A Justiça do Trabalho tem barrado cada vez mais a utilização da jornada móvel e variável. A situação não tem previsão nas leis trabalhistas, mas a jurisprudência vem se consolidando no sentido da proibição por ser prejudicial ao trabalhador. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve a invalidade da cláusula contratual da Arcos Dourados Comércio de Alimentos Ltda., operadora da rede McDonald's no Brasil.
Para o relator da ação na 7ª Turma, ministro Pedro Paulo Manus, a situação gerou desvantagens à empregada, pois ela não podia exercer outra atividade durante o período, diante da possibilidade da empregadora solicitá-la para o trabalho. "Há ainda a incerteza acerca do salário, que pode sofrer grandes variações de acordo com a quantidade de horas que trabalhou no mês", disse o ministro.
No caso, o contrato estabelecia remuneração por hora trabalhada, na qual a funcionária estaria sujeita a jornada móvel e variável, observando-se o limite mínimo de oito horas diárias e o máximo de 44 horas semanais. Além disso, instituía que ela receberia salário correspondente à carga horária mensal efetivamente cumprida. A empresa foi condenada pela Justiça do Trabalho de Minas Gerais a quitar as diferenças salariais tomando como base a jornada semanal de 44 horas. Para a 1ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, a cláusula que estabelecia que a atendente poderia deixar os seus afazeres após as duas primeiras horas de trabalho, liberando a empresa de remunerá-la quanto às horas não trabalhadas, era inválida.
A decisão destacou que, de acordo com a lei, na contratação por salário-hora, deve ser fixada e mantida uma jornada padrão semanal, para não haver redução da remuneração e a ocorrência de disponibilidade permanente do trabalhador em benefício da empresa.
A empresa alegou que a funcionária poderia ter outras atividades, com horários definidos, porque a escala de trabalho era repassada com no mínimo dez dias de antecedência, com horário estipulado ligado à conveniência da trabalhadora. Mas o prazo não foi considerado suficiente pela primeira instância.
A Arcos Dourados recorreu, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) manteve a decisão e o caso chegou ao TST, comandado pelo ministro João Oreste Dalazen. O ministro Pedro Paulo Manus confirmou que a carga horária era definida unilateralmente pela empresa, a qual poderia solicitar o trabalho da funcionária nos horários que fossem de seu interesse, pagando apenas o valor relativo ao tempo efetivamente trabalhado.
De acordo com o relator, houve uma transferência do risco do empreendimento, pois a empregada trabalhava e recebia "de acordo com a necessidade e o interesse da empresa".
No ano passado, a 8ª Turma do TST já havia reforçado a ilegalidade da jornada móvel e flexível quando ela é uma imposição do empregador, em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra a prática do McDonald's. A relatora do caso, ministra Dora Maria da Costa, afirmou que apesar de não haver nenhuma vedação expressa a esse tipo de contratação, a cláusula é prejudicial ao trabalhador.
Para a ministra, é bom para ambas as partes que a jornada de trabalho estabelecida em contrato seja certa e determinada, uma vez que o contrário atende apenas a necessidades empresariais e assim afronta o princípio de proteção do trabalhador.
O advogado Alexandre de Almeida Cardoso, associado Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e especialista em direito trabalhista, afirma que as jornadas variáveis são situações novas que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não prevê. "Não há regra dizendo se pode ou não pode, o que deixa margem para a interpretação", diz.
Segundo ele, cada caso deve ser analisado individualmente, para que se verifique se a flexibilidade atende à necessidades empresariais ou à necessidade dos empregados. "A Justiça do Trabalho está colocando os limites nessas situações, mas deve haver cautela. Cada caso é um caso", afirma. "O desafio é tomar uma decisão favorável ao empregado com análise crítica, o cenário da jornada variável era conveniente aos seus interesses ou se era de fato prejudicial em cada circunstância específica".
Outra ressalva é com relação à previsão contratual para a jornada variável, aceita pelo trabalhador no momento da contratação como horista. "Há o consentimento com a peculiaridade e é preciso destacar se vale essa manifestação de vontade do empregado ou se a cláusula é passível de anulação. A margem de discussão é grande", diz o especialista.
Para Cardoso, o empregador, por conduzir o negócio, tem flexibilidade para adequar, adaptar ou alterar as condições de trabalho de acordo com as necessidades do mercado. "O debate é o limite dessa margem", afirma. "Já vi uma decisão em que a Justiça afirmou que a variação do horário de trabalho é uma alteração válida. Mas na questão sobre jornada variável em termos quantitativos e de turnos diferentes não tem sido recepcionada", completa.
Veículo: DCI