Comando da Tesco reavalia seu sonho americano

Leia em 7min 50s

Perdas da rede Fresh & Easy devem atingir US$ 700 milhões

 

Plano de Terry Leahy, CEO da Tesco, para a operação americana está longe de se concretizar e novo executivo, que assume em março, não descarta encerrar negócioColin Smith dirigia seu Lexus pelo anel viário de Londres em junho de 2004, quando o CEO da Tesco, Terry Leahy, ligou para o seu celular e pediu que o encontrasse no escritório. O chamado pegou o diretor comercial desprevenido. "Ele nunca faria algo assim, não é seu estilo", diz Smith. "Pensei que algo havia saído errado."

 

Um tenso Smith voltou à base da Tesco em Cheshunt, subiu os dois lances de escadas até o andar executivo e bateu na porta de Leahy. "Ele disse: 'Sente-se e sirva-se de uma xícara de chá... Venho pensando na ideia de ir aos Estados Unidos e achamos que você é o homem para liderar isso.'"

 

Dias depois, em uma reunião sigilosa da alta hierarquia da Tesco, Leahy distribuiu uma folha de papel. Digitado no papel, estava seu sonho americano: ter 10 mil lojas de conveniência, lembra Smith.

 

Os EUA são o maior mercado de varejo do mundo e Leahy saiba que decifrar o país asseguraria o crescimento da Tesco por décadas. Embora os varejistas britânicos tradicionalmente tenham se saído mal nos EUA, a Tesco estava confiante que seu empreendimento "Fresh & Easy" quebraria essa tendência.

 

Passados seis anos da ideia inicial, essa convicção parece inapropriada. A Fresh & Easy, armada com 1,25 bilhão de libras de capital (US$ 1,95 bilhão) e um pequeno grupo de altos executivos, vem sendo uma decepção. A expectativa era de que igualasse receitas e despesas neste ano.

 

Em vez disso, as perdas acumuladas chegarão a mais de 450 milhões de libras (US$ 700 milhões) quando Leahy se aposentar em março. Não é de surpreender que Philip Clarke, sucessor de Leahy, não descarte a possibilidade de fechar as portas, apesar do alto investimento já feito.

 

Leahy começou a estudar os EUA há sete anos. Embora a Tesco fosse a número um no Reino Unido, ele precisava de novos caminhos de crescimento. O maior mercado do mundo, com mais de US$ 1 trilhão em vendas anuais no varejo, era seu principal alvo.

 

A equipe de executivos começou a fazer viagens pelo Atlântico. Eles "olhavam lojas o dia inteiro, todos os dias", diz Smith, que foi em uma das expedições com Leahy e em outra com Clarke.

 

Leahy viu espaço no mercado de lojas de bairro para vender alimentos baratos e frescos e apresentou um nome provisório, Fresh & Easy. Ele queria que Smith estudasse se a Tesco poderia preencher esse vácuo lucrativamente.

 

"O conceito que ele tinha em mente [era] algo que estava claramente faltando no mercado americano, alimentos brilhantemente frescos e uma loja que oferecesse facilidade de comprar, não apenas em termos de posição e local, mas também em termos de variedade", recorda-se Smith.

 

Historicamente, a Tesco havia entrado em novos países só por meio de pequenas aquisições ou de empreendimentos conjuntos. Avançava lentamente, testava algumas lojas e gradualmente expandia a rede. Também optava por países em desenvolvimento com espaço de sobra para crescer. A estratégia havia funcionado na Hungria e Tailândia.

 

O que Leahy propunha nos EUA era inteiramente diferente. Ele estava pensando em gastar centenas de milhões de libras antecipadamente para fazer a Fresh & Easy decolar. Acreditava que a rede precisaria de suas próprias fábricas para produzir o tipo de comida fresca que o consumidor dos EUA iria querer comprar.

 

Duas semanas após aquela primeira ligação, Smith despediu-se da esposa e dos três filhos e embarcou para Atlanta para começar a pesquisar o "projeto Aquário".

 

Foi o início de 18 meses de trabalhos intensos para o executivo e uma equipe de 14 colegas de Cheshunt. Uma das primeiras decisões tomadas foi fazer de Los Angeles a plataforma de lançamento. "Não havia Walmarts [lá] e era uma população interessada em mudanças", diz Smith.

 

Para ter qualquer esperança de sucesso, a equipe acreditava que a Fresh & Easy precisava de três coisas: ser tão barata quanto os "supercenters" do Walmart; ter alimentos magnificamente bons e frescos; e ser fácil de comprar.

 

A proposta que Smith apresentou na conferência de estratégias da Tesco em novembro de 2005 não era muito diferente da que havia previamente esboçado em uma folha def tamanho A4.

 

Mas menos de um ano antes do lançamento planejado, Smith, que diz que estava na linha sucessória para o cargo de CEO, foi atraído por uma oferta irrecusável da Sommerfield. "Obviamente, Leahy ficou desapontado quando renunciei. Mas era simplesmente uma questão de decidir o que era melhor para mim e minha família."

 

Tim Mason, diretor de marketing e auxiliar de longa data de Leahy, preencheu o lugar. Smith, que descreve a Fresh & Easy como "sua criança", acredita que a rede será um sucesso. Apesar dessa confiança, a Fresh & Easy ainda não deu retorno. O que fazer a respeito será uma das primeiras tarefas de Clarke quando assumir o comando em março, segundo analistas.

