Brasil é um dos principais alvos em ofensiva da P&G

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Quando era paraquedista do Exército dos Estados Unidos, Robert McDonald treinou para combater inimigos na selva, no deserto e no ártico. Agora, no segundo ano como diretor-presidente da Procter & Gamble Co., o ex-militar prepara um ataque em duas frentes num campo de batalha bem diferente - a indústria mundial de alimentos e produtos de higiene e limpeza.

 

Sua missão: conquistar terreno perdido quando consumidores mais frugais trocaram os produtos da P&G por marcas mais baratas, e conquistar países dominados por concorrentes como a Unilever PLC e a Colgate-Palmolive Co.

 

Marchando recentemente pelos corredores de um Carrefour em São Paulo, McDonald verificou a concorrência - detergente em pó da Unilever - e descreveu sua contraofensiva com detergente líquido: "Todo mercado do mundo passou para o líquido. É só uma questão de tempo."

 

O domínio mundial nem sempre foi a prioridade para a P&G. Durante gerações, a empresa se concentrou mais em impulsionar as vendas americanas e europeias com novas versões de produtos antigos. Munida de um orçamento gigantesco de publicidade, a empresa convenceu as pessoas a pagar por mais produtos como o detergente Tide com "antimanchas", o desodorante Secret com "força clínica" e o papel higiênico Charmin "ultrarresistente".

 

Mas a longa recessão e a recuperação deficitária minaram essa estratégia. As pessoas podem estar dispostas a gastar mais por um iPad, mas as despesas do cotidiano refletem uma frugalidade entrincheirada que geralmente implica deixar na prateleira os produtos relativamente caros da P&G. Quase dois terços dos consumidores americanos dizem que trocaram para um substituto mais barato em pelo menos um produto para a casa, alimento ou bebida no último ano, segundo uma pesquisa da Sanford Bernstein com 834 pessoas. Mais de três quartos disseram acreditar que produtos menos caros são tão bons ou melhores que os que substituíram.

 

Numa reação às mudanças no mercado americano, a empresa passou a fazer o que antes era impensável - baixar os preços -, ao mesmo tempo em que se expande rumo a novos territórios, como Brasil, Índia e partes da África, onde sempre teve pouca presença.

 

A pressão sobre McDonald, de 57 anos, está aumentando. Assim que ele assumiu o comando, no meio do ano passado, a empresa, que é a maior do mundo em seu segmento, divulgou o primeiro declínio anual das vendas desde 2001, uma queda de 3%, para US$ 76,7 bilhões, segundo os números mais recentes da empresa, que foram recalculados. Este mês, a P&G divulgou os primeiros resultados do ano fiscal sob o comando do novo diretor-presidente.

 

Embora McDonald tenha conseguido atingir sua meta de reconquistar mercado perdido - a P&G aumentou ou manteve sua participação de mercado em todas as regiões do mundo pela primeira vez em 11 trimestres -, ela pagou caro por isso. Os produtos mais baratos e a despesa extra em propaganda corroeram os lucros da P&G, que caíram 12%, para US$ 2,19 bilhões, no trimestre encerrado em 30 de junho. As vendas também subiram menos do que a P&G esperava e chegaram a US$ 18,9 bilhões no período. No ano, a ação da P&G subiu apenas 0,02%.

 

Nas 12 semanas encerradas em 10 de julho, as promoções da P&G e de seus varejistas derrubaram o preço dos condicionadores de cabelo em 7%, do amaciante em 6% e do detergente líquido em 5%, segundo análise da Sanford Bernstein sobre os dados nos EUA, compilados pela firma de pesquisa de mercado Nielsen Co. As margens de lucro desses produtos variam de 18% a 25%, segundo o analista Ali Dibadj, da Sanford Bernstein. A P&G tem margens de 26% a 30% em produtos de barbear e remédios.

 

A empresa está empregando uma ofensiva parecida na Europa e concorrentes no mundo inteiro estão reclamando.

 

McDonald tende a afastar a conversa do preço e prefere dizer que as grandes marcas da empresa e seus novos produtos continuam vendendo bem. Ele diz que a P&G vai lançar mais "inovações significativas" este ano do que em qualquer outro período em seus 30 anos de empresa. Serão itens como lâminas de barbear Gillette que irritam menos a pele e amaciante Downy que promete deixar os lençóis cheirosos durante uma semana.

 

Quanto aos descontos, "tem sido basicamente uma redução média de 10% em 10% de nossos negócios", diz McDonald. "Para mim não há nenhuma guerra de preços no momento."

 

Os concorrentes têm uma visão diferente. Eles dizem que as táticas da P&G estão prejudicando o mercado inteiro de produtos para a casa. "O principal fator por trás da falta de movimentação em nossos preços nessa categoria realmente é a concorrência maior, que está num nível extremamente elevado", disse o diretor-presidente da Unilever, Paul Polman, numa teleconferência em abril.

 

De certo modo, a estratégia da P&G parece estar funcionando: nos últimos meses, a empresa ganhou mercado nos EUA em 8 de suas 13 maiores categorias de produtos, segundo Bill Pecoriello, diretor-presidente da firma de pesquisa de mercado Consumer Edge Research LLC.

