Empresas que produzem biscoito de polvilho viram indústrias e fecham parcerias com varejistas no Brasil e nos EUA
Ainda adolescente, João Leite encontrou na cantina de um hospital de Formiga, em Minas Gerais, a inspiração para o negócio da sua vida. Foi em 1976, depois de um acidente de moto. Nos 105 dias entediantes de internação, ele viu nos biscoitos de polvilho uma forma de manter a mente ocupada. Percebeu que os pacotes sumiam rapidamente das prateleiras. E com uma curiosidade incomum para um garoto de 17 anos, descobriu que a cantina vendia, por dia, 200 saquinhos do biscoito. Hoje, João Leite tem uma fábrica em Campinas, a Cassini, que produz 250 pacotes por minuto - ou 1 mil toneladas de biscoito por mês. Haja polvilho.
A produção começou modesta, dentro da padaria dos pais de Leite, e ganhou escala industrial. Quando decidiu, em 1985, construir sua primeira fábrica, encontrou um obstáculo: descobriu que não existia maquinário específico para fabricar biscoito de polvilho em grande escala. "A primeira fábrica era uma grande produção caseira, que tinha processos similares ao da padaria", diz. "Tive de improvisar porque fui a várias feiras e não encontrei fornos compatíveis com o produto. "
Ele podia rodar o mundo inteiro que não encontraria mesmo, já que o biscoito de polvilho é praticamente uma jabuticaba: só tem aqui, no Brasil.
O dono da Cassini visitou fábricas na Itália, na Inglaterra e na Escócia na tentativa de encontrar fornos que pudessem ser adaptados. Voltou cheio de ideias na cabeça e firmou parcerias com fabricantes nacionais para financiar a construção de um protótipo criado exclusivamente para o biscoito de polvilho. "Tive três linhas experimentais, mas não consegui controlar a qualidade", lembra. "Joguei dinheiro fora."
O jeito foi montar a máquina no Brasil, com peças importadas. A solução técnica deu certo. Hoje, o dono da Cassini planeja a construção de mais duas fábricas, uma em Goiás e a outra em Pernambuco ou Alagoas. Com isso, ele pretende quadruplicar o faturamento - de R$ 55 milhões, no ano passado, para R$ 250 milhões, em 2015.
A receita ainda é pequena perto das maiores do setor de biscoitos. A Mabel, por exemplo, comprada pela PepsiCo há seis meses, fatura mais de R$ 400 milhões por ano. Mas essa comparação é relativa, já que as líderes de mercado não fazem o mesmo produto da Cassini.
Caseiro. A maioria dos fabricantes de biscoito de polvilho ainda tem produção caseira ou em processo recente de automatização. O tradicional Biscoito Globo, famoso nas praias cariocas, está há 55 anos no mercado, mas sua produção é feita em uma fábrica com 22 funcionários no centro do Rio de Janeiro. Um dos donos, José Francisco Filho, fica em dúvida em classificar a produção como industrial ou artesanal. "Acho que está mais para caseira mesmo", diz. Os volumes também variam bastante. "Quem manda é o sol. Se o tempo está bom produzimos mais."
A Vale D'Ouro, uma das cinco maiores do mercado, está investindo em automação da produção. A empresa, que produz dez toneladas de biscoito diariamente, vai inaugurar em julho a terceira linha de produção de sua fábrica, na mineira Formiga, mesma cidade em que Leite começou seu negócio.
Divórcio. As duas terem começado no mesmo lugar não é uma coincidência geográfica. A Vale D'Ouro e a Cassini já foram uma só. O divórcio entre Leite e sua ex-mulher, Marisa Lima, dividiu também os negócios: ele ficou com a fábrica de biscoitos em Campinas e ela, com a de Formiga. Marisa também ficou com o nome original da companhia. As duas empresas investem para aproveitar a atual expansão do mercado de biscoitos brasileiro.
Não há informações precisas sobre o segmento de polvilho, mas, segundo o analista de mercado da Nielsen, Ramon Cassel, o ritmo acompanha o mercado de biscoitos e bolachas. Em 2011, a receita do setor cresceu 6%, mas o volume caiu 2,9% segundo dados Nielsen. "O consumidor está se sofisticando. Ele compra menos, mas paga mais por um produto melhor", explica.
Para quem acha que não há o que inventar num biscoito de polvilho, a Vale D'Ouro está fazendo suas tentativas. "Além da versão tradicional, fabricamos biscoitos de polvilho light, diet, com sabores, como queijo e pizza, e também o doce", diz o diretor Alexandre Soares Lima.
O gosto dos brasileiros por biscoito de polvilho chamou a atenção até de grandes redes de supermercados. Hoje, metade da produção da Cassini é vendida com a marca própria de varejistas como Pão de Açúcar, Walmart, Carrefour e Dia.
Redes estrangeiras também se interessaram pelo biscoito brasileiro. A Vale D'Ouro acaba de fechar um contrato com a varejista americana Publix - com mais de mil lojas, 70% delas na Flórida. A varejista já vendia biscoito da Vale D'Ouro para a comunidade brasileira, mas quer ampliar o leque, oferecendo o produto aos americanos.
Mesmo no Brasil, há potencial para elevar o consumo. "Biscoito de polvilho só não vende tanto quanto batata frita por falta de marketing", afirma Leite.
Veículo: O Estado de S. Paulo