O poder que vem do Alcorão

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A discriminação contra os muçulmanos na França ganhou um adversário de peso: os gigantes da alimentação, como a Nestlé, que faturam com um mercado de E 5,5 bilhões

 

A avenida Champs-Elysées, em Paris, é conhecida no mundo inteiro pelo luxo de suas lojas e por ligar o imponente Arco do Triunfo à Praça da Concórdia. Mas, no mês passado, uma cena incomum chamou a atenção dos turistas e moradores que ali passaram. Lojas de marcas como Louis Vuitton e Mercedes-Benz ficaram encobertas por grandes painéis com um boi e uma galinha com a mensagem “Fièrement halal” (orgulhosamente halal).

 

A publicidade da empresa Isla Délice, voltada à comunidade islâmica da França –  a maior da União Europeia –, foi considerada uma afronta à campanha de autenticidade nacional do presidente Nicolas Sarkozy. Nos últimos anos, o governo tem travado uma queda de braço com os muçulmanos. Chegou até a proibir o uso de véu integral em local público.

 

Mas, para diversos setores da economia, a presença dos muçulmanos no país é uma bênção. Isso porque o consumo de alimentos halal, aqueles produzidos de acordo com os preceitos do Alcorão, explodiu. Só no último ano, o crescimento na França foi de 22%, chegando a E 5,5 bilhões – quatro vezes mais do que o desempenho dos produtos orgânicos.

 

Até pouco tempo atrás, o comércio halal estava concentrado nas mãos de uma dezena de empresas de médio porte. Entre elas, a Corico. Em atividade há 40 anos, a produtora abate 50 mil aves por semana e fatura E 45 milhões por ano. “A chegada de uma geração de consumidores mais jovem e moderna, com um comportamento de compra mais agressivo, transformou esse mercado”, explica Serge Barraud, responsável comercial da Corico.

 

O novo potencial de consumo desses 5,5 milhões de muçulmanos no país despertou o interesse de gigantes multinacionais como a Nestlé. Atualmente a empresa suíça é a número 1 mundial em produtos industrializados halal. No mercado desde 2006, o grupo possui 30 alimentos islâmicos das marcas Maggi e Herta.
 


De suas 456 fábricas, 85 têm o certificado halal. “Sentimos uma forte demanda dos varejistas para ampliar nossa variedade étnica. Este é um dos pilares do nosso crescimento em que continuaremos a nos concentrar”, disse Alexander Klein, gerente de produtos da Nestlé. Os alimentos halal possuem hoje um corredor exclusivo em grandes redes como Carrefour e Casino.
 


Em outros setores, a transição para esse mercado foi feita de forma ainda mais agressiva. Mais de 20 lojas da rede de fast-food europeia Quick – principal concorrente do McDonald’s no país – adotaram a carne halal em todos os seus sanduíches. Não existe outra opção para os não muçulmanos.
 


O Quick recebeu uma centena de denúncias por discriminação. Até agora, todas foram desconsideradas pela Justiça. Segundo Jacques-Edouard Charret, presidente do grupo, a decisão dos juízes reconhece a vontade da rede em se adaptar ao mercado sem nenhuma malícia.
 


Apesar da polêmica, Charret tem motivos para comemorar. O faturamento das unidades exclusivamente halal dobrou. O mesmo aconteceu com os mais de nove mil açougues muçulmanos da França. Uma clientela francesa passou a consumir esses alimentos por causa do custo 25% menor. Além de ganhar na escala, eles dispensam intermediários para fazer o corte da carne.
 


Por mais preocupante que possa parecer ao governo, o apogeu de produtos muçulmanos num país majoritariamente católico não significa uma ameaça ideológica. É o que diz a sociológa e autora do livro Entenda o halal, Florence Bergeaud-Blackler. “O dinheiro do halal não financia o culto muçulmano, mas sim as empresas alimentícias”, diz Florence. Segundo ela, a certificação desses produtos não é emitida por mesquitas, mas por empresas privadas, sem nenhuma ligação com o islamismo. Ou seja, nesse ponto, Nicolas Sarkozy pode ficar tranquilo.

 

Veículo: Isto É Dinheiro


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