Em 1º de junho um jardim de infância foi aberto em Minh Phuong, um vilarejo a 80 km de
Hanoi. Ele se parece com muitas escolas de países em desenvolvimento, com paredes de
blocos de cimento pintadas de cor mostarda e piso de azulejos. Mas há algo único em
relação às salas de aula. Cada uma exibe uma placa prateada perto da porta, decorada com
nomes raramente encontrados em livros didáticos: "Gillette Be Your Best", "Pampers Golden
Sleep" e "Pantene Shine".
São todas referências a marcas vendidas no Vietnã pela Procter & Gamble (P&G), cujos
funcionários ajudaram a levantar quase 80% do custo de US$ 100 mil da escola. A maior
companhia de produtos de consumo do mundo está usando de tudo, de boas ações à propaganda
na TV, em iniciativas para conquistar os consumidores vietnamitas. Ela não está sozinha -
a concorrente anglo-holandesa Unilever, que tem negócios nos mercados asiáticos há mais
de um século, vem se mostrando um competidor particularmente duro. E outras como a
Kimberly-Clark e a Beiersdorf, dona da marca Nivea, reivindicam seus espaços no Vietnã,
cujo crescimento econômico vem repercutindo além da Ásia.
A P&G quer fisgar os clientes enquanto eles são jovens, o que não é difícil em um país
onde 45% da população tem menos de 25 anos. Uma vez cativados, os consumidores podem ser
apresentados a uma linha crescente de produtos na medida em que envelhecem - e prosperam.
A economia do Vietnã, a 57ª maior do mundo segundo o Banco Mundial, perdeu força nos
últimos meses por causa da inflação, do avanço menor do mercado de trabalho e das
desvalorizações cambiais, mas a renda per capita aumentou mais de cinco vezes, de US$ 220
em 1994 para US$ 1.168 em 2010, segundo o Departamento de Estado dos Estados Unidos.
E o melhor: os 90 milhões de vietnamitas anseiam cada vez mais por marcas ocidentais, que
consideram superiores a muitos produtos locais e regionais. Executivos de marketing
afirmam que os vietnamitas são mais consumistas que os habitantes de outros países em
desenvolvimento com rendas comparáveis. Este é um dos motivos de grupos globais já
estabelecidos na China, Brasil e Índia estarem agora voltando suas atenções para o
Vietnã, visto como o próximo grande mercado emergente.
Em evento no pátio de um jardim da infância, funcionários da empresa fazem mímica para
mostrar uso de produtos
A P&G certamente poderá usar isso como um incentivo. No mês passado, a multinacional
reduziu sua previsão de lucros para o ano pela terceira vez, enquanto luta com o
crescimento fraco e perdas de participação de mercado nos Estados Unidos e Europa.
Enquanto isso, os países em desenvolvimento deverão responder por 37% das suas vendas
este ano, em comparação a 35% em 2011.
Mais da metade das vendas da Unilever já são feitas em mercados emergentes, mas
executivos da P&G acreditam que há muito espaço para operar em lugares como Minh Phuong.
"O Vietnã é uma cultura jovem, muito interessada em experimentar o novo, de modo que não
é preciso ser uma empresa estabelecida há 100 anos para se sair bem", diz Deb Henretta,
presidente da P&G para a Ásia. O Vietnã e outros países asiáticos, incluindo mercados em
potencial como Mianmar, são os "motores do crescimento para a companhia".
Por décadas as companhias americanas não puderam operar no Vietnã por causa de um embargo
comercial dos Estados Unidos, imposto após a queda de Saigon em 1975. Um ano após o fim
do embargo, em 1994, a P&G entrou no país, assim como a Unilever. Mas hoje a P&G, a maior
fornecedora de detergente, creme dental, papel-toalha e lâmina de barbear dos EUA,
encontra-se em uma posição que não lhe é característica: a de tentar acompanhar o passo.
A Unilever conseguiu uma participação maior no mercado de produtos para o lar e cuidados
pessoais no país asiático. A P&G está atrás da Kimberly-Clark na venda de fraldas (dona
da marca Huggies) e da Beiersdorf (Nivea) no segmento de cuidados com a pele. Ela é a
número um apenas em lâminas de barbear, com a marca Gillette. "O Vietnã é o próximo
grande mercado e a competição está acirrada", diz Oru Mohiuddin da empresa de pesquisas
de consumo Euromonitor.
A rival Unilever tem uma participação maior no mercado de higiene e limpeza do país e a
P&G não quer ficar atrás
O mercado de fraldas, produtos para casa, e itens de higiene e beleza totalizou US$ 1,35
bilhão no país no ano passado, uma alta de 14% sobre 2010, segundo a Euromonitor. Embora
isso seja muito pouco comparado às vendas globais da P&G no ano passado, de US$ 82,6
bilhões, o Vietnã deverá ser um dos mercados emergentes de crescimento mais acelerado nos
próximos anos, com uma previsão de aumento de 42% nos gastos do consumidor entre 2012 e
2016.
