Quase dez anos se passaram e a Justiça ainda não aprovou sua venda para a Nestlé. Apesar das incertezas, ela voltou a crescer e se tornou a marca de combate da multinacional suíça
O número 1 da Praça Meyerfreund, no bairro da Glória, em Vila Velha, não consta nos guias oficiais de turismo do Espírito Santo. Ainda assim, é o segundo endereço mais visitado do Estado, com nada menos que 300 mil turistas recebidos por ano.
O principal atrativo naquela rua apertada e de trânsito caótico é um prédio de paredes amarelas e um letreiro em vermelho anunciando que ali é a sede da Chocolates Garoto. O escritório funciona no mesmo lugar, mas estrategicamente distante do burburinho produzido por quem visita a fábrica.
Melhor para Fausto Costa, que, há quatro anos, ocupa a direção-geral da tradicional produtora de chocolates. A principal missão do executivo quando assumiu a empresa era fazer a companhia crescer, a despeito da longa queda de braço travada entre o Conselho de Administração de Defesa Econômica (Cade) e a Nestlé.
Em 2001, a multinacional suíça pagou US$ 250 milhões pela Garoto, então controlada pela família Meyerfreund. O Cade não aprovou a aquisição alegando concentração de mercado e hoje, oito anos e meio depois, o caso ainda se arrasta na Justiça. “Temos de tocar a vida e é isso que estamos fazendo”, resume Costa.
A quem pergunta se a aquisição não travou os negócios da companhia, o executivo responde com números: “O faturamento saiu de R$ 550 milhões, em 2001, para R$ 1,9 bilhão no ano passado. “Estamos concluindo neste ano o maior investimento já feito na empresa, de R$ 200 milhões, que ampliou e modernizou nossa capacidade de produção.”
Não são apenas os números que indicam as mudanças na Garoto, que, em 2001, atravessava dificuldades em função de desavenças entre os herdeiros da família controladora. A estratégia da Nestlé para a Garoto parece mais clara agora, quase uma década depois de a companhia capixaba mudar de mãos.
Sob o comando da Nestlé, a Garoto virou uma marca com foco na emergente classe média. Isso começa com a ocupação de espaço, principalmente com a abertura de novos canais de distribuição. Em 2001, a empresa contava com 60 mil pontos de venda hoje, o número saltou para 400 mil pontos de venda. “Antes nosso foco eram os supermercados.
Agora, estamos presentes em bares, padarias, pequenas mercearias e cantinas, entre outros canais”, diz o executivo. Embora não revele os números, a empresa informa que Norte e Nordeste também passaram a receber mais atenção e a maior parte dos novos pontos de venda agregados à planilha de distribuição da Garoto está naquela região. “A gente trabalha muito a categoria de compras por impulso e de baixo custo”, resume Fausto Costa.
O marketing da companhia também espelha as prioridades da empresa. “Nossa aposta é em eventos regionais, como o Festival de Parintins, no Norte, e as festas de São João, no Nordeste”, diz o executivo. Com um amplo portfólio e o lançamento de novos produtos – como sorvetes, barras de cereais e bombons recheados – a Garoto vem funcionando como uma segunda marca para a Nestlé.
Dinheiro em caixa: de olho na classe média emergente, a Nestlé investiu R$ 200 milhões para modernizar a Garoto
Procurada, a Nestlé não se pronunciou. Mas uma rápida comparação de preços nas gôndolas dos supermercados aponta para esta direção. Na última semana de outubro, uma caixa de bombons sortidos de 400 gramas da Garoto custava R$ 8,49 na Lojas Americanas. Já a caixa de bombons Nestlé, do mesmo peso, saía por R$ 9,99. A diferença parece pequena para quem tem um bom padrão de vida. Mas pesa no orçamento de quem se encontra na base da pirâmide.
A estratégia se repete no front externo. Nos últimos anos, a Garoto ampliou as exportações de 30 para 50 países. A principal aposta foi no Leste Europeu, onde as vendas crescem, em média, 20% ao ano, segundo Costa. Mas se a Garoto explora novos mercados, o caminho inverso também tem tirado o sono dos fabricantes locais.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab), Getúlio Ursulino Netto, lembra que, por conta da valorização do real diante do dólar, os chocolates importados estão invadindo o mercado brasileiro – que no ano passado movimentou R$ 10 bilhões.
Segundo levantamento da entidade, enquanto as exportações do produto caíram 8% entre 2004 e 2009, as importações dispararam e cresceram 14% no mesmo período. “Já cheguei a contar mais de dez marcas de chocolates importados em lojas de supermercados”, diz Fausto Costa, da Garoto. Além da concorrência externa, lembra Ursulino Netto, da Abicab, o mercado brasileiro acompanha o surgimento, em volume recorde, de pequenas e médias fabricantes regionais.
No ano passado, o Brasil produziu 517 mil toneladas de chocolate, número 0,1% maior que o total produzido no ano anterior. Já o consumo cresceu 1%, passando de 487 mil toneladas, em 2008, para 493 mil toneladas, no ano passado. Líder de mercado com 34% de participação, a Kraft, dona da Lacta, perde a posição quando se somam as participações de Nestlé (que tem 26%) e Garoto (que responde por outros 16%), segundo dados da Nielsen Data, referentes a abril e maio deste ano.
“No caso Garoto/Nestlé, o Cade tomou uma posição radical e completamente diferente do que vinha fazendo até então. E a incerteza é o maior problema que uma empresa pode enfrentar”, afirma o advogado Tércio Sampaio Ferraz Júnior, um dos primeiros a trabalhar no caso defendendo a aquisição. “Quem sofre com essa demora é a companhia.”
De fato, nos primeiros anos, logo após a decisão do Cade de brecar a compra, a Garoto ficou quase paralisada. Entre 2001 e 2005, a produção variou entre 65 mil e 70 mil toneladas. Só a partir de então é que a curva de alta ficou mais clara. No ano passado, ela produziu 95 mil toneladas, crescimento de 36% sobre a produção de 2004.
No mesmo período, toda a indústria de chocolates aumentou em 22,2% sua produção. O valor de marca também não sofreu qualquer prejuízo. De acordo com levantamento realizado pela consultoria britânica Brand Finance, na época da aquisição, a marca Garoto valia 22% da receita e hoje vale 32%. Trocando em reais, a marca capixaba valia R$ 120 milhões e hoje vale R$ 680 milhões.
“Quando a Nestlé entrou, a Garoto ganhou mais canais de distribuição e mais presença nos pontos de venda porque ela não tinha distribuição em todo o território. Além disso, a Nestlé alavancou uma empresa que estava à beira da falência e aumentou sua capacidade de investimento”, diz Gilson Nunes, CEO da Brand Finance.
A mais nova ocupação do comandante da Garoto é fortalecer a área de embalagens da empresa e criar opções para quem vê nos chocolates uma boa opção de presente. O executivo acionou o departamento de marketing para desenvolver embalagens mais sofisticadas e já colocou algumas no mercado, de olho nas festas de fim de ano.
A propalada onda de produtos saudáveis também está na mira da companhia. A Garoto está aumentando as opções de chocolate com maior teor de cacau e, neste ano, entrou no concorrido mercado de barras de cereais, além de lançar frutas com cobertura de chocolate com apenas 50 calorias. Era tudo o que os chocólatras precisavam para comer sem culpa.
Veículo: Revista Isto É Dinheiro