés em uma semana.
Ao que tudo indica, a aceleração da inflação de produtos deve acirrar a concorrência entre os prestadores e serviços e reduzir ou pelo menos segurar os preços. Cristiano de Oliveira, gerente do restaurante, diz que vai lançar kits de refeições para entrega nos escritórios com preços 30% menores.
Veículo: O Estado de S. Paulo