Dólar faz exportador cortar desconto e rever tabela de preços

Leia em 14min 40s

Raquel Landim, Sérgio Bueno e Vanessa Jungerfeld, de São Paulo, Porto Alegre e Florianópolis

 

A valorização do real forçou os exportadores a cortar os descontos com os quais tentavam atrair os clientes e driblar a crise global. Com o dólar abaixo de R$ 2, as empresas voltaram atrás nas novas tabelas de preços e contratos começam a ser cortados. É o cenário oposto do vivido até setembro de 2008, quando um mercado aquecido permitia reajustes que compensavam a depreciação da moeda americana - R$ 1,70 na época.

 

"A partir de hoje não recebo mais pedidos com descontos. O câmbio me deu uma folga para fazer uma promoção na crise, mas agora isso acabou", disse Sérgio Teizen, gerente de exportação da Starret, fabricante de serras e instrumentos de medição. Ele contou que reduziu os preços em 10% no começo do ano, mais um bônus de 5% para quem pagasse à vista, quando o dólar bateu em R$ 2,30. A estratégia ajudou a ganhar "alguns poucos contratos" em mercados como América Central e Índia.

 

A crise foi um duro golpe para as vendas da Starret no exterior. As exportações recuaram cerca de 30% de janeiro a maio ante igual período de 2008. Por conta disso e do fraco desempenho também no mercado interno, a Starret reduziu a jornada de trabalho para quatro dias, com corte proporcional de salário.

 

Depois das consecutivas quedas do dólar nas últimas semanas, a Piccadilly, fabricante de calçados femininos com sede em Igrejinha (RS), decidiu segurar a remessa das tabelas de preços para os distribuidores na Europa, Oriente Médio e Ásia. Para os importadores da América do Sul e Central, que já receberam as listas, a empresa só pode garantir a manutenção dos valores até meados de julho se o real não se valorizar muito mais, contou a diretora de exportação, Michelini Grings Twigger.

 

Segundo a executiva, a oscilação brusca da moeda americana é "preocupante" e a Picadilly está fazendo as contas para saber qual o patamar cambial que exigirá a correção das tabelas já despachadas para os mercados que absorvem 60% das suas exportações. Definidos em abril, quando com o câmbio chegou R$ 2,29 por dólar, os preços dos calçados das coleções primavera-verão estavam mais competitivos do que os concorrentes. "Tínhamos conseguido chegar a preços até menores do que na coleção anterior", revelou a diretora. As exportações absorvem em média 30% da produção da Piccadilly.

 

Com a valorização do câmbio e os preços em queda, a rentabilidade das exportações brasileiras recuou 4,4% em abril e 13% no acumulado do ano, segundo a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). A tendência é uma margem de lucro ainda mais apertada nos próximos meses por conta do enfraquecimento do dólar, que fechou cotado a R$ 1,9370 ontem, queda de 12% em relação à média de abril.

 

Segundo Danilo Marcon, diretor comercial da Cerâmica Vila Rica, o dólar abaixo de R$ 2,00 "zerou" a sua rentabilidade e a empresa se prepara para reduzir ainda mais a participação das exportações em seu faturamento. A fatia das vendas externas nas vendas já caíram de 65% no ano passado, para 50% este ano. O executivo conta que as vendas para a Rússia "praticamente pararam" desde o início da crise - a queda dos embarques para esse destino chega a 70%. Para a Argentina, as exportações recuaram 20% neste início de ano.

 

Marcon disse que o maior problema do mercado internacional é a falta de demanda, mas acredita que "se pudesse dar algum desconto, venderia um pouco mais". Ele contou que, no ano passado, os clientes da cerâmica aceitaram um reajuste de 25% nos preços para compensar o câmbio. Agora a mesma estratégia é impossível. "O cenário mudou totalmente a com a crise. É como oferecer comida para quem não está com fome", disse.

 

Otmar Müller, presidente do Sindiceram-SC e diretor industrial da Eliane, disse que o impacto do câmbio não é tão forte quanto um ano atrás por conta da redução gradativa das exportações. O volume exportado pelas empresas catarinenses caiu 36% entre fevereiro e abril deste ano comparado com 2008, ano que já não havia sido tão forte. Sem conseguir elevar as vendas no mercado interno, a produção de revestimentos cerâmicos já está 10% inferior a do ano passado. "Com esse novo recuo, teremos que rever os preços em dólar, mas nosso principal mercado ainda está recessivo", disse Müller, falando dos Estados Unidos.

