A compra da Garoto pela Nestlé faz dez anos no próximo dia 28 e deve retornar ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) com a sugestão de venda de marcas ou de outros ativos das duas empresas em troca da aprovação do negócio. A venda das marcas foi sugerida pela primeira vez em março de 2004, um mês depois de o órgão antitruste vetar o negócio. Agora, o processo pode voltar para o Cade porque o Tribunal Regional Federal de Brasília deve determinar a realização de um novo julgamento.
A venda das marcas foi sugerida pela primeira vez em março de 2004, um mês depois de o órgão antitruste vetar o negócio. Na época, a Nestlé pediu sigilo quanto ao nome das marcas, alegando que a divulgação poderia desvalorizá-las no mercado. De acordo com advogados que tiveram acesso ao processo, as marcas seriam de ambas as empresas. No bloco de marcas da Nestlé estariam Alpino, Charge, Diplomata, Sensação, Sedução e Surpresa. No bloco de produtos Garoto, a Nestlé teria proposto a venda do Baton, do Serenata de Amor, do Mundy, do Talento, do Surreal, do Sunny, It Coco, Mania, Mundy e Personalidades.
Na época, a Nestlé alegou ao Cade que as marcas que ela se dispunha a vender permitiriam a uma companhia concorrente ter 10% do mercado e formar uma caixa de bombons para comercialização junto aos consumidores. Esse ponto era importante, pois as caixas de bombons representavam mais de 30% do mercado naquela época (2004) e são utilizadas até hoje pela Nestlé, pela Garoto e pela Lacta - as líderes do mercado.
Mas, em outubro de 2004, o órgão antitruste concluiu, por três votos a dois, que a proposta era insuficiente e, com isso, manteve a decisão pela venda da Garoto. A avaliação foi a de que essas marcas não eram as principais das duas empresas.
Apesar de totalizarem 10% do mercado, no ano anterior à proposta (2003), as marcas não estavam recebendo investimentos em 2004, segundo o Ibope, e a maioria das marcas não figurava nas caixas de bombons da Nestlé e da Garoto. Além disso, o órgão antitruste entendeu que a proposta foi enfraquecida por não incluir achocolatados, balas e confeitos entre os produtos que se dispunha a vender para um concorrente.
Agora, o processo pode voltar para o Cade porque o Tribunal Regional Federal (TRF) de Brasília deve determinar a realização de um novo julgamento.
"É um caso inglório", admitiu o procurador-geral do Cade, Gilvandro Araújo. Na avaliação dele, no caso Nestlé-Garoto, o setor privado ficou sem uma definição e o órgão antitruste não conseguiu aplicar a sua decisão. "Eu acho que é um caso que tem que ser julgado pelo TRF", enfatizou Araújo. Segundo ele, se o tribunal ordenar um rejulgamento, o Cade vai verificar a possibilidade de entrar com novos recursos. A outra hipótese seria a de analisar novas propostas da Nestlé para a venda de marcas em troca da aprovação da compra da Garoto, mas, por enquanto, o órgão prefere esperar pela Justiça.
Para a Nestlé, "a indefinição, ao longo da última década, implica em perda e desgaste para as partes". A empresa mantém o recurso na Justiça, mas defende um entendimento com o Cade. "Desde a aquisição da Garoto, a Nestlé sempre demonstrou disposição e empenho em encontrar uma solução de comum acordo para a questão antitruste decorrente da transação", informou a empresa em comunicado ao Valor. "Esse posicionamento não se alterou, independente de a situação da Nestlé no processo judicial ser favorável", completou a companhia.
De fato, a situação no Judiciário, apesar de provisória, favorece a Nestlé. A empresa conseguiu decisão de 1ª instância a seu favor e, no TRF, dois dos três desembargadores que votaram a questão concluíram que o Cade deve fazer um novo julgamento. Essa última decisão ainda precisa ser confirmada num recurso que será julgado pelo próprio TRF.
A Nestlé alegou ainda que o cenário previsto pelo Cade no mercado de chocolates, há dez anos, e que embasou o veto à Garoto, não se concretizou. "Ao contrário do que se previa à época, o segmento cresceu consistentemente e novos 'players' entraram no mercado brasileiro." A companhia disse que o mercado brasileiro conta com "mais de 12 marcas globais consolidadas, além da crescente participação de marcas próprias, regionais e de importados nos pontos de venda, bem como das boutiques que ganham espaço nas principais cidades brasileiras".
De acordo com a decisão do Cade, de 2004, a compra da Garoto levou à formação de um duopólio no mercado de chocolates no Brasil. A Nestlé ficou, na época, com 58% do mercado de chocolates e a única empresa capaz de rivalizar com ela seria a Kraft (dona da Lacta), que tinha 34%. A venda da Garoto para uma empresa com menos de 20% do mercado seria a solução do órgão antitruste, naquela época, para reequilibrar a concorrência.
Caso não haja negociação entre o Cade e a empresa, a decisão final sobre a venda ou não da Garoto será mesmo da Justiça.
Veículo: Valor Econômico