Papel: Com fábricas na China e Indonésia, grupo APP planeja triplicar embarques ao país entre 2007 e 2010
Ao mesmo tempo em que investe no aumento da capacidade instalada, embalada pelo ritmo exuberante de expansão da economia chinesa, a Asia Pulp & Paper (APP) começa a mostrar crescente de interesse em ampliar e consolidar as exportações para o Brasil. É cedo para dizer até onde ela pode avançar sobre o mercado de papel no país, mas o poder de fogo exibidos pela empresa, uma das maiores do mundo no setor de papel, é suficiente para tirar o sono dos concorrentes.
Com faturamento anual da ordem de US$ 10 bilhões, a APP tem capacidade para fabricar cerca de 10 milhões de toneladas de papel por ano em 16 fábricas na China e na Indonésia, onde fica a matriz do grupo controlador Sinar Mas. O volume supera toda a produção e o consumo aparente do produto no Brasil em 2008, de 9,4 milhões e 8,1 milhões de toneladas, respectivamente, conforme a Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa).
Metade da capacidade está na China e uma nova máquina de 1 milhão de toneladas por ano entrará em operação em março de 2010 na unidade Hainan Jinhai, no sul do país, hoje dedicada à produção de celulose para consumo da empresa. Avaliado em US$ 1 bilhão, o equipamento será o maior do mundo para fabricação de papel couchê e seria montado no fim de 2008, mas o projeto acabou sendo adiado devido à crise global, diz o diretor geral da Cathay, coligada comercial da companhia no Brasil, Geraldo Ferreira.
O saldo comercial com a APP ainda pende a favor do Brasil, que neste ano deve exportar 500 mil toneladas de celulose para a empresa, ante 270 mil em 2008, e comprar dela 90 mil toneladas de papel. Os preços da matéria-prima estão por volta de US$ 600 a tonelada, depois do tombo de quase US$ 800 para US$ 380 em fevereiro por conta da crise. Já as cotações do papel, entregue em Santos, variam de US$ 1 mil a US$ 1,5 mil por tonelada, explica Ferreira.
De acordo com o executivo, o Brasil é o maior fornecedor individual de celulose para a APP, que importa cerca de 2 milhões de toneladas por ano e produz 3,5 milhões de toneladas em fábricas próprias na China e na Indonésia. Mesmo assim, pelo menos por enquanto, a empresa não pretende instalar uma unidade para produzir a matéria-prima no Brasil porque quer manter o foco na fabricação do produto acabado.
Conforme o diretor da Cathay, o volume de papel exportado pela APP para o país já cresceu de 34 mil para 70 mil toneladas de 2007 para 2008 e neste ano deve avançar quase 30% sobre o anterior. Para 2010 a "meta olímpica" é uma expansão de mais 35%, mas 110 mil toneladas já serão vistas como um bom resultado.
Esses números incluem os embarques de produtos como papéis para imprimir e escrever revestidos ou não (como couchê e off set), papéis para embalagens, térmicos e cartões, mas ainda não consideram as vendas de tissue (papéis higiênicos, toalhas, lenços e guardanapos). A entrada dessa linha no mercado brasileiro ocorreu em outubro, com a primeira exportação de um lote de 500 toneladas para a Melhoramentos Papéis, adquirida neste ano pelo grupo chileno CMPC.
O plano da APP é fechar 2010 com 9 mil a 10 mil toneladas de produtos higiênicos embarcadas em bobinas para o Brasil para venda no mercado local com a marca dos importadores. "Queremos oferecer uma alternativa estratégica para pequenos e médios fabricantes", afirma Ferreira. Segundo ele, uma máquina de pequeno porte para a produção desse tipo de papel não sai por menos de R$ 30 milhões.
A capacidade instalada da empresa no segmento de tissue é de 900 mil toneladas por ano na China e na Indonésia, revela o executivo. O volume ultrapassa em 50 mil toneladas o consumo aparente do produto no mercado brasileiro em 2008 e até novembro deste ano a produção dessas linhas vai alcançar 1,1 milhão de toneladas anuais com a implantação de três novas máquinas na China.
