Do que as brasileiras gostam

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Como a subsidiária da L'Oréal se reorganizou para, pela primeira vez em cinco décadas de atuação no Brasil, criar produtos que seguem as preferências de suas consumidoras locais
 

 

Por dever de ofício, o francês François-Xavier Fenart tem sempre à mão alguma estatística a respeito do gosto feminino no que se refere ao uso de cosméticos. É um repertório que vem ganhando cor local ao longo de seus quase cinco anos como presidente da subsidiária da L'Oréal no Brasil. Para ele, isso significou em grande parte se tornar um especialista em cuidados com cabelos -- uma verdadeira obsessão no país, a começar pelo uso trivial do xampu. As brasileiras lavam as madeixas em média 4,9 vezes por semana -- enquanto as francesas se dedicam à tarefa 2,9 vezes no mesmo período. Também há poucos lugares do mundo em que as mulheres façam tantos tratamentos para alisar os cabelos. Com uma notável predileção por fios lisíssimos, um terço das brasileiras quer se livrar das ondas. A desenvoltura em discorrer sobre essas e outras preferências reflete o interesse de Fenart pelo segundo maior mercado de produtos para cabelos do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, com vendas de 7 bilhões de dólares em 2008. Para entregar cada vez mais a essas consumidoras o que buscam, Fenart criou algo inédito para a subsidiária da L'Oréal, fundada em 1960 -- um laboratório brasileiro. As primeiras fórmulas 100% nacionais começaram a chegar ao mercado em setembro de 2008. "Antes tínhamos de disputar com outros países nossos laboratórios no exterior", afirma Fenart. "Agora temos autonomia para fazer tudo aqui mesmo."


 
  
Atualmente, existem seis linhas de produtos e mais de 100 fórmulas de marcas como Elsève e Garnier à venda, que saíram diretamente do centro de pesquisas inaugurado em abril de 2008, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. É o quarto laboratório da L'Oréal em funcionamento fora da Europa -- os demais estão nos Estados Unidos, no Japão e na China. Sua abertura, que exigiu investimentos estimados em 50 milhões de reais, demonstra a relevância que o Brasil assumiu para a matriz francesa, que atua em 130 países. Em 2008, a subsidiária tornou-se a segunda maior do mundo para a empresa, com faturamento estimado em 1,2 bilhão de reais. No primeiro semestre deste ano, as receitas da L'Oréal no Brasil cresceram 21% em relação ao mesmo período do ano passado. Os produtos criados pelos pesquisadores brasileiros correspondem já à metade desse aumento -- ou cerca de 60 milhões de reais. "Esse é um mercado muito fragmentado, com um ritmo acelerado de lançamentos", diz Ruy Santiago, da consultoria Bain & Company. "Quem conseguir multiplicar a oferta e entender melhor a consumidora vai crescer mais."

 


A L'Oréal começou a criar produtos para atender aos desejos das brasileiras cerca de um ano mais tarde que a sua principal concorrente, a Unilever. Dona das marcas Seda, Dove e Clear, a Unilever montou um centro de pesquisa e desenvolvimento no Brasil no final de 2006. A estratégia estancou a queda que seus produtos registravam desde 2003. A  Unilever, ainda é a líder, mas sua participação passou de 20% para 17% entre 2003 e 2006, segundo a consultoria Euromonitor. Com o lançamento de novos produtos, manteve uma fatia de mercado no patamar de 16% nos últimos três anos. (Parte da perda se deve ao crescimento de concorrentes locais, como a carioca Niely, criada nos anos 80 no subúrbio carioca e que hoje tem cerca de 6% de participação no segmento de xampus e condicionadores do país.) No caso da L'Oréal, cuja participação se mantém estável em 14%, a tática é se mexer para ganhar espaço.

 


O marco zero do laboratório foi a contratação de um diretor de desenvolvimento em fevereiro de 2007 -- o francês Roland de La Mattrie, vindo de uma trajetória de três décadas na pesquisa de produtos na França. Uma de suas primeiras medidas foi buscar especialistas para iniciar a área -- três pesquisadores e quatro técnicos. "Pela primeira vez, procuramos em universidades e concorrentes gente capaz de desenvolver fórmulas a partir do zero", diz Claudia Klein, diretora de RH da L'Oréal. Um mês após a contratação, pesquisadores e técnicos partiram para um ano de treinamento prático na sede da empresa, em Paris. Ao longo desse período, eles levaram os resultados de uma pesquisa realizada com consumidoras brasileiras para a criação de um produto que combatesse ao mesmo tempo cinco problemas -- quebra dos fios, ressecamento, opacidade, rigidez e pontas duplas. "As mulheres usavam muitos produtos ao mesmo tempo e não ficavam satisfeitas", diz Olivier Blayac, diretor de desenvolvimento para a América Latina, que chegou ao país em abril deste ano para substituir Mattrie, que se aposentou. Em agosto de 2008, a empresa chegou à primeira versão dessa linha de produtos, lançada em setembro com o nome Elsève Reparação Total 5. Em abril deste ano, a linha já era a mais vendida da marca Elsève no Brasil e a terceira mais vendida entre as centenas de produtos para cabelos vendidos no país, com participação de quase 2%, segundo a Nielsen.

 


Para testar as fórmulas, a L'Oréal montou uma espécie de campo de testes em sua sede, na zona sul do Rio de Janeiro. Além das pesquisas quantitativas e qualitativas de praxe, o centro inclui a filmagem de consumidoras voluntárias tomando banho para entender detalhes do uso de cada xampu ou condicionador. O centro é capaz de filmar simultaneamente até 15 mulheres. "Se uma delas aplica o produto muitas vezes, podemos concluir que a consistência não é espessa o suficiente. Ou, se o enxágue é muito demorado, talvez esteja denso demais", diz Ana Paula Rosa, técnica que coordena a avaliação de produtos. Antes e depois do banho, os técnicos pesam a embalagem para calcular a porção usada. Em seguida, entrevistam as mulheres antes de enviar as recomendações de mudança. Em seguida, o produto reformulado é testado de novo com até 300 mulheres, em pesquisas de opinião ou qualitativas, conforme a informação de que a companhia precisa. Até a linha de produção, o período de criação de uma nova linha de cosméticos leva de seis meses a um ano. Concluída a fase, a versão final da fórmula segue para uma minilinha de produção montada ao lado da fábrica em Duque de Caxias -- outra invenção local. "A minifábrica acabou com interrupções na produção", diz o diretor Blayac. Um dos lançamentos mais recentes é o Garnier Liso Absoluto, para tornar escovas e chapinhas mais duradoras, que chegou ao mercado em abril deste ano.

 


Neste ano, a L'Oréal contratou a 20a funcionária de seu laboratório, uma pesquisadora para se dedicar ao desenvolvimento de cremes para a pele -- um mercado menor que o de cabelos, mas também em expansão. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, o Brasil ocupa o sexto lugar entre os maiores do mundo nesse segmento, com vendas de 3,6 bilhões de dólares em 2008. Em 2005, ocupava apenas o nono lugar. Recentemente, a empresa também começou a exportar os produtos desenvolvidos no Brasil. É o caso da linha Elsève Reparação Total 5 -- hoje vendida em dez países da América Latina e da Europa. Segundo Fenart, o Brasil tem sete entre os oito tipos de cabelos catalogados pela indústria de cosméticos. A grande variedade permite, portanto, a criação de novidades de apelo universal. "O Brasil é um laboratório vivo", diz Fenart. "Vamos nos tornar uma base de pesquisas para todas as partes do mundo."

 


Veículo: Revista Exame


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