 

O presidente da Buettner, João Henrique Marchewsky, disse que vai repensar todo o planejamento por conta do novo recuo do dólar. "É uma situação horrorosa. Evitamos dar preço ontem (para as exportações) por conta da queda", disse ele, considerando que as têxteis terão uma dificuldade ainda maior no mercado externo, onde a demanda já se apresentava fraca por conta da crise mundial e pelas restrições argentinas. "Vamos esperar esta semana para ter uma noção melhor da cotação", explicou. A empresa projetava o dólar a R$ 2,00 para o ano, mas acredita que terá que estimá-lo em R$ 1,80. Marchewsky disse que as vendas externas da empresa podem cair 40% este ano se a queda do dólar se aprofundar nos próximos meses.

 

A General Brands, que exporta sucos prontos, tem negociado preço com os clientes no exterior para manter o mesmo volume de exportações, afirmou o presidente da empresa, Isael Pinto. "Quando o real valoriza, fica mais difícil exportar. Para manter os clientes a empresa acaba arcando com o prejuízo", afirma. Parte dessa perda com receita, diz, é compensada pela redução dos gastos com matérias-primas que também são importadas. A General Brands, que exporta para 20 países, espera comercializar no mercado externo entre 8% e 10% de sua produção, mas isso depende de uma estabilização do câmbio entre R$ 2 e R$ 2,40. Isael Pinto lembra que, no ano passado, a empresa teve de oferecer descontos aos clientes quando o real desvalorizou.

 

Para contrabalançar a valorização do real, a Baterias Moura vai reajustar os preços em torno de 10%. "Como diversas moedas estão ficando mais fortes em relação ao dólar, é possível repassar para os preços as perdas que teríamos. O problema seria se só o real estivesse se valorizando", diz Elisa Correia, gerente de exportações da Moura. A fabricante está mantendo os planos traçados no início do ano de exportar cerca de 20% da produção em 2009, o que equivale a US$ 40 milhões. Outros dois fatores também ajudam na manutenção das metas: a empresa não exporta para os Estados Unidos e mais da metade dos custos de produção também estão atrelados ao dólar. Assim se a valorização do real traz perdas de receita, de outro, ela reduz os gastos. (colaboraram Cibelle Bouças e Carolina Mandl, de São Paulo e do Recife)

 

Melhora da balança dá mais fôlego às contas externas

 

 

Sergio Lamucci, de São Paulo


  
O Brasil caminha para fechar o ano com um déficit em conta corrente bem mais modesto do que em 2008. Com a recuperação das exportações de commodities e o forte tombo das importações, houve mudanças significativas nas estimativas para a balança comercial. Já há quem projete um número próximo de US$ 30 bilhões, como os economistas do Bradesco. Um ponto importante é que várias dessas previsões mais otimistas já contemplam um dólar próximo ou abaixo de R$ 2 -o Bradesco, por exemplo, trabalha com a moeda americana em R$ 1,90 no fim deste ano. Além da melhora na balança, os resultados das contas externas de janeiro a abril confirmam a queda significativa da remessa de lucros e dividendos, em decorrência da atividade econômica mais fraca e do câmbio mais desvalorizado do que o que vigorou em grande parte de 2008.

 

Nesse quadro, o país deve encerrar 2009 com um déficit na conta corrente - medida das transações de bens, serviços e e rendas com o exterior - abaixo dos US$ 28,3 bilhões no ano passado, o equivalente a 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB). O Bradesco aposta em US$ 4,8 bilhões e a Quest Investimentos, em US$ 12 bilhões. Nos dois casos, um resultado inferior a 1% do PIB. O consenso dos analistas ouvidos pelo Banco Central aponta para um déficit de US$ 17,6 bilhões.

 

O economista Paulo Miguel, da Quest, começou 2009 com uma previsão de um saldo comercial de US$ 10 bilhões. Transcorridos cinco meses do ano, o seu número pulou para US$ 25 bilhões. Dois motivos principais explicam as mudanças nas projeções, segundo Miguel: a melhora nas exportações de produtos básicos a partir de março e a queda significativa no déficit da conta de lubrificantes e combustíveis.

 

Em abril, o volume de vendas externas de básicos ficou 36,5% acima do mesmo mês de 2008, segundo a Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex). No primeiro quadrimestre, as exportações desses produtos cresceram 17,9%, enquanto as vendas totais tiveram perda de 10,6%, puxadas pelo tombo de 28,2% das de manufaturados.