A P&G aposta no apetite do Vietnã por marcas premium - como a de cosméticos Olay -, e
acredita que sua linha maior de itens lhe dará vantagem sobre a Unilever. Além disso,
oferece produtos mais baratos, acessíveis aos consumidores de baixa renda, que melhorarão
o padrão de vida posteriormente. Henretta afirma: "Queremos ser líderes em todos os
níveis de consumidores."
A companhia anuncia muito na TV, o meio de comunicação mais influente do país. E no ano
passado seus representantes cruzaram o Vietnã em uma van colorida - exibindo as
logomarcas dos produtos P&G Rejoice (cuidados com os cabelos), Olay e Gillette - em busca
de participantes para a temporada inicial de "Vietnam's Got Talent" (uma versão do
programa "American Idol"), do qual a P&G é o único patrocinador. A P&G opera até mesmo um
barco na região do Delta do Mekong, para atingir famílias que vivem em palafitas sobre a
água - vendendo embalagens menores (e mais baratas) de produtos como o detergente para
lavar roupas Downy Single Rinse.
Os lendários estudos de marketing que a companhia faz sobre seus clientes - ela realizou
mais de 100 visitas a residências no Vietnã no ano passado - descobriram novos usos para
algumas marcas. Tome por exemplo o desodorizador de ambientes Ambi Pur. A P&G percebeu
que ele poderia ser de interesse dos vietnamitas que usam motocicletas, o principal meio
de transporte no país, depois que o governo aprovou uma lei exigindo o uso do capacete.
Num país com um clima subtropical úmido, a P&G ergueu no segundo trimestre "estações de
pulverização" diante de shoppings, para demonstrar as propriedades desinfetantes do Ambi
Pur. Consumidores de todos os níveis de renda estão pulverizando seus capacetes com o
produto, hoje um dos produtos da P&G que mais crescem no país.
Até mesmo alguns consumidores vietnamitas pobres aceitaram o Downy Passion, um amaciante
de tecidos perfumado mais caro, que mascara os odores que surgem nas roupas quando elas
são lavadas durante a noite em água longe de limpa. Inicialmente, a P&G se concentrou na
venda de embalagens maiores em grandes varejistas, diz Sam Kim, vice-presidente da P&G
para os países do Sudeste da Ásia. Mas notou que as embalagens menores e mais baratas se
tornaram sucessos de venda nas pequenas lojas familiares, onde a renda per capita ainda é
menos que um terço da registrada na China.
A P&G abriu duas fábricas no país e tem mais de 900 funcionários. E assim como muitas
multinacionais no Vietnã, possui um braço de caridade que proporciona serviços de saúde e
educação para regiões pobres do país. Em troca, a P&G promove suas marcas nas comunidades
que ajuda.
Em uma tarde recente, a P&G realizou um evento de "lavagem de mãos" em uma escola
primária localizada na mesma rua de Minh Phuong onde foi construído o novo jardim de
infância. As crianças aprenderam a cantar músicas em inglês com 15 funcionários da
multinacional, atividade seguida de um competição de canto no pátio, com um painel ao
estilo olímpico informando as notas dos participantes. Os alunos se apresentaram diante
de um grande banner vermelho e dourado (as cores da bandeira do Vietnã) onde se lia, em
vietnamita e num inglês imperfeito, "Juntos, vamos lavar as mãos com sabonete!".
Nesses eventos, há testes de conhecimentos sobre higiene, com sacolas de produtos da P&G
sendo distribuídas aos vencedores. Em seguida, os alunos participam de uma corrida de
revezamento - usando barras do sabonete antibacteriano Safeguard da P&G - realizando as
seis etapas da lavagem correta das mãos. No fim do evento, todos recebem uma sacola
contendo uma escova de dentes Oral-B, materiais escolares e outros itens. A escola recebe
uma caixa do sabonete Safeguard.
Naquela tarde, sob forte chuva, centenas de aldeões se reuniram sob uma tenda no pátio do
jardim de infância para assistir a exibições de dança e canto dos alunos. Deb Henretta,
da P&G, está entre os convidados a subir em um palco improvisado para falar sobre a
companhia. Enquanto mostra itens de suas marcas, como Tide, Safeguard e Oral-B, Henretta
pede à plateia que bata palmas quando os reconhecem. Enquanto isso, voluntários da P&G
fazem mímica, como se estivessem lavando as roupas ou os cabelos, para se certificarem de
que todos entenderam os usos dos produtos. A tarde termina com todos participando de uma
dança típica, enquanto os voluntários da P&G gritam o refrão de uma música: "Vietnã, Ho
Chi Minh! Vietnã, Ho Chi Minh!".
Veículo: Valor Econômico