 

McDonald diz que a participação de mercado da P&G está aumentando em cerca de 60% de seus negócios, ante apenas 20% um ano atrás. O executivo aponta os novos produtos e maior eficiência operacional, mas também a segunda frente de batalha da empresa: os mercados emergentes.

 

Durante décadas, a P&G praticamente deixou muitos mercados em desenvolvimento para os concorrentes, preferindo expandir seus negócios na América do Norte e na Europa e entrando seletivamente em lugares como a China e o Leste Europeu. Países como Brasil e Índia têm sido dominados há tanto tempo pelos concorrentes da P&G que alguns analistas os apelidaram de "fortalezas", por causa das poucas chances de outras empresas conseguirem se infiltrar neles.

 

McDonald não se intimida. "Não importa quantas pessoas estejam no campo de batalha", diz. "Se na hora do ataque você tiver mais forças, tem o potencial de vencer."

 

McDonald frequentou a academia militar mais respeitada dos EUA, a West Point, onde estudou as táticas de Napoleão Bonaparte, especialmente a estrutura de seus exércitos, em que cada unidade operacional podia realizar várias funções, efetivamente sendo um pequeno exército. "Embora enfrentasse números maiores de inimigos naquelas batalhas, ele conseguia vencer derrotando uma unidade diferente nos detalhes", diz.

 

O executivo enxerga oportunidades parecidas agora que a P&G tenta sair da retaguarda em lugares que seus principais concorrentes sempre dominaram. O Brasil é um dos principais alvos de McDonald. Vaidosos, os brasileiras tomam mais banhos, usam mais condicionadores e escovam o cabelo mais vezes que os moradores de qualquer outro país, mostram pesquisas da P&G. Mesmo assim, a P&G sempre esteve atrás da Unilever e da Colgate no país. A empresa calcula que o gasto per capita com produtos da P&G no Brasil é de apenas US$ 6, contra US$ 110 nos EUA.

 

McDonald planeja uma ofensiva no mercado brasileiro este ano, entrando em várias novas categorias de produtos ao mesmo tempo. O esforço permite que a P&G realize campanhas publicitárias conjuntas e lançamentos nas lojas de novos produtos como a pasta de dente Oral-B e o creme para a pele Olay. Isso dá mais peso que lançar as marcas sozinhas, dizem executivos da P&G. A decisão reflete uma mudança na cultura da P&G, em que durante muito tempo as marcas tiveram seus pequenos impérios independentes e decidiam sozinhas o marketing e para onde se expandiriam.

 

No Brasil, os empregados da P&G estudam mapas sobre tendências demográficas e localizam lojas que não vendem os produtos da empresa. Cerca de 125 milhões de brasileiros usam atualmente os produtos da P&G. McDonald quer alcançar 170 milhões até 2015. Como a população do Brasil está na casa de 190 milhões, há pouco espaço para erros.

 

Na visita a um Carrefour em São Paulo, em março, McDonald inspecionou a frente de batalha. Um display gigante da P&G, repleto de produtos como as batatas Pringles, as fraldas Pampers e o xampu Pantene, oferecia uma chance de ganhar uma visita ao estúdio do "Big Brother". Para participar do concurso, as pessoas tinham que comprar três produtos da P&G.

 

"Maravilho, não?", disse McDonald, assentindo com o rosto enquanto lutava para enxergar o topo do display, que quase arranhava o teto da loja.

 

Seguindo rumo à prateleira dos produtos de barbear, com um punhado de gerentes da P&G Brasil atrás dele, McDonald examinou os novos "centros de barbearia" da Gillette. Na esperança de convencer os brasileiros a usar mais produtos de barbear, a P&G instalou quiosques para "explicar" a maneira apropriada de preparar a pele e hidratá-la depois. "Quando as pessoas se cortam e se arranham, geralmente culpam as lâminas, quando na verdade não se preparam corretamente", diz McDonald.

 

Ao passar por uma prateleira repleta da nova linha de pasta de dente Oral-B, McDonald comentou: "Gosto desse azul todo. Geralmente vejo vermelho na América Latina", referindo-se à célebre cor da Colgate, que tinha no ano passado 67% do mercado brasileiro do produto, segundo a firma de pesquisa de mercado Euromonitor International Inc.

 

Os executivos da Colgate minimizam publicamente a ameaça da concorrência em pasta de dentes. "Realmente, não consigo entender por que as pessoas estão entrando numa batalha que têm muito pouca chance de vencer", disse Franck Moison, diretor operacional da Colgate para mercados emergentes, numa conferência de investimento em junho.

 

Ela está diante de um concorrente determinado. Uma vez, durante um salto de treinamento, um coronel acidentalmente conduziu seu paraquedas diretamente abaixo do de McDonald, conta este. Em seminários de treinamento, McDonald recorda como se desfez de seu paraquedas no ar, mergulhou até o paraquedas do coronel, queimou as mãos deslizando pelas cordas e se agarrou ao coronel pelo resto da descida.

 

A lição que ele diz aos gerentes: pense num momento em que as próprias vidas estavam em perigo e usem a experiência quando decidirem como reagir a empregados que surgem com problemas. É importante, diz McDonald, "celebrar as más notícias".
 

 

Veículo: Valor Econômico


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