Casas Pernambucanas, discreta e lucrativa

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Por volta das 18hs, após assistirem à missa na igreja São Luiz, na avenida Paulista, em São Paulo, cerca de 500 funcionários da Casas Pernambucanas enfileiravam-se para cumprimentar uma senhora sentada logo na primeira fila, de cabelos curtos e loiros. Anita Louise Regina Harley, a controladora da varejista, trajava um vestido longo, solto e estendia a mão, com ar afável, para cada um dos funcionários, que lotavam a igreja na segunda-feira da semana passada.  Jefferson Dias/Valor

 


A missa é realizada todos os anos em homenagem ao falecimento de Erenita Helena Groschke Cavalcanti Lundgrend, mãe de Anita e neta do sueco Herman Theodor Lundgren, o fundador do grupo que deu origem à Casas Pernambucanas, no Recife. 

 

Para os funcionários da empresa, porém, não se trata de um ato religioso apenas. A missa é uma das raras ocasiões em que os empregados vêem Anita, a discreta herdeira e maior acionista da Arthur Lundgren Tecidos S.A., a empresa que controla a Casas Pernambucanas. Um quadro envolto em flores com o retrato de Erenita Helena, falecida há 18 anos, ocupa o altar. O padre pede uma salva de palmas a Anita. É atendido com entusiasmo. 

 


Neste ano, a missa também comemorou os 100 anos da Casas Pernambucanas, fundada em 1908 por Herman Lundgren com o intuito de comercializar a produção de uma fábrica que ele comprara quatro anos antes, a Companhia Paulista de Tecidos (CPT), em Pernambuco. Herman Lundgren teve cinco filhos, entre eles, Arthur, pai de Erenita Helena, que casou-se com Robert Bruce Haley. 

 


Entre as décadas de 20 e 70, as empresas da família formavam um poderoso império e o grupo transformou-se no maior complexo têxtil da América do Sul. Mas o conglomerado não resistiu às disputas entre os herdeiros nas décadas de 70 e 90, que culminaram com a fragmentação do grupo em quatro ramificações. As operações de Pernambuco e Ceará desapareceram e os negócios no Rio de Janeiro foram à falência. Apenas a Arthur Lundgren Tecidos S.A., de Anita, prosperou. A empresa herdou os negócios em São Paulo e fortaleceu sua posição na região. 

 


A empresária é dona de um negócio que apresenta resultados sólidos, invejáveis para o setor de varejo. Mas, ela nunca é vista em público, gabando-se de tal desempenho. Apenas a alta diretoria da empresa tem acesso a Anita, segundo apurou o Valor. 

 


O presidente executivo de uma grande varejista, concorrente da Casas Pernambucanas, diz que não foi recebido por Anita nas vezes que tentou entrar em contato com a empresária. Um ex-funcionário relata nunca tê-la visto na sede do grupo, que ocupa um edifício em cima de uma loja da rede no entroncamento da rua da Consolação e da avenida Paulista, região próxima ao centro de São Paulo. 

 


Anita, que é solteira, é tida como uma "dama-de-ferro" do varejo. É ela quem dá as cartas na Casas Pernambucanas. Nenhuma decisão é tomada sem que ela saiba. A lei do silêncio é seguida por todos os executivos da empresa, que são proibidos de dar entrevistas à imprensa. 

 


A dona da Casas Pernambucanas é o oposto de outra dama importante do varejo, Luiza Trajano, a controladora do Magazine Luiza, rede com sede em Franca (SP). Luiza é alegre, falante e costuma divertir a platéia em suas palestras. Mantém um canal direto de comunicação com os clientes e responde, ela mesma, os e-mails. 

 


Segundo um analista do setor, o Magazine Luiza cresceu no interior de São Paulo nos períodos mais difíceis para a Casas Pernambucanas, que possuía uma forte presença em municípios menores. A Pernambucanas abriu seus pontos-de-venda no rastro das ferrovias construídas nos anos 30 com a "era do café". Chegou a ter 800 lojas espalhadas pelo país. 

 


Dizia-se que em qualquer cidade havia, pelo menos, uma agência do Banco do Brasil e uma loja da Casas Pernambucanas, que costumava estampar seu nome em porteiras, árvores e pedras para fazer propaganda. Nos anos 60, a varejista lançou o jingle "Quem bate? É o frio", um dos mais famosos na história da publicidade e que ainda é lembrado por muitas pessoas. 

