Para BNDES, criação de 'superfarmacêutica' nacional está próxima

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Saúde: Meta é permitir competição com grupos multinacionais e gerar inovação tecnológica no setor


Apesar da desconfiança do setor privado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não esconde que a criação de um "superlaboratório" nacional para competir com empresas multinacionais na produção de medicamentos e geração de inovação tecnológica esteja perto de um desfecho.


Durante o seminário "Complexo Industrial da Saúde", promovido pelo Valor com apoio do Ministério da Saúde, e com presença dos principais executivos e autoridades do setor de saúde, o chefe do departamento farmacêutico do banco, Pedro Palmeira, reiterou que o BNDES está disposto a atuar não só com financiamentos, mas também com ações para "fortalecer a musculatura" de empresas nacionais, seja por meio de participação acionária do banco ou injeção de capital em movimentos de fusões ou consolidação.


Palmeira revelou que as maiores empresas do setor negociam em sigilo, inclusive com participação do banco de fomento. "Qualquer coisa que eu fale pode atrapalhar. Existem conversas em andamento entre os principais players do setor farmacêuticos, e o BNDES está sentado à mesa em algumas dessas conversas", contou o executivo, que manteve reuniões a portas fechadas com empresários durante intervalos do seminário, realizado ontem em São Paulo.


Segundo o executivo, o formato da participação do banco em uma eventual operação de consolidação do setor já está desenhada. "Nossa possibilidade de ação pode ser apenas por participação acionária via BNDESPar [braço de participação societária do BNDES], mas pode ser também através de operação mista, com injeção de capital mais presença acionária e alguma parcela da operação em concessão de crédito com recursos do Profarma", acrescentou Palmeira.


O executivo admitiu ainda que a instituição está disposta a incrementar, caso necessário, os recursos do Profarma, programa de fomento do BNDES voltado exclusivamente para o setor farmacêutico, cujo desembolso somou R$ 1,374 bilhão até dezembro de 2009, para um orçamento estimado em R$ 3 bilhões até 2012.


"Trata-se de uma previsão orçamentária balizadora. O presidente do banco, Luciano Coutinho, tem dito sempre que o financiamento à indústria da saúde , junto com as áreas de bens de capital e tecnológica, são segmentos que o BNDES enxerga como estratégicos, portanto, recursos para empreendimentos nessas três áreas estarão sempre disponíveis", afirmou.


A ideia do governo de criar um "superlaboratório" ainda sofre resistência por parte das indústrias farmacêuticas brasileiras, apesar da articulação do BNDES e do Ministério da Saúde. Segundo Ciro Mortella, diretor de assuntos institucionais da Eurofarma, o plano de expansão do grupo não passa necessariamente por uma fusão ou por ter o BNDES como sócio, por meio do BNDESPar. "Mas não excluímos nenhuma possibilidade", disse. Segundo ele, o grupo planeja intensificar sua internacionalização. A empresa tem um laboratório na Argentina e planeja entrar em outros países da América do Sul.


A Cristália também não negocia neste momento a entrada de sócios estratégicos no grupo, segundo Ogari Pacheco, presidente da companhia. "O BNDES já financia nossos projetos", disse. "Eu parto do seguinte princípio: se juntar todos os grandes laboratório nacionais, não dá uma multinacional. Não é lógico, não faz sentido esse plano [do superlaboratório]", afirmou.


Em recente entrevista ao Valor, o grupo EMS, o maior do país, também afirmou não ter interesse em ter sócios estratégicos, como o BNDES. A empresa afirmou que é consolidadora e deverá fazer aquisições no mercado internacional.


Pedro Palmeira, do BNDES, e executivos do mercado concordam que os obstáculos na criação de "empresas campeãs" no setor farmacêutico residem no tradicionalismo da gestão dos negócios. "A indústria farmacêutica brasileira é marcada pela estrutura familiar, com exceção do grupo Aché, que tem avançado na sua governança. A maioria das empresas ainda tem seus fundadores como presidentes ou principais executivos. Isso não é um demérito, mas força o namoro a ser mais devagar. O casamento não pode ser muito rápido", associa Palmeira.


O diretor de um grande laboratório nacional, com experiência de 40 anos de mercado, lembra de uma situação ilustrativa. "No ano passado, uma entidade de classe ofereceu o prêmio Cândido Fontoura para os grandes nomes do setor farmacêutico. Foi um momento muito bonito, a maioria dos homenageados estava na casa dos 80 anos de idade, alguns foram receber a medalha na cadeira de rodas, de bengala."


O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, ressalta que o BNDES não tem intenção de interferir na gestão das empresas, caso "superlaboratórios" nacionais sejam criados com capital estatal. "O setor farmacêutico é um dos mais dinâmicos do mundo, com vários processos de fusões e aquisições, realidade que começa a se colocar a empresas brasileiras. O BNDES está disposto a incentivar consolidações, que permitam que um grande grupo nacional se destaque num mercado dinâmico, incentivando a estruturar a produção interna de medicamentos com forte impacto no ponto de vista da saúde pública", destacou Temporão.


Outra preocupação do ministro é a geração de tecnologia e inovação por parte dos laboratórios nacionais com intenção de ajudar a minimizar o déficit de comércio exterior do setor de saúde, que fechou 2009 em US$ 7 bilhões.


Investimento em inovação ainda é pequeno no país


Apesar do crescimento nos últimos anos, os investimentos em inovação dos laboratórios nacionais ainda é pequeno, se comparado com os aportes feitos por multinacionais. Boa parte das farmacêuticas internacionais destina por ano cerca de 6% a 10% do seu faturamento líquido em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Em 2008, o país investiu cerca de R$ 8 bilhões.


O governo está incentivando os laboratórios nacionais a fazer investimentos em inovação, como forma de reduzir a dependência do país de medicamentos de alta tecnologia. Segundo Ronaldo Mota, secretário do Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia, o governo planeja dar impulso ao Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec). "Assim como a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] é referência internacional, queremos fazer o mesmo com o Sibratec na saúde", disse. A diferença, segundo ele, é que a Embrapa teve de mandar seus cientistas para o exterior nos anos 70 para que eles adquirissem conhecimento. "Nossos cientistas já têm conhecimento", disse. Mota afirmou que o Sibratec já tem convênios em oito Estados e deverá ampliar sua atuação para 22 Estados ainda neste semestre.


Ogari Pacheco, presidente do laboratório Cristália, defende tratamento diferenciado para os laboratórios nacionais que investem pesado em P&D no país. Segundo ele, é possível que companhias farmacêuticas nacionais de médio porte expandam seu portfólio com investimento em inovação.


A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia, também está aumentando seus aportes em pesquisas na área da saúde. Os investimentos foram de R$ 607,5 milhões entre 2002 e 2009, segundo Gilberto Soares, da Finep.


A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) também está trabalhando para acelerar os processos de autorização de medicamentos no órgão. "O objetivo não é fazer rápido, é fazer bem", disse Dirceu Raposo de Mello, presidente da agência.


Raposo disse que a Anvisa tem contribuído para o Complexo Industrial da Saúde e que neste ano uma das prioridades será estreitar as relações com outras agências estrangeiras. As conversas estão mais adiantadas com o Canadá. Segundo ele, o mesmo deverá ser feito nos Estados Unidos e com os países da União Europeia, com os órgãos competentes destas regiões. "Já temos um acordo de reciprocidade com Moçambique", disse. (MS)
 

Veículo: Valor Econômico


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