O agravamento da crise no mercado financeiro internacional, que já reflete no setor produtivo, tem feito com que herdeiros de companhias que haviam repassado totalmente ou em parte o controle do dia-a-dia dos negócios a um profissional voltem a rotina das operações. Agora, diante da rápida mudança de um cenário de crescimento para um futuro incerto, as exigências são outras, dizem alguns empresário, que ressaltam a agilidade nas decisões como uma das vantagens do comando familiar.
No setor sucroalcooleiro, por exemplo, o executivo André Biagi foi obrigado nesta semana a acumular ao seu cargo de presidente do conselho de administração do grupo Santelisa Vale, segundo maior do setor, a função de presidente-executivo. "A escassez de crédito, combinada com a euforia e o excesso de investimento nos últimos anos, afetou de verdade o setor", avaliou Biagi. "A liberação de recursos e outras medidas de ajuste tomadas pelos governos podem minimizar os efeitos da crise, mas só minimizar. A crise externa já respingou por aqui", disse.
Biagi afirmou que não pretende permanecer na presidência. Para o lugar de Anselmo Lopes Rodrigues, que deixa a presidência-executiva da Santelisa -- transferido para a Companhia Nacional do Açúcar e do Álcool (CNAA), da qual a Santelisa Vale detém 27% do capital, em sociedade com fundos estrangeiros -, Biagi está à procura de um profissional "com perfil mais financeiro (do que administrativo), que é o que o momento exige." Segundo ele, "o setor e o grupo estão alavancados em dólar e bastante expostos" à moeda americana.
O empresário disse que, apesar dos fundamentos positivos, que sinalizam aumento dos preços do açúcar e do álcool, em um "futuro próximo", a cotação dessas commodities depende da abertura do mercado internacional, principalmente dos Estados Unidos e da Europa, e possivelmente o setor não possa contar com isto agora.
"Vivemos um momento de ressaca", afirmou Biagi. "É natural passarmos por um momento de acomodação", afirmou, referindo-se à provável entrada de dinheiro novo que deverá mudar a composição acionária de grupos do setor.
Na última sexta-feira também a construtora WTorre anunciou mudanças, Marco Antonio Bologna informou que deixará suas funções executivas no grupo no próximo dia 23, para "assumir novos desafios no início de 2009". A empresa informou a manutenção dos planos de profissionalização, entretanto, neste momento, os sócios da empresa, Walter Torre Júnior e Paulo Remy - assim como Biagi - assumem a direção integral da companhia. A empresa deixou de lado, pelo menos por enquanto, os planos de uma oferta pública de ações.
Quem também anunciou a volta ao comando da empresa foi a família Schincariol. Depois de uma série de problemas com a Justiça por acusação de sonegação fiscal - 60 funcionários chegaram a ser presos - a Schincariol decidiu, há cerca de dois anos, profissionalizar a gestão. Os familiares com posição na empresa, incluíndo Adriano Schincariol - então presidente e filho do fundador, José Nelson, morto em 2003 -, deixaram os cargos e foram para o conselho de administração, enquanto executivos do mercado ocuparam espaço na segunda maior cervejaria do Brasil.
Fernando Terni, que fez carreira no mercado de telecomunicações e comandava a Nokia no Brasil, assumiu o comando do grupo em fevereiro do ano passado. Junto com Terni, chegaram a empresa o diretor de marketing Marcel Sacco, o diretor de Tecnologia da Informação, Alvaro Mello, e o diretor de recursos humanos, Marcos Cominato.
No entanto, o processo de profissionalização do grupo durou pouco. Durante o período, os executivos comandaram uma série de aquisições - cervejarias Nobel, Devassa e Eisenbahn, por exemplo - e lançamentos como o da linha de sucos Fruthos. Agora, menos de dois anos após o início da gestão de Terni, a família volta ao comando do grupo. Adriano reassumirá a presidência-executiva e seu primo, Gilberto Schincariol Júnior, ficará com a vice-presidência de operações.
Em comunicado, a empresa afirmou que a retomada do controle se deu por conta do agravamento da crise financeira internacional. "Resolvemos estar mais próximos do dia-a-dia dos negócios. Só nós podemos nos responsabilizar por uma gestão mais expedita, mais rápida", disse Adriano, no comunicado.
O irmão de Adriano, Alexandre, e o primo, José Augusto, permanecerão no Conselho de Administração, presidido por Fernando Mitri, ex-presidente da IBM.
Furlan volta a operação
Para resgatar a Sadia do escândalo financeiro que resultou em perdas de R$ 653 milhões com contratos de derivativos, Luiz Fernando Furlan, sócio da empresa e neto do fundador, Atílio Fontana, resolveu voltar à empresa, após seis anos de afastamento. Assim, em 6 de outubro deste ano assumiu o cargo de presidente do Conselho de Administração, no lugar de Walter Fontana Filho, primo de Furlan e que ocupava o cargo desde 2005. Deixaram a companhia também o diretor e o gerente da área financeira.
Desde então, a empresa vem reduzindo a exposição líquida a contratos de derivativos cambiais do patamar de US$ 2,4 bilhões do início de outubro para atuais US$ 678 milhões. Em entrevista sobre sua volta à empresa, Furlan disse que a Sadia retornaria às suas origens de empresa de alimentos, referindo-se às operações especulativas feitas na administração anterior e que, segundo a empresa, foram feitas sem o conhecimento de seu antecessor, Walter Fontana Filho.
Já no grupo Pão de Açúcar por duas vezes o empresário Abilio Diniz recorreu a própria experiência para melhorar o desempenho da companhia. No final do ano passado, quando Cláudio Galeazzi assumiu a presidência do Grupo Pão de Açúcar, no lugar de Cássio Casseb, Diniz deixou claras as regras de comando da empresa. "Já combinei com o Cláudio (Galeazzi): ele tem liberdade de tudo, exceto se for proposta alguma coisa que me contrarie totalmente, que eu insista que é um erro. Quando isso acontecer, o Cláudio, e todo o time (diretoria executiva), terá que me provar que eu estou errado", afirmou Diniz à época.
Essa foi a segunda vez que Diniz recorreu à sua própria experiência para recuperar a companhia. No final da década de 1980, quando o País entrou em crise com o endividamento externo, o grupo Pão de Açúcar também teve que fazer ajustes para evitar que a dívida o levasse à insolvência. Na época, 400 lojas da rede foram fechadas.
Diniz assumiu o controle, trocou toda a administração e iniciou o processo de recuperação. Nos anos seguintes a varejista abriu capital e firmou parceria estratégica com a francesa Casino.
Dessa vez, no entanto, a idéia é que a intervenção atual seja breve. Até 2010 deve ser formado um sucessor, que sairá de dentro do Pão de Açúcar.
Veículo: Gazeta Mercantil