Relações externas: País vai exigir licença prévia do mesmo tipo de bem importado do vizinho
O acordo entre os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Cristina Kirchner, para reduzir as tensões comerciais, começa a sofrer abalos antes mesmo de terminar o mês em que foi assinado: em reação a a uma nova restrição a exportações brasileiras decretada na Argentina menos de uma semana depois do encontro dos presidentes, o governo brasileiro comunicou ontem a Buenos Aires que passará a restringir as vendas de brinquedos e jogos do país vizinho ao mercado nacional.
Como o acordo firmado entre os presidentes estabelecia que haveria comunicação prévia de qualquer medida restritiva, o governo brasileiro informou que, a partir de dezembro, brinquedos, jogos e similares argentinos estarão sujeitos a licença prévia. A medida responde à decisão da Secretaria de Comércio Interior da Argentina, editada na semana passada, que, sem aviso prévio ao Brasil, passou a exigir dos fabricantes brasileiros certificados emitidos na Argentina - até então, os argentinos aceitavam certificações emitidas pelas empresas brasileiras.
Segundo um técnico graduado do governo brasileiro, a decisão de submeter os brinquedos e jogos argentinos a licenciamento não automático é um recado aos argentinos de que toda medida de restrição ao comércio lá será acompanhada imediatamente por outra similar, no Brasil.
É uma medida mais simbólica e política, por demonstrar a falta de acerto entre as duas burocracias. Os empresários do setor já falam em deixar de lado o comércio com a Argentina. Embora o impacto das barreiras sobre as contas dos dois países seja pequeno, os fabricantes de jogos e brinquedos veem encolher ano a ano as vendas ao país vizinho.
Com a demora na liberação de licenças pela Argentina - que já vinha ocorrendo -, as vendas de brinquedos e jogos brasileiros ao mercado vizinho, que já foram quase metade das exportações do setor, despencaram de quase US$ 15 milhões para pouco mais de US$ 5 milhões neste ano, até outubro. No ano passado, de janeiro a outubro, as vendas somavam quase US$ 8 milhões.
Hoje, o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, quer abordar o assunto com o ministro de Relações Exteriores da Argentina, Jorge Taiana, em Genebra, onde o argentino abrirá uma reunião de comércio dos países pobres e em desenvolvimento.
"É lamentável, mas não vamos estragar tudo que foi feito por causa de um episódio", reagiu Amorim, ao comentar, por telefone ao Valor, as novas barreiras entre os dois sócios do Mercosul. O tema bilateral, segundo explicou, está, por enquanto, sob a condução do Ministério do Desenvolvimento, enquanto o Itamaraty comanda outras discussões comerciais. A decisão de criar nova barreira aos brinquedos brasileiros foi tomada pelo poderoso secretário (ministro) de Comércio Interior, Gulermo Moreno, que não participou das negociações entre Lula e Cristina Kirchner.
As vendas dos brinquedos e jogos argentinos ao Brasil, ainda que em pequeno valor, vinham crescendo exponencialmente: de US$ 237 mil nos primeiros dez meses de 2008, para US$ 1,35 milhão de janeiro a outubro deste ano (de dez toneladas para 112 toneladas nesse período). Em volume, as exportações brasileiras caíram pela metade em 2009. Os brasileiros, que chegaram a ocupar 12% do mercado de brinquedos argentino, hoje têm pouco mais de 2%, enquanto os chineses passaram a ocupar quase 80% do mercado.
"Temos de esquecer o mercado argentino, não adianta enfrentar o governo do país", diz, resignado, o presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), Synésio Baptista da Costa, que soube na semana passada da decisão de Moreno, quando estava em Buenos Aires, discutindo o tema com empresários argentinos. "Estávamos conversando, e não me disseram nada, recebi a notícia pelo meu BlackBerry", conta ele.
Os argentinos alegam que a decisão de Moreno não rompe o acordo com o Brasil, porque o tema do compromisso entre Lula e Cristina Kirchner eram as licenças não automáticas nos dois países. Moreno justificou a medida contra os brinquedos brasileiros como retaliação ao Brasil devido às exigências de certificação criadas em 2007 pela Anvisa, após denúncias de uso de tintas e material tóxicos contra brinquedos chineses.
No dia 9, em São Paulo, autoridades dos dois países se reunirão para discutir a agenda sobre as barreiras ao comércio bilateral que será negociada pelos ministros em janeiro. Vão aproveitar para tentar eliminar ou reduzir obstáculos considerados mais graves pelos empresários do Brasil e Argentina. A frequência com que os governos têm sido obrigados a fazer essas reuniões de negociação para redução de obstáculos ao comércio em setores sensíveis já faz com que técnicos as apelidem de "troca de reféns".
Veículo: Valor Econômico