 


Nos últimos dez anos, o avanço de concorrentes como Casas Bahia, Lojas Americanas e Magazine Luiza, e o fortalecimento das cadeias de supermercados, que tiraram uma boa parte público que freqüentava os magazines e as lojas de departamento, provocaram uma forte mudança no varejo. O mercado ficou mais difícil para a Pernambucanas. No entanto, com 280 lojas, um número considerável para os padrões brasileiros, a varejista ainda é um forte competidor e é vista no setor como um concorrente respeitável. 

 


Fontes do setor afirmam que a Casas Pernambucanas também é tida como uma boa empregadora. Os salários e benefícios pagos pela rede costumam ficar acima da média para o varejo e muitos dos seus funcionários fazem carreira dentro da própria empresa. 

 


Em 2003, Anita contratou um profissional do mercado, Marcelo Silva, ex-presidente da cadeia de supermercados GBarbosa, com sede na Paraíba, para oxigenar os seus quadros e trazer inovações. A Casas Pernambucanas lançou uma loja na internet, investiu em tecnologia e ampliou o seu mix, passando a vender celulares e eletrodomésticos. 

 


O consultor José Roberto Martins, da GlobalBrands, empresa especializada no desenvolvimento de marcas, avalia que o posicionamento da Casas Pernambucanas não é muito claro, enquanto outras varejistas nacionais, como a Riachuelo e a Americanas, conseguiram renovar a imagem ao longo dos anos. No caso das duas últimas redes, os consumidores conseguem "entender" o que elas vendem, diz Martins. 

 


A diversificação do mix em si não é um problema. A Lojas Americanas, por exemplo, coloca em suas lojas um pouco de tudo, desde alimentos a eletroeletrônicos. 

 


A Casas Pernambucanas, que sempre foi lembrada como uma rede de cama, mesa e banho, passou a concorrer mais fortemente no segmento de eletrodomésticos, onde enfrenta nomes de peso no mercado para a baixa renda, como a Casas Bahia. Mas também concorre com cadeias populares no setor de vestuário. 

 


Os resultados publicados pela Arthur Lundgren Tecidos mostram que a Casas Pernambucanas sabe o que vender e, acima de tudo, como lucrar. As vendas brutas consolidadas da varejista cresceram 18,2% em 2007, totalizando R$ 3,8 bilhões. O lucro líquido da companhia foi de R$ 97,7 milhões, o que representou 3,35% das suas vendas líquidas, que totalizaram R$ 2,9 bilhões no período. 

 


A margem líquida pode parecer pequena se compara a de outras companhias, de outros setores. No varejo, porém, elas são respeitáveis. De forma geral, as varejistas são as companhias que possuem as taxas de rentabilidade mais baixas. No setor, é preciso vender muito para lucrar pouco, o que torna ganhos de escala fundamentais. A margem líquida consolidada da Lojas Americanas, por exemplo, é de 1,2% neste ano, até setembro. A margem do grupo Pão de Açúcar, a maior varejista listada na Bovespa, é de 1,7%. A Lojas Renner apresenta margens líquidas mais altas, de 7,3%. 

 


Nos últimos anos, a Pernambucanas passou a desenvolver a área de serviços financeiros, um negócio que também chamou a atenção de outros varejistas por trazer polpudos retornos. As redes começaram a comercializar em parceria com as instituições financeiras produtos como seguros e crédito pessoal, além de ganhar dinheiro com as operações de crédito ao consumidor. 

 


Em 2006, o lucro da Pernambucanas foi afetado por um fato extraordinário. A varejista precisou reconhecer em seu balanço uma despesa de R$ 99 milhões referente a uma multa aplicada pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. O auto de infração, referente a ICMS, derrubou o resultado naquele ano, quando o seu lucro líquido, que fora de R$ 51,2 milhões em 2005, caiu para R$ 2,1 milhões. 

 


Assim como outras empresas, entre elas a Tigre, Del Valle e Grupo Pão de Açúcar, a Casas Pernambucanas realizou em 2003 operações que envolviam a compra, beneficiamento e refino de soja para o mercado externo . A Pernambucanas foi assessorada na operação pela firma de consultoria Deloitte. Mais tarde, porém, o governo paulista constatou irregularidades nessas operações, que geraram suspeita de sonegação de impostos. 

 


Em depoimento à CPI da Guerra Fiscal, Marcelo Silva afirmou que a Casas Pernambucanas entrou com uma ação cível contra a Deloitte e a GlobalBank, empresas contratadas, segundo ele, para auditar e garantir a operação física da compra e refino da soja. 

 

Veículo: Valor Econômico


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