Com preços mais baixos do que a brasileira, a farinha argentina volta a ganhar mais espaço no pãozinho do brasileiro em 2011. Até setembro, foram, no total, 524 mil toneladas importadas, 93% provenientes da Argentina. O volume de todos os destinos é 13,9% superior ao registrado nos nove meses de 2010, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Nesse ritmo, o mercado estima que o volume final de 2011 deverá superar o recorde de 2008 e atingir níveis próximos de 700 mil toneladas.
Produtores e processadores do cereal no Brasil alegam que o movimento acontece por se tratar de uma concorrência desleal do governo argentino, que subsidia a exportação com diferenciais de taxação entre a farinha e o trigo - com vantagem para a farinha.
O presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), Luiz Martins, diz que a entidade contratou um escritório especializado em questões comerciais para levantar informações e subsidiar uma possível interpelação da Argentina nos órgãos internacionais de defesa do livre comércio.
A lógica dessa diferença, diz, está na política tributária do governo da presidente Cristina Kirchner. Ao taxar a exportação de trigo em 23%, a Casa Rosada mantém os preços internos do cereal artificialmente mais baixos, resultando em custos menores aos moinhos argentinos.
Assim, calcula Lawrence Pih, presidente do Moinho Pacífico, a preços atuais a indústria moageira do país vizinho está pagando cerca de US$ 180 por tonelada do cereal, enquanto que no Brasil a indústria paga em torno de US$ 300 por tonelada.
Ao taxar as exportações de farinha argentina com uma alíquota menor, de 18%, o governo Kirchner estimula os embarques do produto processado em detrimento do cereal. "Quanto mais altas estão as cotações do trigo no mercado internacional, mais competitivos ficam os produtos argentinos", afirma Pih.
Segundo levantamento do Pacífico, uma saca de 60 quilos de farinha de trigo nacional entregue na padaria em São Paulo vale atualmente entre R$ 56 e R$ 58. O mesmo volume da farinha argentina entregue na mesma padaria sai por valores entre R$ 51 e R$ 53, já com custos de frete.
A concorrência é antiga, mas ficou mais agressiva na década passada, na gestão da atual presidente argentina, que adotou a política de taxação das exportações. Em 2008, o Brasil comprou volume recorde de 682 mil toneladas de farinha de trigo, que deve ser superado neste ano, na avaliação de Pih.
O assessor-técnico da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), Flávio Turra, diz que a concorrência é o principal fator de baixa comercialização do trigo nacional. Neste momento, afirma ele, em torno de 70% da safra do Estado, líder na produção nacional de trigo, está colhida, e apenas 15% comercializada, quando o normal seria que esse percentual estivesse acima de 20%. "Essa baixa liquidez tem como razão primeira essa concorrência desleal da farinha vinda do Mercosul", observa Turra.
Luiz Martins, também presidente do Sindicato da Indústria do Trigo de São Paulo, diz que há moinhos nos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, na fronteira com a Argentina, que estão deixando de moer trigo para importar a farinha do país vizinho. "Essas empresas embalam e vendem como farinha nacional", lamenta Martins. O subsídio argentino está provocando já há alguns anos, diz ele, uma "desindustrialização" do setor. "Tínhamos em São Paulo, há 15 anos, cerca de 20 moinhos. Atualmente, há apenas 12 indústrias, fora as que estão funcionando à meia carga", informa o executivo da Abitrigo.
O consumo de trigo no Brasil é de cerca de 10 milhões de toneladas, sendo que o país produz apenas metade disso. Em torno de 75% do volume processado, vira farinha para o consumo nacional, o que significa que a Argentina responde por um pouco menos de 10% do mercado brasileiro de farinha. "Mas já é o suficiente para distorcer preços e tirar a competitividade da indústria e do produtor", acredita Martins.
Na contramão das maiores importações de farinha de trigo, as importações do cereal recuaram 12,9% nos primeiros nove meses deste ano para 4,3 milhões de toneladas, de acordo com dados da Secex compilados pela Safras & Mercado. Por outro lado, apoiado pela política de comercialização do governo brasileiro, o Brasil embarcou 2,3 milhões de toneladas de trigo, o dobro do realizado entre os meses de janeiro e setembro do ano passado.
Veículo: Valor Econômico