A saída é crescer na África

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Pressionada pela expansão das grandes redes de varejo no Brasil, a pequena Tenda Atacado escolheu Angola para continuar crescendo -- uma aventura repleta de percalços
 


Há pelo menos quatro meses, a região do quilômetro 14 da Estrada do Catete, no distrito de Viana, em Luanda, capital de Angola, vive um período de transformação. Ali, cerca de 60 funcionários, 15 deles brasileiros, têm trabalhado dia e noite na construção da nova loja da rede Tenda Atacado, companhia paulista que cresceu ao explorar um formato bem brasileiro de comércio -- o atacarejo, uma fusão dos conceitos de varejo e atacado. No galpão de 2 300 metros quadrados e prateleiras de até 7 metros de altura, serão vendidos de refrigerantes a pastas de dentes, quase tudo importado do Brasil. A inauguração está prevista para o dia 30 de novembro -- e é aguardada com certa ansiedade por moradores e autoridades locais. Embora se trate de um empreendimento relativamente pequeno se comparado às obras de grandes empreiteiras na região, a nova unidade da Tenda em Luanda é parte da construção de um novo capitalismo num país que por anos sobreviveu em meio ao socialismo e às guerras civis. A chegada da Tenda, rede de 12 lojas com faturamento anual de 1,2 bilhão de reais, à Angola marca a primeira incursão do varejo brasileiro no país desde a estatização da loja Jumbo, então pertencente ao grupo Pão de Açúcar, em 1974.

 

A Angola de hoje aparece como um lugar de oportunidades para uma série de empreendedores brasileiros. O fim dos conflitos civis, em meados de 2002, engajou o país no esforço de reconstrução, transformando-o num dos maiores canteiros de obras do mundo. Beneficiada pelas grandes reservas petrolíferas, Angola é atualmente um dos países que mais crescem na África, com taxas médias anuais da ordem de 15%. "Angola vive um momento único em sua história", diz Pedro Olavo Severini, presidente do conselho de administração da Tenda Atacado. "E nós queremos ser os primeiros varejistas a aproveitar essa oportunidade."

 

O mercado inexplorado, o pioneirismo e as oportunidades que tudo isso traz ajudam a explicar apenas em parte a opção da Tenda pela África. Em termos de mercado consumidor, o Brasil, com seus 80 milhões de consumidores da classe C, o público primordial das redes de atacarejo, é infinitamente maior que Angola, com uma população total de 16 milhões de habitantes. E é exatamente isso que faz com que o mercado brasileiro seja hoje uma prioridade para as maiores redes de varejo do mundo. Para uma companhia de 1,2 bilhão de reais como a Tenda, a competição aqui tem ficado a cada dia mais difícil. Perto de seus maiores concorrentes, a Tenda é hoje pequena. Nos últimos quatro anos, as redes Atacadão, Assai e Maxxi foram adquiridas pelo grupo francês Carrefour, pelo Pão de Açúcar e pela cadeia americana Walmart, respectivamente. É com eles, portanto, que Severini, um paulista de 74 anos, disputa os consumidores. "Boa parte do novo mercado brasileiro está concentrada nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país", diz o executivo Sussumu Honda, presidente da Associação Brasileira de Supermercados. "Essas regiões já estão ocupadas pelos concorrentes. Como não tem envergadura para disputar esses mercados, a Tenda pode reinar praticamente sozinha em Angola." Nos planos de Severini está a abertura de nove lojas da Tenda em Angola nos próximos cinco anos. Assim, sua operação internacional passaria a significar cerca de 10% do faturamento total da rede.

