Perdida entre as marcas

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Destaque de alta na bolsa nos últimos anos, as ações da Hypermarcas estão entre os papéis de pior desempenho em 2011, com queda de 63,6%. Algumas mudanças estratégicas adotadas pela companhia e que, por enquanto, levaram-na a três trimestres de resultados fracos geraram mal-estar entre os investidores. Analistas questionam a credibilidade da gestão e mostram dificuldade em entender o que acontecerá com a receita da empresa daqui para a frente.

A falta de visibilidade de vários aspectos do negócio, como os estoques dos clientes da empresa, não é uma percepção apenas do mercado, mas também da companhia, diz Martim Prado, diretor financeiro da Hypermarcas.

A empresa mudou a política de relacionamento com os clientes, retirou descontos e prazos longos para pagamento. Os clientes optaram, então, por suspender ou diminuir compras e passaram a vender os estoques - e os altos níveis em que eles estavam comprados em produtos da Hypermarcas surpreenderam a própria empresa.

"No começo do ano, não tínhamos visibilidade de quanto tempo esse processo de desestocagem iria durar. O valor do estoque é sempre difícil de estimar. Ainda mais difícil por conta da quantidade de aquisições que fizemos ", diz Prado.

"Eram duas mil pessoas cuidando das vendas no começo do ano. Até conseguirmos integrar isso tudo, nossa visibilidade ficou muito baixa. Além disso, por conta do cenário macroeconômico mais fraco, o nosso cliente também achou que o estoque dele estava muito alto e que não era momento de comprar mais."

A coincidência de fatores que dificultaram o negócio levou analistas a questionar se a empresa não exagerou nas compras nos últimos anos - foram 23 aquisições, de 2007 a 2010, definidas pela empresa como "joias da coroa". Prado diz que, pensando no curto prazo, a resposta para a pergunta é "sim".

"Se olharmos para 2011, é possível dizer que exageramos nas aquisições, por conta dos problemas que enfrentamos na integração de todas elas", diz.

Porém, ele acrescenta que hoje não existe nenhum banco que não esteja contratado por empresa internacional para fazer aquisição de uma companhia de bens de consumo no Brasil. "Todos estão [contratados]. Então, pensando no longo prazo, é melhor essa nossa dificuldade inicial de tocar o negócio do que uma fragilidade de portfólio no futuro. Se estamos certos ou não, saberemos mais à frente. Mas é nisso que acreditamos", afirma Prado, que diz compreender o fato de o mercado focar as atenções para o curto prazo.

No entanto, os investidores, que financiaram as aquisições da companhia, após três ofertas de ações, que somaram R$ 2,4 bilhões, emissões de debêntures de R$ 2,1 bilhões e um lançamento de títulos no mercado externo de US$ 750 milhões, passaram a questionar se o crescimentos da ordem de 30% apresentado pela empresa nos últimos anos era de fato sustentável.

Como o processo de desestocagem ainda não terminou, o que o mercado sabe é que ele deve durar pelo menos um ano. Os clientes compravam mais produtos do que desejavam, aproveitando-se dos descontos oferecidos e dos prazos camaradas. Logo, a questão é se a empresa tivesse vendido menos no passado, sem oferecer mais do que os clientes demandavam, teria crescido menos em 2010, mas talvez tivesse conseguido alguma expansão também neste ano. Ou seja, a dúvida é saber qual será o patamar de crescimento da empresa quanto o processo de ajuste terminar.

Prado explica que em 2010 o cenário macroeconômico era forte, com perspectiva de crescimento favorável, e a empresa optou pela estratégia de criar a demanda pelo produto aumentando as suas vendas para os clientes, com prazos flexíveis. Isso foi possível até dezembro, quando fechou a aquisição da Mantecorp, por R$ 2,5 bilhões - dos quais R$ 600 milhões em dinheiro e R$ 1,9 bilhão em ações da companhia.

"A compra elevou o nosso endividamento e, paralelamente, passamos a conviver com cenário econômico mais nebuloso e com a necessidade de desalavancar."

A empresa optou por reduzir o endividamento e interromper a temporada de compras, para arrumar a casa. A primeira medida foi mudar a relação com seus clientes, para melhorar as margens do negócio.

"A Hypermarcas mudou o seu perfil. Deixa de ser uma consolidadora agressiva para ser uma gerenciadora de marcas. Precisa diminuir o endividamento. Este foi o ano de inflexão de um modelo para o outro", resume Prado.

A mudança começou a prejudicar os resultados, mas a empresa só foi mais clara em dizer quando esse efeito de desestocagem vai acabar neste último trimestre. Informou que está intensificando o processo, especialmente na divisão farmacêutica. A estratégia já provocou uma queda nos estoques em medicamentos para um nível estimado ao redor de 90 dias no terceiro trimestre. A ideia é que esse estoque caia para 75 a 70 dias até o fim do ano, equilibrando as vendas para os clientes com a demanda do varejo.

Segundo Prado, neste ano, houve uma mudança na base de acionistas da companhia, que logo após a abertura de capital era majoritariamente formada por investidores estrangeiros.

O executivo acredita que o acionista internacional estranhou muito o fato de a empresa ter pouca visibilidade do estoque da cadeia. "Eles estão acostumados com a estrutura da indústria de bens de consumo dos Estados Unidos, que é muito mais concentrada e que boa parte das vendas pode ser feita para uma só empresa. O Brasil é muito fragmentado, por isso o controle é mais difícil", diz.

Sem entregar resultados, a Hypermarcas está, só na reta final do ano, conseguindo reduzir seu endividamento - a Moody's, no início do mês, rebaixou os ratings corporativos e de dívida sênior sem garantia de ativos reais da empresa.

O caminho escolhido para reduzir o endividamento foi o de vender marcas que não fazem parte de seu foco estratégico em farmacêutica e higiene pessoal. Já anunciou a venda da Assim, por R$ 140 milhões em outubro. Nesta semana deve concluir a venda da Assolan e até o fim do ano, da Etti. Com as três operações, a empresa deve levantar R$ 450 milhões.

Prado destaca que a empresa chegou ao mercado com o objetivo de levantar recursos e usar as ações como moeda para se consolidar em farmacêutica e higiene pessoal. Desde 2008, tem feito aquisições de forma alavancada, para poder aumentar a velocidade de expansão. "O que temos de maior valor são as nossas marcas. Compramos como prometemos. E, de fato, temos mais dificuldades do que esperávamos na integração."

Ele também acrescenta que os múltiplos de cada compra estiveram sempre em linha com os patamares históricos do setor e da empresa, que são da faixa de 7 vezes a 8 vezes o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização, na sigla em inglês) após sinergias de curto prazo.


Veículo: Valor Econômico


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