Governo quer criar um time de 'campeões em orgânicos'

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O governo federal vai eleger os 30 grupos de produtores rurais mais avançados hoje na agricultura familiar orgânica para transformá-los em uma "tropa de elite" do segmento, voltados à exportação e ao atendimento de grandes varejistas nacionais. A construção dessas futuras empresas-âncoras, que vêm sendo tratadas como prioridade, visa não só alcançar as prateleiras mais cobiçadas dos EUA, da Europa e do Japão - tradicionais consumidores desses alimentos -, mas preparar o terreno para a primeira Copa do Mundo orgânica e sustentável, em 2014, a ser anunciada nos próximos meses.

O passo inicial para montar esse time de ponta orgânico foi dado em janeiro passado, com a assinatura de um convênio entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Instituto de Promoção do Desenvolvimento (IPD) do Paraná para a estruturação das glebas de alto potencial em negócios de fato. Ao longo desses 12 primeiros meses (renováveis) estão previstos investimentos de R$ 3 milhões para um "intensivo" em capacitação no campo, o elo inicial e também o mais fraco da cadeia produtiva de orgânicos. Há hoje no Brasil 52 empreendimentos de agricultura familiar - cooperativas ou associações, representando 12 mil famílias - computadas pelo MDA que já embarcam produtos ao exterior, ainda que com frequência bastante irregular.

"Nós temos compradores ávidos de orgânicos, mas que não são pessoas que compram em qualquer circunstância. Precisamos qualificar o produtor para chegar à prateleira", diz Arnoldo Campos, diretor de geração de renda e agregação de valor do MDA. "Precisamos criar empreendimentos capazes de acessar mercados. Então, vamos turbinar 30 dos 52, os mais preparados".

De acordo com o último Censo brasileiro, 90 mil produtores rurais afirmaram ser orgânicos no país. Na prática, há muito menos que isso, já que a grande maioria são pequenos agricultores que desconhecem a regulamentação para esse tipo de agricultura e não contam com certificação.

Para Ming Liu, coordenador da Organics Brasil, o braço do IPD que trabalha na promoção dos produtos orgânicos brasileiros no exterior, o planejamento estratégico é essencial se o Brasil quiser aumentar a sua participação no mercado global, que movimentou no mundo US$ 55 bilhões em 2011. E também para atender a demanda do mercado interno, aquecido pela guinada no poder de compra de uma vasta classe média. Mas a falta de estrutura da cadeia produtiva continua sendo um fator limitante. "Há muitos fabricantes que não encontram matéria-prima orgânica disponível", afirma Ming Liu.

No chão de fábrica, isso é uma realidade preocupante. A Mãe Terra, empresa que tem crescido a uma taxa média de 30% ao ano, quase interrompeu a produção da sua linha de cookies no mês passado porque o fornecedor de trigo desistiu do "trabalhão" que é ser orgânico. "O principal fornecedor nacional jogou a toalha", diz o diretor-geral Alexandre Borges, ex-fundador do Flores Online que migrou para o segmento de orgânicos com o intuito de diversificar a oferta nacional de produtos. De imediato, a empresa se viu obrigada a recorrer a um outro fornecedor menor para dar continuidade às operações. Mas terá que complementar com importações de trigo orgânico da Argentina. "A priori queremos manter nosso fornecimento no Brasil, mas está muito difícil", afirma o executivo.

Com 55 produtos em seu portfólio, a Mãe Terra já desistiu de alguns itens por problemas semelhantes. "Paramos com o feijão orgânico, por exemplo, porque ele chegava úmido e com caruncho. Nosso grande desafio é desenvolver uma cadeia produtiva. Já perdemos muito dinheiro com isso por qualidade ruim e falta de consistência no fornecimento".

A Nutrimental, das barrinhas de cereais, e a Tozan, que comercializou soja entre 1991 e 2010, são outros casos de empresas que desistiram dos orgânicos por quebra de contrato de entrega. "Vendíamos 11 mil toneladas ao ano de soja ao exterior, mas deixamos o mercado porque não dá para produzir no Brasil. Tivemos casos de contaminação química nos carregamentos entregues à Europa. O fornecimento simplesmente não era confiável", diz Mauro Fujisawa, da Tozan.

Descontinuidade de operações é tudo o que o governo não quer nesse momento. A corrida contra o tempo começou, e o MDA sabe que já está atrasado. Está no forno a Política Nacional de Agricultura Orgânica e Agroecológica, que será anunciada na Rio+20, em junho, e ajudará a tirar do papel a Copa orgânica. Discutida há mais de um ano pelos Ministérios dos Esportes, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário, pelo Sebrae e pelo setor privado, o evento esportivo mais popular do mundo tem a ambição de ser memorável além dos gols previstos. A ideia é colocar nos menus dos restaurantes e hotéis das 12 cidades-sede da Copa brasileira um cardápio orgânico e de diferentes biomas.

Resta saber se a oferta atenderá a demanda que virá. "Sem estruturação, não iremos a lugar algum", admite Campos, do MDA.


Veículo: Valor Econômico




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