Em mais um capítulo da barulhenta novela das perdas com derivativos, a Aracruz Celulose comunicou na sexta-feira a renúncia de três integrantes do conselho de administração e seus respectivos suplentes, todos apontados como representantes da família Lorentzen, uma das controladoras da companhia, ao lado dos grupos Safra e Votorantim, cada um com 28% das ações ordinárias (ON, com direito a voto).
Deixaram a empresa Haakon Lorentzen, filho de Erling Lorentzen, ex-presidente do conselho da companhia, Eliezer Batista da Silva, ex-presidente da Vale e pai do também empresário Eike Batista, e Luiz Aranha Corrêa do Lago, que também integrava o comitê de remuneração da companhia. Entre os suplentes que renunciaram aos cargos estão Alex Harry Haegler, Mauro Agonilha e Carlos Jürgen Temke. De acordo com a Aracruz, os cargos devem ser preenchidos na próxima reunião do conselho.
Por trás da saída dos conselheiros está o delicado equilíbrio entre os principais sócios da Aracruz após as perdas de US$ 2,1 bilhões com derivativos cambiais exóticos. A barbeiragem financeira interrompeu o processo de fusão da maior produtora mundial de celulose com a Votorantim Celulose e Papel (VCP). A operação incluiria a compra da participação dos Lorentzen pela VCP, por R$ 2,7 bilhões, e a reunião das participações com o Grupo Safra em uma única holding, que teria o controle das duas companhias. O presidente do conselho, Carlos Alberto Vieira, representante do Safra, permanece no cargo, assim como os demais integrantes.
A fusão, cuja conclusão estava programada para o início de outubro, ficou prejudicada ainda pelas perdas com derivativos registradas pelo Grupo Votorantim, no total de R$ 2,2 bilhões. O gigante conglomerado industrial tenta, agora, reduzir radicalmente o valor a ser pago pela fatia dos Lorentzen ou cancelar o negócio sem o pagamento da multa de R$ 1 bilhão prevista em contrato, segundo fontes de mercado. Uma das maneiras de anular a transação seria demonstrar que a administração da Aracruz não tinha conhecimento da exposição exagerada em derivativos. Esse, inclusive, seria um dos objetivos da aprovação da abertura de uma ação de responsabilidade contra o ex-diretor financeiro Isac Zagury.
A debandada dos Lorentzen do conselho ocorreu logo após a decisão de processar Zagury que rompeu o silêncio e, ao falar pela primeira vez sobre o caso, negou ter feito as operações com derivativos sem o conhecimento do conselho; e também da abertura de processos judiciais contra a companhia no Brasil e nos Estados Unidos.
Ações caem
A renúncia dos conselheiros trouxe ainda mais incertezas sobre o futuro da Aracruz. No pregão de sexta-feira da BM&F Bovespa, as ações da empresa recuaram 5,88%, para R$ 1,92. Desde que reconheceu que possuía exposição a derivativos, a companhia já perdeu 76% de seu valor de mercado, ante uma baixa de 26,6% do Ibovespa no mesmo período.
Para Peter Ping Ho, analista da Planner Corretora, a renúncia dos conselheiros da Aracruz pode ser uma confirmação de que a empresa sabia de seus riscos com as operações de hedge. Ele considera a movimentação propicia a renovação no comando do grupo. "Creio que não havia a possibilidade de eles não saberem, de não estarem cientes da saúde da empresa. Em nenhum lugar o diretor financeiro realiza operações em segredo." Procuradas, Aracruz e VCP não se manifestaram.
Conforme ressalta o analista, a perda bilionária enfraquece não apenas a liquidez da empresa, mas também a sua imagem como importante companhia do setor, dentro e fora do País. "Antes a Aracruz estava na posição de comprar alguém, para consolidar sua liderança; o que se inverteu agora. Ela se tornou uma oferta para empresas que procuram uma oportunidade de se instalar na América Latina." Especula-se que um dos possíveis alvos de venda seria a participação na Veracel para a sócia filandesa Stora Enso. A Aracruz, porém, negou o rumor.
Enquanto tenta resolver o imbróglio societário, a Aracruz ainda negocia como pretende pagar a dívida com os 13 bancos credores com os quais realizou as operações de derivativos. A empresa esperava chegar a um acordo com as instituições financeiras até o final deste mês. Fontes próximas dizem que as negociações se concentram em dois pontos: o prazo para o pagamento e uma possível redução do valor a ser pago.
Veículo: Gazeta Mercantil