O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) solicitou à Abilio Diniz, na terça-feira da semana passada, uma série de informações detalhadas a respeito das relações comerciais entre a companhia de alimentos BRF e o Grupo Pão de Açúcar (GPA). O pedido de informações está no âmbito de uma consulta preventiva levada ao Cade pelo próprio empresário sobre acúmulo da presidência do conselho de administração de ambas as companhias. A despeito de não ver problemas em estar simultaneamente nas duas posições, Abilio decidiu se prevenir por meio dessa solicitação ao órgão.
De acordo com trecho da petição, o objetivo da consulta sobre "as eventuais implicações concorrenciais" do acúmulo das funções é garantir que os atos de Abilio "estejam em plena conformidade com o disposto pela legislação concorrencial", além de "eliminar qualquer utilização de má-fé de alegado conflito de interesses na seara privada".
A consulta foi levada ao Cade no dia 12 de abril, apenas três dias após sua eleição como presidente do conselho de administração da BRF - na assembleia de acionistas realizada no dia 9.
Atualmente, a maior parte da consulta está pública no site do órgão, depois que o Cade solicitou que diversos pontos antes mantidos em sigilo fossem abertos ao público. Entretanto, ainda existem alguns itens mantidos em confidencialidade.
O sócio francês do empresário, o grupo Casino, controlador isolado do GPA desde junho de 2012, julga que há uma situação de conflito permanente na posição de Abilio em ambas as empresas. Por isso, chegou a solicitar formalmente ao brasileiro que renunciasse de sua posição no conselho de administração do GPA. Além disso, entrou com pedido de arbitragem sobre a questão.
Desde meados de 2011, Abilio e Casino, sócios desde 1999, se tornaram rivais e vivem às turras no conselho do GPA.
No pedido feito na semana passada à Abilio, o Cade exige uma série de informações detalhadas. Quer avaliar inclusive a relação com a concorrência. Para tanto, pediu ao empresário estimativas do volume de negócios - em quantidade e preço em valores brutos e percentuais - entre: Pão de Açúcar e BRF; Pão de Açúcar e outros fornecedores, dados como exemplo na própria petição do empresário (Nestlé, Ambev, Unilever, Procter & Gamble, JBS, Camil, Coca-Cola, Kraft, Marfrig /Seara); BRF e Pão de Açúcar nos mercados de frios, processados, embutidos, de forma individualizada para cada mercado mencionado; e BRF e os principais concorrentes do Pão de Açúcar, como Carrefour e Walmart, também nos mercados de frios, processados e embutidos. Por fim, o Cade quer saber como ocorrem as flutuações no volume de negócios e pede dados históricos desses movimentos dos últimos seis semestres.
Fica evidente a preocupação do órgão regulador com o segmento de embutidos e processados.
Na petição levada ao Cade, Abilio não forneceu tais dados. Apenas usou as informações públicas dadas por ambas as companhias - BRF e GPA - alegando cada uma que não possuem nenhuma relação de dependência com clientes e fornecedores, respectivamente.
A relatora do processo no Cade é Ana Frazão. Abilio pode solicitar que as respostas aos questionamentos sejam mantidas em sigilo. O empresário tem até o dia 9 de agosto para atender aos pedidos.
Até o momento, não se tem notícia de que outra parte interessada - seja concorrente de BRF ou do GPA - tenha levado ao Cade qualquer preocupação ou consulta formal a respeito do acúmulo de posição de Abilio nos conselhos das companhias.
A medida adotada pelo ex-dono do Pão de Açúcar foi considerada preventiva. Mas, a partir desse estudo, o Cade deve criar jurisprudência para outras situações desse tipo que possam surgir no universo corporativo nacional.
Veículo: Valor Econômico