McCann aprende na América Latina a vender para público de baixa renda

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Durante apresentações no escritório da McCann Worldgroup em Bogotá, os funcionários tiveram a idéia de deixar uma galinha solta na sala, andando entre os clientes e bicando seus pés. Na Cidade do México, essa grande agência publicitária contratou um comerciante local para instalar prateleiras com batatinhas fritas e outros elementos para transformar a sala de reuniões em uma bodega. No almoço, foram servidos tacos, sobre uma toalha plástica.


 
O objetivo desses exercícios: dar aos profissionais de marketing uma visão sobre o estilo de vida do consumidor latino-americano de baixa renda. Neste mês, executivos da McCann, controlada pelo Interpublic Group, informaram que planejam lançar uma nova divisão, a Barrio, para vender produtos para as camadas mais pobres da população, do México ao Chile. 

 

A idéia da McCann chega num momento em que as multinacionais, cada vez mais, vêem esses "consumidores emergentes" como uma grande oportunidade. De modo geral, os gostos, hábitos e necessidades desses consumidores continuam sendo um enigma para profissionais de marketing. 

 

O lançamento da Barrio se segue a um projeto de pesquisa de dois anos, ao custo de US$ 2,5 milhões, em que a McCann enviou funcionários para toda a América Latina para viver durante uma semana com famílias que ganham de US$ 350 a US$ 700 por mês. A McCann informa que reuniu 700 horas de gravações em vídeo e milhares de questionários, na esperança de elaborar uma imagem bem detalhada de como funciona o consumo nas áreas mais pobres da região. 

 

"A principal descoberta é que a maneira de se conectar com esse público é diferente da que se usa com a classe média, de modo que é preciso haver uma divisão especializada", diz Luca Lindner, chefe das atividades da McCann na América Latina. 

 

A pesquisa da McCann está ajudando a Nestlé, a gigante alimentícia suíça, a vender a marca de leite em pó fortificado Nido Rindes Diario. Nicolas Guzmán, um diretor da McCann na Cidade do México, diz que um dos desafios para a Nestlé era desfazer a imagem de que o leite em pó é uma fórmula especial para bebês, e caro demais para a família toda consumir. 

 

Segundo a McCann, sua pesquisa ajudou a posicionar melhor o produto. Uma das principais conclusões do estudo é que para as famílias mais pobres da América Latina, o alimento significa sobrevivência. "O estudo descobriu que o significado da comida é energia e força para trabalhar, para dar contar das atividades do dia-a-dia, para não ficar doente", diz Guzmán. 

 

Assim, a McCann gravou um jingle de rádio com trompete e bongô, brincando com a palavra "rinde", que em espanhol significa "rende", do verbo "render" - tanto no sentido de "durar", como de "ter produtividade". O jingle sugere que quem consome o leite em pó "rende mais", assim como seu dinheiro. 

 

Segundo os anunciantes, ter uma visão prática dos grupos de baixa renda é algo difícil de se conseguir. "Muita gente fala sobre o consumidor emergente, sobre a base da pirâmide, mas ninguém realmente tem uma abordagem estruturada", diz Marcelo Melchior, diretor da Nestlé para a América Central. "Temos que fazer muita coisa sozinhos, e às vezes erramos redondamente." 

 

No México, a Nestlé resolveu comercializar o Nido Rindes Diario exclusivamente em pequenos armazéns, e não nos supermercados, diz Guzmán. Essa decisão foi tomada depois que a McCann descobriu que os pequenos comerciantes locais exercem grande influência em um bairro de baixa renda e alta coesão social. "É o comerciante quem pode recomendar ou não um produto", diz ele. 

 

A McCann vem realizando eventos promocionais para donos de armazéns em toda a região sudeste do México, e planeja fazer uma campanha de TV mostrando o dono de uma venda explicando para uma mãe da região os benefícios do leite em pó. 

 

Alguns especialistas dizem que dirigir as vendas diretamente para os grupos de baixa renda ainda não é uma tendência importante. "Em geral as multinacionais apenas comercializam uma versão mexicana [do seu produto] que se pareça ao máximo com o produto americano", diz Cecília Bouleau, editora da "Revista Neo", publicação da Cidade do México dedicada à publicidade. 

 

Mesmo assim, estão aumentando os exemplos de produtos feitos sob medida para pequenos orçamentos. Há pouco tempo, a rede varejista mexicana Elektra começou a vender automóveis baratos fabricados na China, juntamente com geladeiras e aparelhos de som. 

 

Também neste ano, a francesa Danone lançou o Nutriplus, um iogurte barato contendo zinco e cálcio, anunciado como uma maneira de evitar as deficiências nutritivas para o público mexicano de baixa renda. 

 

A McCann espera que a Barrio lhe dê uma vantagem sobre a concorrência na América Latina, em uma época em que muitas lojas enfrentam uma baixa nos orçamentos para publicidade. Mas para isso ela precisa, primeiro, recriar a atmosfera de um verdadeiro "barrio" para os seus clientes, alguns dos quais jamais puseram os pés em um bairro pobre. 

 

É para isso que servem os tacos e a galinha solta. "Se apenas damos os resultados da pesquisa, isso não vai dar uma noção da realidade", diz Guzmán. "Assim, tentamos recriar a experiência para os nossos clientes, para que possam compreender como é esse universo." 

 

Veículo: Valor Econômico


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