Depois de um fim de semana de negociações, 60% da montadora passa para as mãos do governo americano
Patrícia Campos Mello, WASHINGTON
A montadora General Motors, um dos principais símbolos do capitalismo americano, vai entrar com pedido de concordata na manhã hoje em um tribunal de Nova York. No fim de semana, um grupo de credores concordou em trocar parte das dívidas da montadora por uma maior participação acionária na empresa reestruturada, assim eliminando um dos principais obstáculos para uma concordata mais organizada.
O presidente Barack Obama vai anunciar o pedido de concordata em pronunciamento na Casa Branca, que será seguido de uma entrevista concedida pelo atual presidente da GM, Fritz Henderson, de Nova York.
A GM deve nomear um "presidente de reestruturação", o executivo Al Koch (ler abaixo). Especialista em "salvar empresas", ele tirou o Kmart da concordata, concretizando a fusão do varejista com a Sears.
"Esperamos um processo de concordata similar ao da Chrysler, embora não tão rápido, porque a GM é uma empresa muito mais complexa", disse ontem um alto funcionário da Casa Branca. O mesmo funcionário informou que a GM vai fechar 11 fábricas e deixar três ociosas e que deve sair da concordata em 60 a 90 dias.
O principal objetivo da concordata, segundo a Casa Branca, é fazer com que a GM seja lucrativa em um mercado com venda total de 10 milhões de veículos por ano nos EUA. No ano passado, só foram vendidos 9,5 milhões veículos no país.
AGM teve de recorrer à concordata porque chegou ao fim do prazo estabelecido pelo governo americano (vencia hoje) para apresentar um plano viável de reestruturação, sem conseguir reduzir suas dívidas que a Casa Branca exigia. A concordata da GM será a maior de uma indústria na história - está atrás apenas do banco Lehman Brothers e da empresa de telecomunicações WorldCom. A GM tem US$ 91 bilhões em ativos no mundo todo, e seu passivo é de US$ 176,4 bilhões.
A Chrysler, que pediu concordata no dia 30 de abril, declarou ter US$ 39 bilhões em ativos.
Durante a concordata, funcionários e fornecedores continuam recebendo e trabalhando normalmente. As subsidiárias estrangeiras também não serão afetadas, disse ontem a fonte da Casa Branca. As que precisam de capital terão de receber ajuda dos governos locais, como é o caso da GM Austrália, enquanto as saudáveis, como a brasileira, continuam operando de forma independente.
No sábado, a maioria dos credores da montadora concordou em trocar sua dívida por uma participação de 25% na nova GM, facilitando o processo de concordata. Os credores que aprovaram o acordo detêm cerca de 54% da dívida de US$ 27,2 bilhões em títulos.Um grupo representando credores menores da GM, porém, afirmou que vai contestar o plano de reestruturação da montadora.
Segundo o plano de concordata, o Tesouro americano dará mais US$ 30 bilhões para a GM se reestruturar (já concedeu US$ 19,4 bilhões em empréstimos) e o governo canadense deve contribuir com US$ 9,5 bilhões. Na nova GM, inicialmente o Tesouro teria 60%, o governo canadense e o Estado canadense de Ontário ficam com 12,5%, um fundo de assistência médica do sindicato teria 17,5% e os credores, 10%. Mas os detentores de títulos poderiam comprar mais 7,5% depois que a nova GM atingir o valor de mercado de US$ 15 bilhões.
Depois que a montadora chegar aos US$ 30 bilhões, os credores podem exercer seu direito de ter mais 7,5% da montadora, chegando ao total de 25%. O sindicato pode elevar sua participação para 20%, mas somente quando a GM estiver valendo US$ 75 bilhões. Quando sindicato e credores tiverem atingido suas participações máximas, o Tesouro e o governo canadense terão participação reduzida.
A GM passa por um declínio prolongado - sua participação caiu de 48% do mercado americano em 1980 para 22% no ano passado. A montadora acumula US$ 88 bilhões em prejuízos desde 2004. A GM deixou de ser a maior montadora do mundo no ano passado, quando foi ultrapassada pela Toyota.