 

"A China voltou a comprar commodities com força, num movimento de recomposição de seus estoques", diz Miguel, alertando, contudo, que ainda é difícil saber em que ritmo as exportações de produtos básicos vão se acomodar daqui para a frente. Em maio, por exemplo, o valor das exportações de básicos ficou 35,9% abaixo do de maio de 2008 - a informação sobre volume exportado ainda não foi divulgada pela Funcex.

 

Uma questão é que as altas de março e abril foram influenciadas pela base fraca de comparação, já que a greve da Receita Federal de 2008 distorceu as estatísticas referentes a esses meses no ano passado.

 

Miguel também destaca a redução do déficit da conta de combustíveis e lubrificantes, em grande parte devido às cotações mais baixas do petróleo, que reduz os gastos com importações. "No acumulado de janeiro a abril de 2009, houve déficit de US$ 4,416 bilhões, bem abaixo dos US$ 8 bilhões no mesmo período de 2008." No ano passado, o rombo foi de US$ 14,933 bilhões. "Não temos projeção para o saldo dessa conta em 2009, mas creio que será cerca de metade do de 2008 ou menos."

 

Os economistas do Bradesco têm uma estimativa de US$ 29,4 bilhões para o saldo comercial em 2009, bem superior aos US$ 10,7 bilhões previstos no começo do ano. Eles lembram que haverá um forte tombo das importações, dada a forte desaceleração da atividade econômica. Segundo o Bradesco, as compras externas devem recuar 31,5% em relação a 2008, totalizando US$ 118,652 bilhões. É um tombo superior ao esperado para as exportações neste ano, de 25,2%, para US$ 148,034 bilhões.

 

"Além da perspectiva de queda forte das importações, houve uma recalibragem do volume exportado de algumas commodities, como soja, açúcar e celulose", dizem os economista do banco, destacando a ampliação da participação da China na pauta de exportações. De janeiro a abril, as quantidades vendidas no exterior de soja aumentaram 46% em relação ao mesmo período de 2008, enquanto as de açúcar tiveram alta de 39%.

 

Com uma balança comercial de quase US$ 30 bilhões, o Brasil pode fechar o ano com um déficit em conta corrente de apenas US$ 4,8 bilhões, o equivalente a apenas 0,34% do PIB, estima o Bradesco. Além das perspectivas mais robustas para o saldo comercial, o banco e outros analistas apostam num redução significativa das remessas de lucros e dividendos. Em 2008, elas totalizaram US$ 33,9 bilhões, um número expressivo, resultado dos ganhos significativos das empresas, num cenário de forte crescimento, e do câmbio valorizado - com a moeda americana na casa de R$ 1,60 a R$ 1,70, os reais compravam mais dólares para serem enviados ao exterior.

 

Neste ano, o quadro mudou. O estrategista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz, estima que as remessas de lucros e dividendos devem ficar em US$ 21,1 bilhões neste ano. O desaquecimento da atividade econômica deve encolher os lucros das companhias, diz ele, que aposta numa contração do PIB de 1,5% em 2009. Também ajuda a perspectiva de que, em média, o câmbio ficará mais desvalorizado do que em 2008, mesmo com a recente apreciação do real.

 

Para Lintz, o déficit em conta corrente deve ficar em US$ 16,9 bilhões, o equivalente a 1,2% do PIB. Ainda que o número seja mais alto que o projetado pelo Bradesco e pela Quest, não há motivo para preocupação, diz ele, que considera o valor facilmente financiável. Lintz espera que os investimentos estrangeiros diretos totalizem US$ 33,7 bilhões neste ano, abaixo dos US$ 45,1 bilhões de 2008, mas ainda assim um número robusto.

 

Lintz e Miguel veem o menor déficit em conta corrente como um fator estrutural por trás da recente valorização do câmbio. Para o primeiro, isso dá mais confiança para o investidor estrangeiro interessado em apostar no real, porque mostrar que o país tem contas externas sólidas. Com a redução da aversão global ao risco, a moeda brasileira aparece como um ativo interessante, que atrai recursos para renda fixa e ações. Para completar, as perspectivas de crescimento mais promissoras para os próximos anos tornam o Brasil um país atraente para as empresas estrangeiras, o que explica o bom fluxo de investimentos diretos.

