As empresas estão investindo mais nos seus profissionais técnicos. Baseadas em uma estratégia conhecida como carreira em Y, o objetivo é oferecer para engenheiros e especialistas oportunidades de crescimento, benefícios e salários equivalentes aos dos executivos da área de gestão. "Essa foi a solução encontrada para incentivar o desenvolvimento dos funcionários, dentro dos seus segmentos, sem que precisem migrar para setores administrativos e ascender na empresa", explica Rodrigo Paupitz, gerente de gente da América Latina Logística (ALL), com seis mil empregados. Para reter talentos e alimentar a demanda por currículos diferenciados, as corporações acenam com novas políticas de bônus, bolsas de estudos e até programas de capacitação no exterior.
A Whirlpool Latin America, do setor de eletrodomésticos, com 15 mil funcionários no Brasil, atualizou recentemente um programa de carreira em Y, criado há mais de dez anos. Hoje, a ação abrange desde engenheiros juniores até especialistas mais graduados. "O profissional pode alcançar remuneração e benefícios compatíveis aos dos executivos, mesmo atuando em atividades técnicas e de tecnologia", explica Nathalie Tessier, diretora de recursos humanos.
A empresa tem 700 empregados dedicados à pesquisa e desenvolvimento de produtos e metade deles está em regime de carreira em Y. Para atrair jovens engenheiros, criou há dois anos um programa de trainees de tecnologia, com duração de 23 meses. "Os candidatos são chamados para projetos e seguem carreira como especialistas." No ano passado, os contratados da área técnica da Whirlpool Latin America representaram 13,5% do total de admissões. Somente em 2010, a companhia já abriu mais de cem vagas no setor.
Na empresa há 25 anos, o engenheiro químico Mário Godinho, de 47 anos, recebeu seu primeiro crachá como trainee do setor de inspeção de materiais. Ao longo da carreira chefiou as áreas de planejamento, manufatura e desenvolvimento. De acordo com ele, é importante que as diretorias auxiliem o desenvolvimento dos colaboradores com perfil especialista, apoiadas em um plano de carreira similar ao dos funcionários que trilham o caminho da gestão, incluindo benefícios salariais. "A possibilidade de crescimento dentro da carreira técnica e o reconhecimento profissional ajudam a manter e atrair novos talentos."
Atualmente, 17 brasileiros da área de tecnologia da Whirlpool trabalham em unidades da empresa na Itália, Alemanha, Estados Unidos, China, Índia e Polônia. A companhia também armou outras frentes para garimpar currículos diferenciados, como um prêmio de incentivo à pesquisa em tecnologia, inovação e design, para estudantes e professores universitários. Nas três edições do concurso, foram apresentados mais de 200 projetos de 35 universidades.
Segundo Celso Malachias, sócio da DNA Hunter, de seleção de profissionais especializados, funcionários que seguem a carreira em Y normalmente apresentam alto nível de conhecimento, com mais cursos e certificações no currículo. "O retorno é garantido para as empresas que os contratam, pois o candidato agrega valor e posiciona a organização em um outro patamar de mercado." Entre 2009 e 2010, a DNA Hunter registrou um crescimento de 70% no volume de seleção de profissionais especializados, enquanto a busca por executivos administrativos aumentou 40%. "Cada vez mais, a especialização técnica deixa de ser desejável para se tornar obrigatória."
A Dalkia, empresa de prestação de serviços energéticos, criou um programa de participação por resultados com pagamento de bônus para todos os colaboradores da divisão técnica. Com a iniciativa, conseguiu reduzir em quase 20% a taxa de saída de especialistas em 2009, em comparação ao ano anterior. A companhia tem 4,1 mil funcionários e 4% do total são de engenheiros e técnicos. No ano passado, realizou 618 contratações para a divisão técnica. A empresa também investiu em bolsas de estudo e um programa para recém-formados em engenharia elétrica e mecânica. "A iniciativa é para colaboradores que desejam evoluir na área técnica-operacional", afirma afirma Fernando Brancaccio, diretor de RH da Dalkia Brasil.
Desde setembro, o engenheiro Luis Fernando Reolon, de 36 anos, está na França em um programa de formação internacional criado pela Dalkia. "Não há uma fórmula pronta para segurar talentos técnicos", garante Reolon, há pouco mais de três anos na companhia. "Dependendo do momento profissional, são necessários bônus, promoção, formações especiais ou novos desafios."
Para José Otávio Mattiazzo, presidente regional da International Society of Automation (ISA), que atua com treinamento e certificação no segmento de automação industrial, somente em 2010 o mercado brasileiro terá um déficit de 150 mil profissionais de engenharia. "A dificuldade em encontrar especialistas gera nas empresas a necessidade de investir mais em capacitação e retenção de pessoas", diz. A sugestão de Mattiazzo é que as corporações apresentem um plano de carreira com possibilidade de crescimento em dois anos. "O funcionário que percebe que a direção não está investindo no seu potencial irá para uma companhia que possa oferecer a oportunidade que ele espera."
Na ALL, uma das estratégias da empresa para não ficar sem mão de obra especializada é contratar técnicos em áreas como mecânica e elétrica e oferecer treinamentos de acordo com a função desejada. Implementado em 2005, o Programa de Engenheiros da ALL oferece aperfeiçoamento em engenharia ferroviária para recém-formados e contrata, em média, 30 profissionais por ano.
As empresas estão treinando profissionais juniores para evitar um "gap" de posições, segundo Isabella Martins, consultora de executive search da Alpen. "A mão de obra qualificada está escassa e os especialistas valem ouro". Desde o início de 2010, as colocações que a consultoria mais buscou foram para engenheiros e profissionais técnicos, com um aumento de 70% na busca por especialistas, em relação ao ano passado.
Na Indra, multinacional do setor de tecnologia com mil funcionários no Brasil, a preocupação com a carreira dos engenheiros também começa cedo. A empresa, que tem 85% do quadro na área técnica, montou uma política especial para os profissionais juniores que combina um ritmo mais rápido de desenvolvimento com um sistema de remuneração equivalente. A partir de janeiro de 2011, vai lançar um programa de trainees com a estimativa de receber 200 candidatos no primeiro semestre. "Em 2009, contratamos cerca de 200 profissionais e em 2010 dobramos o número, com uma média de 40 a 50 admissões ao mês", revela o diretor de RH da Indra, Osvaldo Pires. "Mais de 80% delas foram para a área técnica."
Segundo Simone Turra, da consultoria de recursos humanos 4Search, as empresas devem escolher profissionais dispostos à especialização constante. Para a consultora, as posições técnicas exigem alto desempenho, só conquistado com muita experiência. "Quando o técnico alcança sua máxima expertise, significa que a empresa investiu nesse desenvolvimento e é natural que não queira perdê-lo. Assim, passa a oferecer programas e oportunidades para segurar esse colaborador."
Na Indústria Brasileira de Gases (IBG), que anunciou recentemente a construção de uma fábrica no Maranhão avaliada em US$ 15 milhões, a diretoria finaliza um plano de bônus anual para todo o quadro. Setenta por cento dos 300 funcionários da empresa são engenheiros ou especialistas. "Vamos contratar mais 100 empregados em 2011 e 80% deles terão perfil técnico", afirma Newton de Oliveira, presidente da IBG.
Veículo: Valor Econômico