Programa Balde Cheio traz lucro para o leite

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Pequenos pecuaristas assistidos pelo projeto quase deixaram a atividade. Agora, querem até aumentar o rebanho

 

Um trabalho que está completando dez anos prova que é possível produzir, com lucro, leite em pequenas propriedades, garantindo a fixação do pecuarista no campo. O projeto Balde Cheio, da Embrapa Pecuária Sudeste, que já alcançou 2 mil propriedades rurais em 350 municípios de 10 Estados, já capacitou 50 técnicos e tem mais 500 em capacitação. "Todas as propriedades que continuaram no projeto tiveram sucesso", diz o coordenador do Balde Cheio, o pesquisador da Embrapa Artur Chinelato de Camargo.

 

Conforme Camargo, entre 60% e 70% das propriedades têm no máximo 20 hectares, ou seja, são pequenos produtores. "Pelo menos 70% deles já tinham decidido deixar o campo. Com o projeto, continuaram na atividade."

 

O primeiro foco do Balde Cheio não são os animais, nem a propriedade, mas o produtor. "Nosso objetivo primordial é recuperar a sua auto-estima, reduzir o êxodo rural e, conseqüentemente, aumentar a produtividade." Não é uma missão fácil, pois "o produtor deve querer mudar". O principal argumento para isso é a visita às propriedades chamadas "salas de aula". Há uma em cada município participante. "Quando o produtor vê alguém que já esteve na mesma situação, ou até pior, e conseguiu reverter, ele percebe que também pode."

 

PROPRIEDADE EXEMPLAR

 

Em Jacareí fica uma das menores propriedades do projeto, com 1,5 hectare. O sítio, que produzia apenas 30 litros de leite por dia, rende hoje 200 litros/leite/dia. "Dá uma média de 60 mil litros por hectare/ano, ou 4 vezes mais que os melhores produtores de países desenvolvidos", diz Camargo.

 

O pesquisador identificou também o principal motivo da baixa produtividade: a má alimentação do gado. "Muitos produtores desconhecem o que é bom para as vacas. Com o projeto, a maioria já tem até irrigação para aumentar a produção do pasto e a lotação dos animais." Mas ele lembra: "Não há uma receita que sirva para todos os produtores, em todas as regiões".

 

É justamente este um dos entraves do projeto: a escassez de técnicos regionais para transferir a tecnologia. "É um processo lento e individual; cada produtor tem uma realidade." A missão da Embrapa é capacitar os técnicos de casas de agricultura, sindicatos rurais, empresas de extensão rural ou qualquer entidade interessada. São esses técnicos que dão assistência aos produtores, por meio de cursos, dias de campo e visitas às "salas de aula". "A extensão é o elo entre a pesquisa e o produtor."

 

EXTENSÃO RURAL

 

A implementação do projeto Balde Cheio dura quatro anos. Depois, é fundamental que a extensão rural assuma o trabalho. Para isso, em São Paulo, a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati) criou, em 2000, o Cati Leite. "Até o ano passado, o foco era a capacitação dos técnicos. A partir de agora, o objetivo é o desenvolvimento dos produtores, sobretudo dos pequenos, pois a média dos rebanhos é de 12 animais", diz a coordenadora de Planejamento do programa, Marianne de Oliveira Silva.

 

Das 40 regionais agrícolas da Cati, 32 participam do projeto. "Hoje, o Cati Leite envolve 490 propriedades e 375 técnicos. A meta, para este ano, é atingir 600 propriedades."

 

Para participar, o produtor deve procurar a casa de agricultura do município, que cadastra o interessado. Depois, é assinado um termo de compromisso, que garante a visita do técnico à propriedade e define os direitos e deveres do produtor. "Faz-se um levantamento planialtimétrico da propriedade, que dá a visão espacial global da área. Isso serve, por exemplo, para saber onde é melhor instalar os piquetes."

 

O próximo passo é fazer análise de solo para saber a qualidade do solo. Um terceiro passo refere-se à sanidade do gado, com a realização de exames de tuberculose e brucelose. "A partir daí, o produtor pode começar a planejar a propriedade."

 

Marianne diz que a primeira coisa que os produtores querem fazer é trocar os animais, o que é um erro. "Para produzir leite não precisa mudar o gado. Costumo dizer que a genética é o último passo, é o teto da casa. O chão é a comida."

 

Portanto, o mais importante é garantir alimento ao gado, porque com o gado passando fome não é possível saber o potencial do animal. "Tem que começar melhorando o que já existe na propriedade, como as condições do pasto, para depois mudar a gramínea. Depois, faz-se um piquete. É uma coisa por vez", diz Marianne.