De acordo com o plano de concordata antecipado ontem pela Casa Branca, será criada uma nova companhia, a "nova GM", que reunirá os ativos da GM, e a "velha GM" ficará com o passivo e os ativos que a montadora não quer na nova empresa. A GM já anunciou que vai eliminar a marca Pontiac, vender a Hummer e a Saturn e romper contrato com 2.400 concessionários até o fim de 2010.
A Opel, braço europeu da GM, foi vendida no sábado para a indústria de autopeças canadense Magna International e para o banco russo Sberbank, com financiamento do governo alemão.
A GIGANTE CAI
Cronologia da GM ao longo de um século
1908
O empresário William Durant, dono da Buick, cria a General Motors,
que incorpora também a Oldsmobile
1911
Criada a Chevrolet, uma parceria entre William Durant e Louis Chevrolet
1918
Aberta unidade no Canadá
1923
Construída a primeira fábrica na Europa (Suécia)
1925
Inaugurada a primeira unidade no Brasil, no bairro do Ipiranga (SP). Hoje, o grupo tem três fábricas de veículos, uma de motores e outra de componentes. Produziu em 2008 cerca de 600 mil veículos e emprega 21 mil trabalhadores
1928
Operações se estendem para a Índia
1929
Assume o controle da fabricante alemã Opel
1930
Torna-se a maior fabricante mundial de veículos, posto mantido até 2007
1967
Alcança a produção de 100 milhões de veículos
1972
Com parceira local, inicia operações na Coreia
1989
Adquire 50% das ações da Saab
1995
Assinado acordo para fabricação de veículos na China com a Shangai Automotive
1998
Adquire a Hummer
1999
Delphi, fabricante de autopeças da GM, torna-se independente
2000
Em acordo, adquire 20% das ações da Fiat, que fica com 5,1% das ações da GM
2002
Assume o controle da coreana Daewoo
2004
Anuncia reestruturação da Opel, com 12 mil demissões
2005
Fim da parceria com a Fiat, pela qual desembolsou US$ 2 bi. Fecha 12 fábricas e demite 30 mil até 2008. Tem prejuízo de US$ 10,4 bi
2006
Vende 51% das ações da unidade financeira GMAC para o fundo Cerberus
2007
Assina contrato com o UAW que permite reestruturar gastos com planos de saúde e programas de demissão. Registra o maior prejuízo da história, de US$ 38,7 bilhões. Apresenta o carro
elétrico Volt
2008
Completa 100 anos. Registra US$ 30,9 bilhões de prejuízo. Em dezembro, pede ajuda ao governo, junto com a Chrysler, de US$ 34 bilhões. Perde a liderança mundial em vendas para
a japonesa Toyota
Jan. 2009
Recebe parte dos US$ 13,4 bilhões de ajuda aprovada pelo governo e tem de apresentar um plano de reestruturação para provar sua viabilidade
Fev. 2009
Anuncia 10 mil demissões no mundo todo e fechamento de mais cinco fábricas. A unidade sueca Saab corre risco de concordata e a Opel pede ajuda do governo alemão
Mar. 2009
Rick Wagoner (E), que comandou o grupo por 9 anos, é demitido a pedido do governo Barack Obama
Abr. 2009
Anuncia plano de troca de ações dos acionistas, fechamento da marca Pontiac, venda de outras marcas (Hummer, Saturn) e fechamento de 2,6 mil revendas. Negocia a venda da Opel
Maio. 2009
Recebe mais US$ 4 bilhões de ajuda do governo. Credores aceitam oferta de troca de dívidas por ações. Governo alemão aprova acordo que deixa a Magna com a maior fatia da Opel na Europa
Al Koch assume reestruturação
Dow Jones Newswires
Com o pedido de concordata, Al Koch, de 67 anos, deve ser nomeado como o executivo que conduzirá o processo de reestruturação da General Motors. Koch, um dos diretores da consultoria AlixPartners e especialista em reestruturar empresas, supervisionará a divisão da montadora em duas partes - a "Nova GM", controlada majoritariamente pelo governo, e uma outra companhia que será liquidada.
