Agronegócio: Área plantada deve crescer 0,7% e a safra poderá chegar a 140,9 milhões de toneladas
Os principais segmentos do agronegócio brasileiro se despedem de 2009 com a nítida sensação de que os reflexos da crise financeira em suas atividades poderiam ter sido mais deletérios do que de fato foram, mas encaram 2010 desconfiados que a recuperação que se vislumbra será insuficiente para garantir a pujança que se espera.
Diante do pânico e dos problemas deflagrados pela quebra do banco americano Lehman Brothers, em setembro de 2008, ninguém no setor estranhou a previsão da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) que o Produto Interno Bruto (CNA) do agronegócio nacional deverá recuar 7% neste ano.
Não é pouco. Se a estimativa for confirmada, a retração em relação ao resultado do ano passado será de quase R$ 55 bilhões, para um total de R$ 710 bilhões. Diferentemente do IBGE, que também apontou forte queda do PIB agropecuário no terceiro trimestre, o cálculo da CNA leva em consideração todos os segmentos e elos do setor, do campo à industrialização, dos insumos à distribuição.
Não é um resultado surpreendente, porque desde o início do ano as estatísticas comprovam queda de preços das commodities na comparação com as máximas históricas alcançadas pouco antes de setembro de 2008 (exceto no caso do açúcar), o clima foi ingrato com a produção de grãos no Sul na safra 2008/09, a renda das lavouras diminuiu, o câmbio colaborou para a primeira queda das exportações do setor em uma década - até novembro a baixa foi de 10,8%, para US$ 59,774 bilhões) e diversas empresas quebraram ou foram compradas ou incorporadas por concorrentes.
Nesse contexto, ninguém discordaria que a Cooperativa Agropecuária e Industrial (Cooagri), a maior de Mato Grosso do Sul, adoraria ter registrado queda de 7% em seus faturamento no ano. Não deu tempo. Com o crédito escasso e afogada em dívidas, a cooperativa foi liquidada em outubro. Também são conhecidos casos de agroindústrias de peso como a Sadia, frigoríficos como a Bertin, tradings como a Seleta ou usinas como a Santelisa Vale, incorporadas por outros grupos.
O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, lamenta os resultados do PIB do agronegócio no terceiro trimestre e nos nove primeiros meses de 2009, e diz que o quadro deste quarto trimestre não está muito diferente, mas acredita em recuperação em 2010. "São previstos produtividade mais elevada e aumento de produção, desde que o clima se mantenha adequado", afirma.
Stephanes anunciou que deixará o cargo em março para disputar, no Paraná, uma cadeira na Câmara dos Deputados. O otimismo do ministro não é isolado. A CNA afirma que, "mantendo-se o cenário de recuperação da economia mundial, há tendência de recuperação do agronegócio em 2010, com aumento de preços pagos ao produtor e aumento de oferta na comparação com 2009."
O problema é que, da mesma forma que o PIB do agronegócio em 2009 voltou ao patamar de 2007, o de 2010, se tudo der certo, poderá repetir 2008, em um "déjà vu" que não interessa a um país com pretensão e as condições naturais para ampliar seus domínios no mercado mundial de commodities agrícolas e produtos agroindustriais de maior valor agregado. Isso com as restrições e cuidados para que as atividades sejam sustentáveis social e ambientalmente.
O primeiro sinal que 2009 não seria fácil surgiu em agosto do 2008, quando o mercado de fertilizantes parou. As compras tinham sido fortes no primeiro semestre, quando os preços do insumo, acompanhando o petróleo e a maior parte das commodities estavam nas alturas. Depois, apareceram as estatísticas sobre a liberação de crédito rural para 2008/09. A safra começava a ser plantada, mas o crédito não fluía, pela postura retraída dos bancos.
Quando o Lehman Brothers sucumbiu, os freios tinham sido acionados. As tradings, que normalmente financiam parte do plantio de grãos, tornaram-se cautelosas e o volume de recursos caiu. Usinas de açúcar e álcool engavetavam dezenas de projetos de novas unidades, empresas de fertilizantes viam lucros virarem prejuízo e o baque nas exportações de carnes se aprofundou. Problemas no caixa de grandes empresas começaram e pedidos de recuperação judicial foram ajuizados.
Entre dezembro e janeiro, as perspectivas no setor eram as piores. A crise financeira global e a decorrente redução da atividade econômica mostraram-se insuficientes para abater o consumo de alimentos. A crescente preocupação com o aquecimento global manteve os biocombustíveis em voga.
Os "ativos" alimentos e biocombustíveis haviam ganhado importância na carteira de grandes fundos de investimentos e os preços das commodities agrícolas, apesar de terem recuado em relação aos picos de meados e 2008, permaneceram em geral pelo menos 30% acima das médias mensuradas entre a década de 70 e 2007, quando começou a explosão puxada pelos fundos e movida a soja, milho, trigo, algodão, café e cacau.
Contida pela crise, a explosão deu lugar a um patamar capaz de debelar a "agroinflação" global dos alimentos e levar os países a recompor estoques. A erosão do dólar avançava, mas os preços gerais permaneciam firmes e até o açúcar, que chegou atrasado à festa das disparadas das cotações, começaram a subir com os problemas na oferta da Índia e amenizavam os efeitos provocados pelas reticentes cotações do etanol. Em meados de 2009, com o processo de consolidação na área avançado, as usinas voltaram a respirar.
Grandes empresas de carnes que haviam resistido ao pior da crise, como JBS e Marfrig, voltaram às compras e depois de nove meses de demanda claudicante as empresas de fertilizantes voltaram a vender mais por conta da proximidade do plantio desta safra 2009/10, que começou em meados de setembro. A área plantada deverá ser 0,7% maior (47,978 milhões de hectares) e a colheita poderá engordar 4% (140,598 milhões de toneladas), segundo projeções da Conab e desde que o El Niño não atrapalhe muito.
"O cenário é discretamente satisfatório, sobretudo para os segmentos mais direcionados ao mercado interno", diz o economista Fabio Silveira, da RC Consultores. Mas no meio do caminho da recuperação do agronegócio há o dólar, e este ainda não dá sinais de que poderá se fortalecer em 2010.
Com produtos importantes como a soja, o café, o açúcar e o suco de laranja dependentes das exportações, não é uma boa notícia. As lideranças do setor se articulam e apresentam seus pedidos ao governo e este vem respondendo às solicitações. No Plano Safra 2009/10, o governo reservou R$ 93 bilhões para a agricultura empresarial, 43,1% mais que em 2008/09, e R$ 15 bilhões para a agricultura familiar, mais 15,4%. E o Orçamento Geral da União prevê um recorde de R$ 6 bilhões para a apoiar a comercialização da safra.
Veículo: Valor Econômico