Com expansão da economia chinesa na faixa dos 8% anuais, pouco mais de 60% da produção das unidades da APP no país é vendida no mercado interno. Mas é justamente a escala garantida pela demanda doméstica e o parque de máquinas modernas e de alta eficiência que aumentam a competitividade da empresa no exterior, diz o gerente de comércio internacional da fábrica Gold East, Edward Wat.
Localizada ao lado do rio Yang-Tsé (o maior da Ásia), na cidade de Zhenjiang, a 255 quilômetros de Xangai, Gold East é a maior unidade da companhia na China, com produção anual de 2,3 milhões de toneladas de couchê, sendo 45% destinados ao mercado externo. A instalação tem três máquinas, quase 6 mil funcionários, uma termoelétrica e um porto próprio. "Temos espaço para até oito máquinas, mas agora a prioridade é instalar o novo equipamento em Hainan", explica o executivo.
A 224 quilômetros de Xangai, na cidade de Ningbo, a unidade Zhonghua Paper produz 1,5 milhão de toneladas anuais de papel-cartão em quatro máquinas com até 485 metros de extensão, revela o responsável pelo departamento de exportação, Teddy Wu. Segundo ele, a fábrica exporta 40 mil a 50 mil toneladas por mês. O volume mensal equivale a todas as importações desse tipo de papel pelo Brasil em 2008, que somaram 45 mil toneladas no ano passado, de acordo com as estatísticas da Bracelpa.
Maior qualidade já estimula compras de produto chinês
De olho no aumento da qualidade e da competitividade do papel asiático nos últimos anos, importadores, distribuidores e indústrias gráficas do Brasil vêm gradualmente ampliando as compras na região, sobretudo na China e na Indonésia, em busca de alternativas aos fornecedores europeus e americanos. Até aqui o movimento tem se concentrado em algumas linhas de produtos para imprimir e escrever como papel couchê e off set "woodfree", feitos a partir de polpa pura de celulose, livre de lignina.
"Todo mundo está indo comprar na Ásia porque nos últimos quatro ou cinco anos é lá que estão sendo feitos os grandes investimentos em capacidade instalada, enquanto os europeus até fecham fábricas devido aos altos custos de produção", explica Mário Vicencio, diretor da importadora Paperx, de São Paulo, vinculada à canadense Copap. Segundo ele, os asiáticos têm hoje as máquinas mais modernas do mundo e o "estigma" de que o produto da região era de segunda linha "não existe mais".
De acordo com a Associação da Indústria de Papel da China, a China Paper Association, a produção do setor no país cresceu de 11 milhões para 19 milhões de toneladas de 2002 a 2008 e neste ano deve chegar perto de 20 milhões de toneladas. Enquanto isso, as estimativas da Asia Pulp & Paper (APP) e da Risi, empresa americana especializada em análise do mercado mundial de celulose e papel, são de que a participação das exportações sobre o volume produzido avançou de 5% em 2001 para 10% no ano passado.
Além disso, conforme a APP e a Risi, a tendência é que a capacidade instalada do setor continue crescendo na China nos próximos anos. A expectativa é que em 2010 e 2011 deverão entrar em operação novas máquinas capazes de produzir pouco mais de 4 milhões de toneladas de papel por ano.
Segundo a Bracelpa, entidade do setor, Brasil importou 54,6 mil toneladas de papel da Ásia em 2008, considerando China, Indonésia, Hong Kong e Coréia do Sul. O volume ainda é pequeno em relação às 505,2 mil toneladas compradas na Europa e às 425,8 mil toneladas trazidas dos Estados Unidos e do Canadá no mesmo período, mas o crescimento da participação dos asiáticos já é visível em alguns casos.