Koch estaria reunindo-se regularmente com os diretores da GM desde dezembro, informou ontem o ?Wall Street Journal?, citando fontes familiarizadas com a questão.
O executivo ajudou a desenvolver os planos de viabilidade enviados pela montadora ao governo americano, negociou com os acionistas e detentores de dívidas da companhia e preparou o esquema de venda dos ativos bons da empresa para a "Nova GM".
Maior acionista, governo dos EUA quer se livrar logo de ativos da GM
Segundo fonte da Casa Branca, administração Obama não vai interferir no dia a dia das operações da empresa
Patrícia Campos Mello, WASHINGTON
Apesar de ser acionista majoritário da nova GM, o governo americano não vai interferir no dia a dia das operações e vai se livrar de sua participação "o mais rápido possível". Segundo um funcionário da Casa Branca ligado ao processo, foram estabelecidos critérios para a gestão da Casa Branca nas empresas que o governo americano agora possui, como Chrysler, AIG e, em breve, a GM. "Nós não vamos interferir no dia a dia das operações", disse a fonte da Casa Branca.
"O governo é um acionista relutante, queremos sair o mais rápido possível." O governo calcula que serão entre seis e 18 meses até que as ações da empresa voltem a ser negociadas em bolsa. A atuação estatal na administração da companhia preocupa muitos analistas. Eles temem que o governo tente influenciá-la para fins políticos - como promover metas ambientais ou favorecer sindicatos. Mas o governo Obama está se esforçando para garantir que não será atuante na administração, limitando-se a escolher alguns membros do conselho de administração e "fiscalizar o uso do dinheiro do contribuinte".
Ao anunciar hoje a concordata, o presidente Barack Obama trará a mensagem otimista de que a concordata é apenas "o fim da velha General Motors, e o começo de uma nova GM".
A GM foi a maior montadora do mundo até o ano passado, quando foi ultrapassada pela japonesa Toyota, e simboliza a decadência da indústria automobilística americana. A montadora emprega 230 mil pessoas no mundo e produz 20 mil veículos por dia. A empresa chegou a deter 48% do mercado americano em 1980. No ano passado, a participação havia caído para 22%.
A concordata é vista por especialistas como a única maneira de a GM voltar a ser uma empresa lucrativa. A montadora pretende emergir da concordata no dia 1º de agosto. Até lá, a GM espera ter se livrado da maioria de suas dívidas, de suas marcas fracas como Hummer, Saturn, Pontiac e Saab, e de milhares de concessionárias que se canibalizavam.
A GM também vai fechar 11 fábricas e deixar três ociosas. Com os custos trabalhistas reduzidos após negociações com o sindicato, a empresa se prepara para investir na produção de carros menores e mais econômicos. O plano de reestruturação prevê que numa das fábricas ociosas será feito um carro econômico, pequeno - com isso, vai aumentar a participação dos carros americanos no total de veículos vendidos no país de 66% para mais de 70%.
A montadora também terá se livrado do passivo de assistência médica com o sindicato, que inviabilizou a montadora por anos. Após a concordata, esse passivo de US$ 20 bilhões da United Auto Workers transforma-se em participação acionária na nova GM.
Um dos motivos do declínio da GM foi o mix de produtos, concentrado em utilitários que consomem muito combustível. Com a alta do petróleo e a preocupação com o aquecimento global, a montadora foi perdendo participação de mercado. E com a adoção de novas exigências de milhagem por litro, fabricar carros econômicos é ainda mais importante.
Outro fator de declínio da GM foram os custos trabalhistas - a mão de obra sindicalizada da montadora era muito mais cara que a de concorrentes como a Toyota. Com a concordata, é possível renegociar uma série de contratos.
Veículo: O Estado de S. Paulo