 

Nesse novo cenário, o Bradesco projeta um dólar a R$ 1,90 no fim do ano. Lintz tem como estimativa oficial uma moeda americana a R$ 2 em dezembro, mas diz que esse número está claramente sujeito à revisão, uma vez que as cotações já caíram abaixo desse valor. Para Miguel, o dólar pode buscar o nível de R$ 1,80 no curto prazo, mas considera o patamar de R$ 2 razoável para o fim do ano, uma vez que a situação da economia global ainda é complicada.


 
China vai perder força e afetar Brasil, diz especialista

 

De São Paulo


  
A alta dos preços das commodities é uma bolha e as exportações brasileiras vão sofrer quando a economia da China voltar a desacelerar. A previsão é de Roberto Dumas, representante-chefe do Itaú BBA em Xangai e professor da China Europe Internacional Business School. Desde o início do ano, o índice de commodities CRB da Reuters subiu 13%.

 


Em uma palestra ontem para uma plateia de executivos reunidos pela Hampton Sofise, Dumas disse que a demanda por commodities não vai se manter, porque a recuperação da China é temporária. Ele acredita que o estímulo fiscal do governo chinês incrementou a demanda no curto prazo, mas vai gerar super-produção.

 

"Está contra a lógica. O mundo quer consumir menos, mas a China quer sair da crise produzindo mais", disse Dumas. Com um pacote fiscal de US$ 586 bilhões e empréstimos bancários de US$ 668 bilhões no primeiro trimestre (mais do que em todo o ano de 2008), os chineses estão investindo em infraestrutura e incentivando a indústria pesada (como as siderúrgicas) a seguir a todo vapor.

 

O problema, segundo Dumas, é que esse tipo de investimento não gera tanto emprego quanto gasta. Para que a recuperação fosse sustentável, a China deveria reestruturar sua economia, reduzindo peso das exportações e aumentando o do consumo. "O crescimento chinês do pós-crise vai deteriorar ainda mais o equilíbrio da economia local", disse.

 

Para o representante do Itaú BBA no país, o consumo chinês está crescendo, só que mais devagar do que a produção industrial, que avançou 8,3% em março e 3,8% no primeiro trimestre. Ele afirma que a deflação é uma prova disso. O índice de preços ao consumidor na China caiu 1,5% em abril, 1,2% em março e 1,6% em fevereiro.

 

"O pacote atual é similar ao que foi feito em 1997 e 1998, quando a China enfrentou as crises da Ásia e da Rússia. A questão é que agora os Estados Unidos não estão crescendo. Para quem a China vai vender toda essa capacidade de produção que está construindo?", questionou o especialista.

 

Na China, a participação do consumo no Produto Interno Bruto (PIB) cedeu de 49% em 1990 para 35% em 2007. Em compensação, a fatia do investimento no PIB subiu de 36% para 44% no período. De acordo com Dumas, o consumo perdeu fôlego por conta da redução dos salários, da queda nas transferência do governo e dos menores ganhos de capital. "Não é possível reverter esse processo de um dia para o outro", disse. (RL)

 

Veículo: Valor Econômico


Veja também

Consumidor se manteve cauteloso em maio

Renato Carbonari Ibelli   Os indicadores econômicos de maio de 2009, auferidos pelo Instituto Gastão...

Veja mais
Governo garante 62% da alta da renda este ano, diz economista

Reajustes do funcionalismo público, do salário mínimo e do Bolsa-Família movimentam R$ 26,5 ...

Veja mais
Indústria tem recuperação lenta afetada por exportações

Cibelle Bouças, de São Paulo    A produção industrial apresentou, nos quatro pr...

Veja mais
Sadia constitui comissão para fusão

PanoramaBrasil SÃO PAULO - A Sadia informou neste fim de semana que constituiu o comitê especial indep...

Veja mais
Investimentos das estatais federais aumentaram R$ 5,8 bilhões até abril

 Taxa total em relação ao PIB, porém, deve cair este ano porque as empresas privadas vã...

Veja mais
Receita quer cobrar até R$ 20 bi de bancos

Fisco decide não aguardar decisão final da Justiça e abre ofensiva contra setor bancário par...

Veja mais
GM entrega hoje pedido de concordata

Depois de um fim de semana de negociações, 60% da montadora passa para as mãos do governo americano...

Veja mais
Queda global do dólar e juro elevado explicam real forte

A recente apreciação do real está relacionada à perda de valor do dólar americano no ...

Veja mais
PIB brasileiro deve crescer 4% em 2010, projeta Mantega

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, confirma que a economia nacional apresentará resultado negativo no primeiro...

Veja mais