 

A Tesco havia prometido abrir 200 lojas até o fim de 2009, mas ainda tem 168. As vendas semanais estão bem abaixo da meta de US$ 14 a US$ 20 por pé quadrado [0,0929 metro quadrado].

 

A empresa atribui o problema à economia dos EUA, onde o colapso da bolha imobiliária criou uma recessão justamente quando a Tesco lançava seu novo empreendimento. Novas urbanizações próximas a Las Vegas e Phoenix tornaram-se cidades-fantasma. As reluzentes lojas novas da Fresh & Easy não tinham clientes.

 

"Todos os envolvidos nesses mercados - é possível ver isso com a Bashas, em Phoenix, que entrou em recuperação judicial, e as grandes redes americanas Ralphs e a Safeway - estão claramente às voltas com [problemas de] rentabilidade", diz Mason.

 

"No Oeste dos Estados Unidos, realmente houve um colapso", diz Leahy. "Foi próximo de uma depressão. É por isso que tivemos um prejuízo maior. O que estamos dizendo é que, até a economia se recuperar, não falaremos quando vamos equilibrar receitas e despesas. O que estamos dizendo é que as perdas chegaram a seu pico."

 

Mas observadores dizem que há mais dificuldades para a Fresh & Easy do que a economia. Argumentam que a Tesco interpretou mal o consumidor dos EUA. Frutas e vegetais eram pré-embalados, quando os americanos estão acostumados a ver os produtos frescos empilhados. Oferecia poucas marcas e pouca comida congelada.

 

"A Fresh & Easy é muito dependente da marca própria e o consumidor dos EUA gosta de marcas", diz um executivo de varejo que trabalhou nos EUA para um dos rivais da Tesco. "A Fresh & Easy não era uma marca conhecida. Ao se focar nisso, não havia nada com que o consumidor se conectasse."

 

Mason, cuja formação é mais ligada ao marketing do que a questões operacionais, desviou-se do plano original de Smith. Decidiu que Nevada seria o terceiro Estado de lançamento, juntamente com a Califórnia e Arizona. Smith havia escolhido o Colorado. Mason diz ter mudado o plano para que os três Estados fossem atendidos por um centro de distribuição. Além disso, também acredita que o Arizona se recuperará da recessão.

 

O executivo também recorreu pesadamente a promoções e cupons de desconto para atrair os consumidores às lojas, em vez de seguir o modelo de Smith de preços baixos todos os dias. Mason, ressalta, no entanto, que os preços estão entre 10% e 25% mais baratos do que em outros supermercados e que estão na mesma faixa que os dos "supercenters" do Walmart.

 

Alguns no setor dizem que o erro da Tesco foi prometer muito para o Fresh & Easy e em pouco tempo. Como Leahy diz, leva uma década para desenvolver uma rede de lojas e outros dez anos para construir uma marca, embora ele tenha prometido resultados para o Fresh & Easy em apenas dois anos.

 

Há motivos para o Tesco ter esperança. Mason diz que muitas lojas começam a alcançar a média do setor de US$ 10 em vendas semanais por pé quadrado, com algumas na costa Califórnia saindo-se significativamente melhor. Além disso, pesquisas internas sugerem que uma campanha de marketing em rádios e jornais começa a ter resultados com os consumidores.

 

Clarke, porém, que comandou as operações da Tesco na Ásia nos últimos sete anos, pode muito bem decidir que o capital da Fresh & Easy poderia ser usado com mais eficiência em outros países, como Coreia do Sul, China ou Índia.(Tradução de Sabino Ahumada)

 

Veículo: Valor Econômico


Veja também

Los Grobo investe em moinho de trigo

O grupo argentino Los Grobo, que fatura US$ 700 milhões por ano e produziu 2,5 milhões de toneladas de gr&...

Veja mais
TVs on-line causam corrida por anúncios

Algumas empresas de tecnologia interessadas em distribuir vídeos para a sala de estar estão estudando veic...

Veja mais
Máquinas de café ficam até 20% mais baratas

Nada como a concorrência. No mesmo dia em que a multinacional americana Sara Lee apresentou ao público sua ...

Veja mais
Dia da Criança impulsiona área de licenciamento

A área de licenciamento está eufórica por conta da chegada do Dia da Criança, que impulsiona...

Veja mais
Na contramão, o interior ainda mantém carnês

Também de olho nas classes emergentes, redes do interior ainda apostam no carnê para impulsionar as vendas....

Veja mais
Mania Burguer amplia mix

As indústrias de alimentos, em especial as que produzem fast food, estão faturando alto com a crescente bu...

Veja mais
Estiagem compromete a produção leiteira

A seca prolongada está afetando a produção mineira de leite. De acordo com a Federaçã...

Veja mais
Cadeia produtora de leite tem perspectivas promissoras

A remuneração do litro de leite recebida pelo produtor é determinada por uma equação ...

Veja mais
Cosan mira alimentos com marca União

Sucroalcooleira pretende ser empresa de marca, a exemplo de Unilever, e deve investir em itens como café e biscoi...

Veja mais