Matriz revê para cima efeito de "má gestão" das finanças da rede de supermercados
As perdas que o grupo Carrefour terá no Brasil, devido a uma revisão geral nas contas da subsidiária local, chegaram a €550 milhões (R$ 1,23 bilhão) até o momento, valor sete vezes superior ao informado pela empresa quatro meses atrás, quando o Valor antecipou os problemas na filial, confirmados pela matriz francesa.
A linha de frente do Carrefour em Paris esteve ontem em uma conferência telefônica de 50 minutos com analistas estrangeiros para explicar a situação no Brasil, entre outros aspectos dos negócios do grupo. Questionado sobre o futuro dos negócios no país, o presidente mundial Lars Olofsson disse que não venderá a operação brasileira, apesar dos problemas descobertos.
Além disso, a companhia informou ontem, pela primeira vez, que buscará "determinar a existência de eventuais responsabilidades" nas séries de incongruências que foram verificadas nos números dos balanços, afirmou o diretor financeiro Pierre Bouchut. "Nós estamos determinados a fazer o que for preciso para chegar até o fundo do que eu chamo de má gestão anterior", completou Olofsson.
A empresa continua, no entanto, a descartar a hipótese de má-fé do comando no país. E informou ainda que, entre os anos de 2013 e 2014 espera que as operações brasileiras estejam mais ajustadas, inclusive com as dificuldades com os negócios na área de hipermercados já resolvidas no Brasil.
A matriz contratou a KPMG este ano para auditar os números da subsidiária. Até então, a auditoria era feita pela Deloitte Touche Tohmatsu. Procurada, a Deloitte diz que não teria como saber de eventuais divergências nos dados da subsidiária brasileira.
A origem dos problemas verificados no Carrefour está na forma como a varejista contabilizou bonificações recebidas de fornecedores e os volumes de estoques de produtos nas lojas . A empresa teria vendido menos do que o previsto nos últimos anos - há informações de que isso ocorre pelo menos há cinco anos - em parte pelo resultado ruim dos hipermercados, e com isso, ela teria que ter dado "baixa" nos números. "Não se vendeu o que se esperava. E não se atualizou isso nos resultados" , informou um ex-diretor da empresa, que deixou o grupo neste ano. Em bonificações não recebidas de fornecedores na área não alimentar, apurou o Valor, eram € 20 milhões até agosto.
Na teleconferência do grupo com analistas, acompanhada pelo Valor, Olofsson e Bouchut deram alguns detalhes inéditos. As primeiras informações sobre as divergências nos resultadas saíram de dentro da empresa. O "time" informou a matriz, disse o diretor financeiro. Além disso, o comando do grupo descartou a hipótese de que possam existir falhas em balanços de outras filiais no mundo. "O caso do Brasil é único.", disse Olofsson. "O que aconteceu no Brasil foi, claramente, um mau funcionamento". Apesar da divulgação de um total maior de perdas no país, a companhia manteve ontem a projeção de redução de €130 milhões no lucro operacional do grupo em 2010 - que deve ser de € 3 bilhões.
Fornecedores do Carrefour afirmam que é nítida a mudança nas negociações a partir da gestão de Luiz Fazzio, que assumiu o comando da filial brasileira no fim de julho. Nesses quatro meses, o novo presidente procurou tirar do armário todos os "esqueletos" envolvendo a cobrança de verbas. "Eles querem ajustar tudo o que estava pendente, porque estavam jogando esse valor como contas a receber", diz uma fonte da área de eletro. Nessa negociação a fabricante conseguiu um desconto de 50% na sua conta.
A varejista costuma justificar as cobranças da indústria de diversas maneiras: desde abertura de loja e aniversário da rede, passando por propaganda cooperada, até verba de logística (transporte do produto do centro de distribuição do Carrefour até as lojas da rede). "A verba mais absurda que já nos cobraram foi uma de assistência técnica", diz uma fonte. Nesse caso, a rede argumentou que precisou trocar o produto na loja porque o cliente reclamou de defeito. "Mas quando pedimos a peça, disseram que ela havia sido eliminada."
Um outro fabricante de eletrodomésticos disse que de sua empresa foi cobrada uma "verba para acompanhar o mercado". "O Carrefour disse que precisou fazer uma promoção com os nossos produtos para não perder venda e tínhamos que arcar com isso."
Um terceiro fornecedor de eletroeletrônicos afirma que a principal mudança da gestão de Fazio foi a troca dos executivos do Carrefour que atendem os principais clientes da indústria. O Carrefour também passou a colocar na nota fiscal apenas o valor final da mercadoria. "Se eu vendo um produto por R$ 100, mas tenho um desconto de 10% por conta das verbas, a nota fiscal já não é mais faturada em R$ 100, mas em R$ 90", explicou a fonte.
Deloitte diz que não errou
A Deloitte afirmou ontem ao Valor que seus auditores não tinham como verificar as perdas na operação do Carrefour no Brasil. Com sede em Londres, a empresa foi contratada pelo grupo para verificar os resultados da varejista no país desde 2003 e deixou de ser a auditoria da rede este ano. "Não fomos chamados para refazer as demonstrações financeiras entregues. Portanto, não há erro", afirmou Maurício Pires Resende, sócio e auditor da Deloitte.
"Isso quer dizer, provavelmente, que se tratam de questões relacionadas às previsões de dados, como estoques ou bônus com vendas, como disse a empresa", afirmou. Esses, segundo ele, são dados que a auditoria não tem como verificar se estão corretos.
De acordo com Pires, a Deloitte tem prestado informações à KPMG quando é solicitada. A KPMG está auditando as contas do Carrefour no Brasil este ano
Veículo: Valor Econômico