A Indonésia, por exemplo, forneceu 30,1% das 49,7 mil toneladas de papel off set em bobinas importadas pelo Brasil nos oito primeiros meses de 2009. No mesmo período de 2008 a fatia era de 27% e em todo o ano passado, de 23,9%. No papel off set "cutsize" (cortado), a participação dos indonésios alcançou 16,9% das 18,2 mil toneladas compradas no exterior pelos brasileiros de janeiro a agosto, ante 10% no mesmo intervalo de 2008 e 13,4% no ano passado inteiro.
Já a China contribuiu com 17,3% das 126,3 mil toneladas importadas de couchê de janeiro a agosto de 2009, uma participação bem maior do que os 6,5% do mesmo período do ano passado e os 8,1% dos 12 meses de 2008. No caso do off set em bobinas, o percentual alcançou 1,4% nos oito primeiros deste ano, contra 0,1% em idêntico intervalo de 2008, também de acordo com os dados da Bracelpa.
Nessas três linhas os preços médios dos importados ficaram entre US$ 827 e US$ 1.627 por tonelada FOB no acumulado até agosto deste ano, contra os US$ 635 pagos pela tonelada de papel de imprensa, segmento no qual o país é mais dependente do exterior. Segundo a Bracelpa, o produto estrangeiro para impressão de jornais equivale a mais de 75% do consumo aparente no país e os maiores fornecedores são os canadenses e europeus, que responderam por 74,5% e 12,9%, respectivamente, das 244,5 mil toneladas embarcadas para o Brasil nos oito primeiros meses do ano.
De acordo com Vicencio, só a Paperx vai importar um total 45 mil toneladas de papel para o Brasil em 2009, incluindo couchê, off set, jornal e cartão, ante 25 mil no ano passado, e para 2010 a previsão é aumentar o volume em mais 15%. A participação da Ásia, que neste ano vai crescer de 30% para 45%, deve dar um novo salto para 70% em 2010, adianta o executivo. "O real valorizado também favorece a importação", explica.
A empresa Rio Branco, de São Paulo, maior distribuidora independente de papel no Brasil, vende 70 mil toneladas por ano, das quais 45 mil são importadas. Segundo o gerente de negócios Nivaldo Estrela, a empresa recorreu ao mercado internacional no início da década de 90 para ter acesso a novas opções de suprimento porque, apesar da boa qualidade do papel brasileiro, o país se ressente da falta de investimentos em expansão da capacidade no setor.
De acordo com o executivo, os asiáticos ainda têm uma participação "incipiente" nas importações da Rio Branco, mas eles estão ganhando espaços no mercado brasileiro apesar do frete até duas vezes mais demorado do que os 30 dias necessários para o transporte de uma carga da Europa até o Brasil. A valorização do euro ajuda a explicar a vantagem dos fabricantes da Ásia, mas Estrela alerta para a "incógnita" sobre o futuro do câmbio administrado na China, por exemplo.
Uma das maiores gráficas do país, a Posigraf, de Curitiba, recebeu no início deste ano a primeira carga de papel da Ásia, relata o gerente de logística, Marco Antonio Conte. Foram 2 mil toneladas da APP China, o equivalente a 40% da média mensal de consumo da empresa, acrescenta o executivo.
A Posigraf já importa de fornecedores da Europa e dos Estados Unidos e as compras no exterior dependem do câmbio e da oferta mundial, explica Conte. "No ano passado, até setembro, era impossível importar devido à demanda no mercado internacional". Em 2009, ao contrário, a disponibilidade aumentou e o papel adquirido no exterior chegou a custar 20% a 25% a menos do que o produto nacional, lembra.
O executivo explica que a competitividade do papel importado ajuda a enfrentar a "tendência de concentração" da indústria brasileira do setor. Mesmo assim, a manutenção das compras no mercado doméstico é uma questão "estratégica" para a Posigraf, pois enquanto as encomendas feitas no país levam 30 dias para chegar à empresa, o tempo entre o pedido e a entrega dos produtos importados pode chegar a três meses, afirma o gerente.
Veículo: Valor Econômico