 

Como é comum acontecer à maioria das empresas que se aventuram fora do país pela primeira vez, a execução do plano mostrou-se bem mais complicada do que o inicialmente previsto. No papel, o projeto parecia perfeito: bastava adquirir um galpão, treinar funcionários ávidos por um emprego estável e despachar as mercadorias diretamente do Brasil para Angola. Pelos cálculos originais, a nova loja estaria de pé em apenas quatro meses, pronta para ser inaugurada no início de setembro -- faltou apenas combinar com os angolanos. As peças metálicas que serviriam para estruturar a loja, todas despachadas do Brasil, levaram 25 dias para ser liberadas no porto de Luanda, e não uma semana, como é de praxe em outros países. Sete dos 32 contêineres com os produtos que abasteceriam as prateleiras ficaram parados por mais de 50 dias à espera do preenchimento de formulários extras. "Obter as aprovações necessárias para operar fica mais difícil quando não se tem proximidade com funcionários do governo", diz Fausto Severini, diretor de expansão da Tenda e um dos filhos de Pedro Olavo. Encontrar gente disposta a trabalhar na nova loja também não é tão trivial quanto parece. Por uma questão cultural, os angolanos não estão habituados a firmar contratos de trabalho de longo prazo. É comum que os funcionários locais compareçam ao trabalho por dois ou três dias, e depois desapareçam. Para evitar o colapso, a Tenda enviou uma equipe de 20 executivos brasileiros para tocar a operação em Luanda. Eles deverão ficar lá por um período de até dois anos. "Nem todo mundo se prontificou a ir", diz Fausto. "A inauguração teve de ser adiada por duas vezes. Foi mais difícil do que imaginávamos."

 

A atual estratégia de expansão da Tenda é reflexo do estilo empreendedor de Pedro Olavo Severini. Nascido na cidade de Monte Azul Paulista, no interior de São Paulo, ele decidiu se juntar à rede de atacarejo criada por dois de seus quatro filhos, Carlos Eduardo e Fausto, em 2001, como forma de pôr fim a uma longa disputa familiar. Na década de 80, Severini herdou do pai o comando da distribuidora e atacadista de alimentos Vila Nova, que operava em Minas Gerais e no interior de São Paulo. Ao contrário do tio e do irmão, seus sócios no negócio, ele defendia que a empresa se expandisse mais rapidamente pela capital paulista. Os sócios, por outro lado, queriam que a empresa explorasse o mercado mineiro. Em meio às discussões, Severini conseguiu convencer a família a abrir uma loja de atacarejo numa região próxima à marginal do rio Tietê, na zona norte de São Paulo. Isso, no entanto, não impediu que o clã se dividisse. A briga entre Severini e seus sócios foi parar na Justiça. "Seria um erro ficarmos fora do maior mercado do país", diz Severini, que até o ano passado ocupava a presidência da Tenda. Com a Vila Nova separada em dois, Severini deixou a empresa. Foi a gênese da Tenda Atacado, que surgiu com uma loja instalada no bairro de Guarapiranga, na zona sul de São Paulo.

 

Se quiser repetir em Angola o mesmo ritmo de crescimento conseguido no Brasil, os donos da Tenda terão de vencer vários obstáculos. Além da óbvia dificuldade de operar em outro país, com uma cultura completamente diferente, ainda será preciso lidar com os problemas típicos de uma nação recém-saída de sangrentas guerras civis, com regime político peculiar, infraestrutura precária e falta de mão de obra qualificada. A precariedade do porto de Luanda, que chega a levar três meses para liberar as mercadorias, fez com que a Tenda optasse por não oferecer produtos com prazo de validade inferior a seis meses, como legumes, verduras, frutas, pães industrializados, feijão e iogurtes -- justamente os que atraem o maior público para as lojas aqui no Brasil. "O custo Luanda terá de ser repassado aos preços", afirma Carlos Eduardo Severini, diretor-geral da Tenda. "Do contrário, a conta não fecha." Com preços mais altos, a Tenda terá de enfrentar a concorrência da rede de supermercados local Nosso Super, controlada pelo governo angolano e administrada pela construtora Odebrecht. "Nossa vantagem sempre foi vender mais barato e vamos nos esforçar para fazer a mesma coisa em Angola", diz Carlos Eduardo. A Nosso Super pode ser um competidor forte em Angola. Mas, por enquanto, é o único.

 


Veículo: Revista Exame


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