Dólar caro faz múlti correr atrás de meta

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Uma questão matemática colocou as multinacionais no país de pernas para o ar. Com a desvalorização do real a partir de setembro, "desvalorizaram-se" também os resultados obtidos por essas companhias até agosto. "Estávamos com o ano ganho em agosto. Com a alta do dólar, nossa meta de crescer 3% no ano ficou mais longe", conta Ivan Zurita, presidente da Nestlé do Brasil. Mark Clouse, presidente da concorrente Kraft Foods Brasil, concorda e acrescenta: "A matriz não aliviou a pressão." Mas nem todas as múltis estão preocupadas em recuperar resultados. Companhias de outros setores, como cosméticos e de produtos para animais de estimação, em vez de bronca vão receber elogios da matriz. Mesmo com a queda do real, vão fechar o ano com crescimento na casa dos dois dígitos. 

 

No time que ainda corre atrás da meta acertada com a matriz também está outra gigante do setor de bebidas, a PepsiCo. "Uma vez que as múltis se comprometeram com objetivos em dólar com suas matrizes, muitas agora estão suando para cumpri-los por causa da desvalorização do real. É uma questão matemática", diz José Roberto Lettiere, vice-presidente financeiro da PepsiCo. A solução, para maioria dos casos, é a mesma: cortar gastos. 

 

Dentro do universo de medidas que a decisão abrange, a mais popular tem sido a de renegociar contratos com fornecedores. "Nesse momento, quanto maior o desconto ou o prazo negociado, melhor para a empresa", diz Ernani Araújo, diretor-executivo da Budget, consultoria especializada em gerenciamento para empresas. O impacto da desvalorização do real não atinge só as metas de crescimento das múltis. "Ela traz também um impacto adverso sobre os custos, principalmente sobre as matérias-primas que são indexadas ao dólar", afirma Lettiere. 

 

O encarecimento dos insumos importados faz a Lotto Sport, marca italiana de artigos e confecção esportiva, mudar a estrutura de seu negócio no país. "Vamos produzir mais aqui, com mais materiais nacionais", diz João Augusto Simone, diretor de operações no Brasil. A grife está estudando a aquisição ou a construção (e até mesmo uma parceria) para colocar em funcionamento em 2009 sua segunda unidade de produção no país. A idéia é deixar de importar parte dos calçados que a marca comercializa para confeccioná-los no país. 

 

Outras multinacionais enfrentam uma situação mais grave, como é o caso da Fiat. A montadora, segundo sua assessoria de imprensa, está preocupada com a queda do faturamento no Brasil. "O declínio das vendas em relação às expectativas para o ano resultarão em faturamento menor que o esperado", informou a companhia. 

 

Em casos drásticos como esse, não está descartada a hipótese de demissões. Mas, segundo afirmou na semana passada o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, no setor automobilístico, antes de demissões, haverá férias coletivas, redução da jornada de trabalho, corte de turnos e "muitas outras medidas." 

 

Dentre elas, segundo Araújo, da Budget, está o corte - ou o barateamento - de benefícios, como o convênio médico. "Essa despesa chega em alguns casos a representar 12% dos custos totais de uma multinacional", afirma ele. "Muitas companhias que tinham planos de saúde auto-geridos estão partindo para convênios terceirizados, mais baratos. As que ofereciam serviços classe A, agora reduziram para o nível B." 

 

Na lista dos cortes, entraram também as festas de final de ano. "Na minha empresa, a festa foi cortada. Em troca, recebi uma tarde de folga", conta um executivo de tecnologia da informação que não quis se identificar. As cestas de final de ano também minguaram. "Muitas multinacionais, principalmente as que dependem de exportações, cortaram os pedidos de cestas de Natal", diz Emílio Bueno, presidente da Cestas de Natal CBA. No entanto, para sorte do executivo, o faturamento da empresa não vai cair. "Outras companhias estão comprando o que as múltis deixaram de encomendar." 

 

Essas corporações pertencem a um grupo privilegiado: o das que mesmo com a desvalorização do real, mantiveram suas metas de crescimento. É o caso da Mars, dona das marcas Pedigree (ração canina), M&M's (confeitos) e Uncle Ben's (arroz). "Vivemos nosso melhor momento em 30 anos de história, superando todas nossas metas", diz Filipe Ferreira, presidente da Mars. Segundo ele, as vendas de chocolate vão encerrar o ano com crescimento de 50%. "Em 'pet care' (produtos para animais de estimação), continuamos mantendo a liderança no segmento, crescendo 20% ao ano", diz. 

 

O mesmo acontece com a Nivea Brasil, da alemã Beiersdorf. "A meta oficial de crescimento para 2008 estabelecida com a matriz era de 15%. Mas, tendo em vista o potencial do mercado brasileiro no setor de cosméticos, acreditamos ser possível superar esse número", diz Nicolas Fischer, presidente da múlti alemã de cosméticos. A Avon também não tem do que reclamar. "De janeiro até o final de setembro crescemos 25% ao ano na América Latina, onde o Brasil é o país mais expressivo", diz Ricardo Patrocínio, diretor de marketing. Mesmo assim, a empresa, apesar de manter investimentos, como o centro de distribuições de US$ 150 milhões em Cabreúva (SP), está atenta a custos que podem ser cortados. "Sabemos que a crise pode chegar ao Brasil com um certo atraso. Temos que estar preparados", diz o executivo. "Por isso uma das diretrizes da empresa é não gastar com o que não traz retorno." 

 

O foco na classe C também continua válido. "A saída é aumentar preços ou o volume de vendas. Como o mercado não está católico para a primeira opção, resta focar nos produtos para a camada C, os de maior giro", diz o consultor Adalberto Viviani. As empresas, então, ampliam ações de divulgação nos pontos de venda. "Em uma economia apertada, o consumidor exige mais retorno nos gastos que faz. É preciso acertar no preço e no desembolso pretendido pelo cliente", diz Clouse, da Kraft. (Com Ivana Moreira, de Belo Horizonte) 


 
Veículo: Valor Econômico


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