 

R$ 0,30 por litro de leite é o custo de produção do projeto, ante R$ 0,60/litro normalmente gastos
10 mil litros de leite/hectare/ano é a produtividade na região de Franca (SP), ante 1.200 l/ha/ano produzidos fora do projeto
10 cabeças por hectare é a média de lotação nas propriedades que participam do projeto

 

Ter planilha de custo é regra básica

 

Produtor deve anotar desde o gasto com ração e adubo até a quantidade de leite por vaca e o que o bezerro consome

 

Para o agrônomo Márcio de Figueiredo Andrade, da Casa de Agricultura de Restinga, região de Franca (SP), os programas foram a "salvação" do produtor de leite. Segundo ele, o projeto provou que, bem conduzida, a pecuária leiteira pode ser tão rentável quanto o café e a cana, principais culturas na região. E o leite tem um diferencial: "O café e a cana dão lucro uma vez por ano, o leite dá salário mensal", diz.

 

Conforme Andrade, o produtor sai de um custo de produção de R$ 0,80/litro para no máximo R$ 0,50/litro. A produtividade por hectare também melhora. Na região de Franca, após o projeto, a produtividade chega a 10 mil litros de leite/hectare/ano, ante 1.200 litros de leite/hectare/ano fora do projeto.

 

O produtor Antônio Amaral de Souza, da Fazenda Santa Carolina, em Restinga (SP), participou quatro anos do Balde Cheio e já aderiu ao Cati Leite. Com 18 vacas, 6 em lactação, aumentou a produtividade diária de 8 litros de leite/vaca para 15 litros de leite/vaca.

 

PASTAGEM

 

"Fiz análise de solo do pasto, apliquei adubo e corrigi a acidez. Depois, dividi o pasto em 28 piquetes de 300 metros quadrados cada", conta. "Cada dia as vacas pastejam em um piquete. Com o rodízio, dá tempo de o capim rebrotar."

 

A mudança de manejo inclui o controle individual da alimentação. "Aprendi a fornecer concentrado por vaca, conforme a produtividade de cada uma", diz. "Anoto tudo: as despesas com ração, adubo e medicamentos. Também entendi a importância de pesar o leite e de anotar quanto cada animal produz."

 

O controle do rebanho por meio de planilhas é uma novidade para os produtores, diz a veterinária Letícia Rodrigues Gonçalves Zampieri, coordenadora de Assistência Técnica e Extensão Rural da Prefeitura de Birigüi. "Esse tipo de organização não fazia parte da rotina, mas como é um controle obrigatório, o produtor percebe a importância."

 

Segundo Letícia, os produtores aprenderam a anotar todas as despesas relativas à atividade, como adubação de pasto, ração, exames sanitários e medicamentos, e também a controlar os animais individualmente. "Cada vaca tem uma ficha reprodutiva, com as datas dos cios, dos partos e do toque retal ou apalpação. Outra ficha marca a quantidade de leite produzida, o consumo dos bezerros e o do próprio produtor", explica. "Outra mudança foi em relação ao manejo do pasto. Antes, a área era renegada; hoje, é tratada como uma cultura."

 

MAIOR PRODUTIVIDADE

 

O produtor Eder Luiz Aguiar dos Reis, do Sítio Santa Izabel, em Penápolis (SP), participa do Balde Cheio desde 2006. No sítio, de 12 hectares, cerca de 3,5 hectares são reservados para 62 vacas leiteiras, sendo 24 em lactação. A produtividade é de 400 litros de leite/dia. "Antes tinha 4 vacas produzindo 30 litros de leite por dia e trabalhava no negativo." Hoje, o sítio foi escolhido como unidade demonstrativa.

 

Ele conta que começou fazendo análise e correção de solo para adubar corretamente o pasto. "Agora, estou construindo piquetes para fazer pastejo rotacionado. Quero instalar 6 piquetes de 6 mil metros quadrados cada", diz.

 

Segundo Reis, toda essa mudança reduziu custos com a dieta dos animais. "Com o pasto produzindo bem, o gado não precisa ser tratado no cocho, com silagem de milho. Hoje, a dieta básica das vacas é o pasto e mineral, dados o ano todo", afirma. No fim de maio, ele planta aveia e azevém para garantir pasto no inverno.

 

COMIDA PARA AS MELHORES

 

No Sítio Santa Izabel, a alimentação do rebanho é controlada. As melhores vacas comem a ponta do capim, que concentra a porção mais nutritiva da planta. O gado de menor lactação e as vacas secas fazem o "repasse", comendo o que as vacas mais produtivas não comeram. Para baratear mais a dieta, o produtor substituiu a ração industrializada por uma preparada no sítio, à base de milho e resíduos da agroindústria, como polpa cítrica, farelo de soja e caroço de algodão. O milho é cultivado em 2 hectares. A substituição fez o custo da ração cair de R$ 0,75/quilo para R$ 0,54/quilo, já considerando o sal mineral. Sem o sal, o custo é de R$ 0,42/quilo. De acordo com o produtor, o custo total de produção caiu pela metade. "De R$ 0,60/litro para R$ 0,30/litro. Com o litro de leite a R$ 0,68 em setembro dá para ver a diferença."

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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