Fisco decide não aguardar decisão final da Justiça e abre ofensiva contra setor bancário para retomar cobrança de PIS e Cofins
Amparadas em sentenças não definitivas do Judiciário, instituições escapam da cobrança sobre transações financeiras há quatro anos
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e a Receita Federal iniciaram uma ofensiva sobre os bancos para retomar uma cobrança de tributos questionados na Justiça estimada em R$ 20 bilhões.
Trata-se das contribuições sociais PIS e Cofins, que são pagas por praticamente todas as empresas de médio e grande porte para o financiamento de políticas públicas nas áreas de previdência, assistência, saúde e seguro-desemprego. Há quatro anos, instituições financeiras escapam dessa tributação amparadas por decisões judiciais ainda não definitivas.
Somente os três maiores bancos privados do país, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander, calculam em seus balanços que, na hipótese de sofrerem uma derrota na Justiça, teriam de desembolsar ao fisco a soma de R$ 11,2 bilhões.
Para a procuradoria da Fazenda e a Receita, chega a quase o dobro desse valor o passivo potencial de todo o sistema bancário, segundo estimativa à qual a Folha teve acesso. Essa quantia representa metade de toda a arrecadação de impostos no mês passado (com a exceção da receita previdenciária), de R$ 40 bilhões.
A Receita decidiu não esperar a palavra final do Judiciário sobre o tema. Com base em um parecer da procuradoria, deu nova interpretação às sentenças judiciais que têm resguardados os bancos e, em março, passou a intimá-los e a cobrar os tributos não recolhidos.
Medida concreta
Foi a primeira medida concreta desde que a nova administração do órgão decidiu reforçar a fiscalização do setor. Em fevereiro, a Receita iniciou uma ampliação de seu corpo de fiscais em São Paulo, onde está concentrada a banca nacional. De 20 auditores, o grupo paulista deve chegar a 80.
O motivo da controvérsia em torno da cobrança de PIS e Cofins é que os dois tributos são cobrados sobre o faturamento das empresas, ou seja, todas as receitas ligadas a sua atividade-fim. Essa definição é mais simples no caso de uma fábrica ou de um supermercado -que pagam PIS e Cofins sobre a venda de produtos a clientes, mas não sobre, por exemplo, a venda de um terreno que possuam.
Já os bancos defendem que não sejam consideradas como faturamento suas receitas de intermediação financeira -ou seja, dos empréstimos e financiamentos concedidos com o dinheiro de correntistas, poupadores e outros depositantes, que representam cerca de 70% de sua receita total.
Uma orientação definitiva sobre a polêmica poderá vir do Supremo Tribunal Federal em breve. "Penso que, em virtude das decisões do STF na análise de temas referentes a PIS e Cofins, há maior probabilidade de êxito da Fazenda Nacional", diz Gilberto do Amaral, presidente do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário).
STF pode decidir sobre cobrança de bancos
Fisco defende tributação de intermediação financeira; setor bancário afirma que a legislação atual não prevê cobrança
Embate vem se somar à queda de braço recente entre Planalto e instituições financeiras sobre ganho de bancos com os empréstimos
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Supremo Tribunal Federal pode tomar em breve uma decisão definitiva a respeito da cobrança de PIS e Cofins sobre a intermediação financeira, a partir de um recurso apresentado por uma seguradora que está para ser julgado pelo plenário de ministros. A sentença deve esclarecer o conceito de faturamento e pacificar o caso.
A disputa judicial dos bancos começou com uma decisão de 2005 do STF, que julgou inconstitucionais trechos de uma lei aprovada em 1998 para ampliar a base de cálculo dos dois tributos, ao trocar o conceito de faturamento pelo de receita bruta, o que incluiria valores apurados sem relação direta com a atividade-fim.
O STF determinou que o PIS e a Cofins devem ser recolhidos somente sobre o faturamento equivalente à venda de mercadorias e prestação de serviços, excluindo receitas não operacionais, como aluguel de imóveis e receitas financeiras com investimentos em títulos do Tesouro e fundos.
A decisão se referia a empresas comerciais e industriais. Contudo, com base na sentença, os bancos obtiveram vitórias na Justiça com o pleito de recolher os tributos somente sobre prestação mais convencional de serviços, como cobrança de tarifas, deixando fora a intermediação financeira.
Graças a essa providência, instituições chegam a pagar valores irrisórios de PIS e Cofins. Um banco de origem mineira, por exemplo, recolheu em março somente R$ 2,65.
A procuradoria e o fisco defendem que as receitas financeiras obtidas pelos bancos decorrem de sua principal atividade, que é "vender" dinheiro a tomadores de empréstimos e financiamento. Portanto, as operações compõem o faturamento e têm de ser tributadas, na avaliação dos dois órgãos.
"Claro que as receitas operacionais incluem tarifas, mas a principal atividade dos bancos é a intermediação financeira, é sua atividade por excelência. Ficaria surpreso se o STF concluísse que a receita com intermediação financeira não é operacional", afirma Fabrício da Soller, procurador-geral-adjunto da Fazenda Nacional.
O parecer da procuradoria sobre o assunto cita o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, que deu origem à Organização Mundial do Comércio. Entre outros trechos, o acordo dá a seguinte definição para serviços financeiros: "Empréstimos de todo tipo, inclusive de créditos pessoais, créditos hipotecários, "factoring" e financiamento de transações comerciais".
"De fato, é possível que uma lei venha a incluir essas receitas na base de PIS e Cofins. Mas é preciso que exista uma lei prevendo isso. A lei anterior não previa. Previa prestação de serviços, uma coisa que os bancos fazem", diz Carlos Pelá, coordenador da comissão tributária da Federação Brasileira de Bancos. Na opinião dele, como a Fazenda Nacional e a Receita voltaram ao tema, o Supremo terá que se manifestar sobre a questão. "O que o STF resolver está bem resolvido."
Foi por entender que o STF ainda não entrou no mérito da composição do faturamento das instituições financeiras que a Receita começou a cobrar os valores não pagos desde 2005.
Algumas instituições, além de não recolher o tributo, têm requerido compensação ou restituição do montante desembolsado antes daquele ano, o que equivale a mais R$ 10 bilhões, totalizando a causa em cerca de R$ 30 bilhões.
"Spread"
A retomada da cobrança de PIS e Cofins é mais um episódio do embate entre governo e bancos que esbarra no chamado "spread" (diferença entre o custo dos bancos de captar recursos e as taxas que cobram).
O Planalto aponta que os juros altos são agravados pela margem gorda de ganho dos bancos. O setor, por sua vez, alega que o "spread" está diretamente ligado à alta carga de impostos nas operações. (LS)
Veículo: Folha de S.Paulo