Alta recorde da laranja não chega ao produtor

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Preço quadruplicou no primeiro semestre, e contratos firmados com antecedência pagam menos ao citricultor

 

O preço da laranja quadruplicou no primeiro semestre deste ano, em comparação com o ano passado, mas a maioria dos produtores está recebendo preços mais baixos que os de mercado. Eles assinaram contratos com os fabricantes de suco num período em que a caixa de 40,8 quilos chegou a ser vendida por R$ 3,50. Agora, enfrentam dificuldades para renegociar o contrato num preço próximo do obtido pelos produtores sem contrato. Na última quinta-feira, no sudoeste paulista, alguns destes já conseguiam R$ 17 pela caixa.

 

Os citricultores reclamam de uma manobra feita pelas fábricas condicionando a revisão do contrato ao compromisso de venda da próxima safra pelo mesmo preço. "O produtor fica refém do contrato antigo e da empresa", afirma o citricultor Carlos Minatel, de Cordeirópolis. Para conseguir elevar o valor contratado de R$ 8 para R$ 10 ou R$ 12 a caixa, que ainda está bem abaixo do preço de mercado, ele se vê obrigado a fazer a venda antecipada da próxima safra pelo mesmo valor. "A indústria usa a força econômica que tem e o produtor fica sem condições de sair."

 

A escalada no valor da fruta deve-se ao frio intenso que atingiu os laranjais da Flórida. No Sudeste, o excesso de chuva também prejudicou a atual safra. O presidente da Associação Brasileira dos Citricultores (Associtrus), Flávio Viegas, concorda com Minatel. Além disso, para ele, as manobras para pagar menos pela laranja mostram que as indústrias não abandonaram práticas danosas ao equilíbrio da cadeia, que ele considera resultantes de um cartel. De acordo com Viegas, não é aceitável que, na mesma safra, a indústria pague R$ 17 pela caixa de laranja de um produtor e R$ 6 pela de outro.

 

Exportações. A laranja é o terceiro item na pauta de exportações paulistas e é responsável por 96% dos sucos vendidos pelo País. E é a segunda cultura mais importante do agronegócio do Estado, atrás apenas da cana-de-açúcar. Os laranjais de São Paulo dão conta de 80% da produção brasileira. Os bons preços da atual safra são um rápido refresco para um setor que vem encolhendo drasticamente. Nos últimos dez anos, o potencial produtivo dos pomares perdeu 241 milhões de caixas por fatores como doenças, especialmente o greening, preços baixos, queda no nível tecnológico e o suposto cartel. O endividamento do setor é estimado em R$ 1 bilhão.

 

Nesse período, segundo a Associtrus, 20 mil produtores deixaram a atividade. Carlos Minatel conta que ele e os irmãos tinham 240 mil laranjeiras há dez anos na região de Cordeirópolis. Há cinco, reduziram para 180 mil. Hoje, o pomar tem apenas 12 mil plantas. A área de cultivo no Estado perdeu 180 mil hectares, em parte tomada por canaviais. O ganho na produtividade e a migração da lavoura para o sudoeste, onde a incidência do greening é menor, compensaram parte dessa perda. Em dez anos, a produtividade dos pomares passou de 400 para até 700 caixas por hectare.

 

O dobro da média. A produção obtida nos laranjais da Fazenda São Paulo, na região de Itapeva, é o dobro da média das regiões tradicionais. De acordo com o administrador João Jacinto Dias, o custo também é menor. "Não precisamos pulverizar tanto como quem planta no norte do Estado." Os pomares são adensados e ainda não foram atingidos pelo greening, por isso têm uma população por hectare maior de plantas produtivas. A safra está no início e a expectativa é de uma grande produção. Ele conta que não teve dificuldade para acertar o preço da produção. "Vendi uma parte por R$ 15, mas vou pegar um preço ainda melhor no restante."

 

O presidente-executivo da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), Christian Lohbauer, disse que é normal as empresas quererem o cumprimento dos contratos firmados em anos anteriores. "Quando a caixa de laranja estava a R$ 3,50 e a fábrica cumpria o contrato pagando R$ 6, não havia reclamação." Ele considera um "excelente negócio" para o citricultor a proposta de receber mais do que o valor previsto em troca de contratar a próxima safra. "O mercado oscila muito e o risco maior é da empresa." Segundo ele, a alta no preço também se deve à disputa entre as indústrias para assegurar a compra da laranja, levando em conta um quadro de eventual falta da matéria-prima.

 


Investigações sobre cartel continuam

 

Em janeiro o Ministério Público paulista encaminhou ao Departamento de Justiça dos EUA documento sobre as investigações feitas no Brasil sobre suposto cartel das indústrias de suco. Nele, o Grupo Especial de Delitos Econômicos (Gedec) informa que as investigações já realizadas no Brasil indicam que as empresas adotaram e ainda adotam a prática comercialmente desleal. Os americanos são grandes importadores das empresas envolvidas na investigação. A expectativa do Gedec é a de que os EUA investiguem a possível existência de acordos na formação dos preços de importação do suco.

 

As investigações do cartel começaram em janeiro de 2006, quando a Secretaria de Direito Econômico (SDE) apreendeu documentos nas empresas Coinbra-Frutesp, Cutrale, Montecitrus e Citrovita, e na sede da extinta Associação Brasileira de Exportadores de Suco (Abecitrus). As empresas reagiram, obtendo liminares para impedir a devassa nos documentos, alegando a proteção de direitos comerciais. O presidente da Associtrus, Flávio Viegas, diz que o cartel se mantém, apesar do cerco da SDE.

 

O começo. Segundo ele, tudo começou em 1995, quando as indústrias assinaram contrato dividindo os citricultores entre elas, com cada uma assumindo o compromisso de não comprar a laranja de produtores das outras, eliminando a livre concorrência. Ele diz que o documento foi entregue à SDE e serviu de base para a "Operação Fanta, da Polícia Federal, em 2006. "Parte dos documentos apreendidos está lacrada até agora", diz. No último dia 16, a SDE abriu um lote da Citrovita, do grupo Votorantim.

 

Viegas denuncia uma manobra dos exportadores para manter o preço da laranja num patamar artificialmente baixo. As exportações são registradas com valores até 40% inferiores ao preço do suco no mercado internacional. "A produção brasileira representa 80% do mercado de suco de laranja no mundo e, por causa desse volume, os produtores têm condições de manipular a bolsa. Tanto que o preço para o consumidor é muito maior que o da bolsa." A prática, se existente, afeta a balança comercial, com a menor receita da exportação. Ele estima que a evasão pode chegar a US$ 660 milhões por safra. Para Viegas, a concentração do setor, que já contou com 18 empresas, é ruim para o produtor. "Com a fusão da Citrosuco e da Citrovita, na próxima safra teremos três empresas."

 

A união das duas empresas está sob análise do Cade. O presidente da CitrusBR, Christian Lohbauer, disse que a insistência de rotular de cartel práticas normais de comércio podem afetar a imagem da citricultura no exterior. "Não há cartel e a prova é que as empresas estão pagando R$ 15 pela caixa para produtor que tem contrato de R$ 3,50", diz. "E as empresas não têm como interferir na bolsa, que trabalha com preços de contratos futuros." / J.M.T.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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