Classe média ignora os cartões de loja de roupa

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As sacolinhas da Renner passeiam pela C&A, e daí para a Riachuelo, e de lá para a Renner. Em um dos maiores centros de compras do país, o Shopping Center Norte, que recebe entre 150 mil e 180 mil pessoas ao dia na Zona Norte da capital paulista, os consumidores das maiores redes varejistas de vestuário se revezam nas visitas às três bandeiras. Em busca da comodidade de comprar roupas para si e para a família em um único lugar às vésperas do natal, pesquisam tudo. Mas as condições de pagamento estampadas logo na entrada das lojas - "0 + 5 vezes sem juros", na Renner, "8 vezes fixas" na C&A -, ou apenas o sorriso aberto da atriz Alinne Moraes com o cartão da Riachuelo em punho, não são atrativo suficiente para boa parte do público. 
 


"Eu não quero mais cartão de loja", diz a empresária Maria Aparecida Bozelli Moreira, de 60 anos, dona de plásticos da Renner, C&A e Riachuelo, que na quarta-feira estava no Center Norte com sacolas das três varejistas. Pagou tudo com o cartão de crédito do banco. "É muito cartão para a gente administrar e o melhor é concentrar todas as compras em uma conta só", diz ela, que comanda a distribuidora de matérias-primas VS Plásticos, de Santo André (SP). 

 

A sócia de Maria Aparecida, Sílvia Camargo, concorda. "Tem ainda o incômodo de vir pagar a conta na loja e, se você esquece o dia, já paga com juros", diz Sílvia. "Ninguém tem tempo para isso, é muito mais prático acertar todas as contas de uma vez só", afirma.

 

Ao que tudo indica, a classe média está farta dos plásticos, distribuídos com rapidez e facilidade a qualquer um que apresentar RG e CPF diante do caixa. Entre os 20 consumidores ouvidos pelo Valor na quarta-feira, só cinco pagavam as compras com o cartão da loja. "Depois que os bancos aumentaram o volume de crédito para os seus clientes, muitos deles não viram necessidade em combinar os gastos do cartão do banco com os do cartão da loja para aumentar sua capacidade de compra", diz Marcelo Noronha, diretor de comunicação da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs). 

 

Ao mesmo tempo, o volume de compras no cartão de débito cresce em ritmo superior ao de crédito. Segundo a entidade, a fatia do débito automático nas transações totais com cartão deve subir de 27%, em 2007, para 29% este ano. Já o cartão de crédito irá fechar 2008 com recuo de 58,5% para 57,5% na sua participação no valor das transações. O cartão de loja, por sua vez, sofre retração semelhante, mas sua representatividade é bem inferior: 13,6% este ano, contra 14,4% em 2007. 


"O número de emissões de cartões de loja e rede cresce em proporção maior do que o volume faturado", diz Noronha. Enquanto os cartões de loja aumentaram 18% este ano, para 173 milhões de unidades, o valor das transações subiu 17%, para R$ 53 bilhões. Trata-se de uma situação completamente inversa à dos cartões de débito, por exemplo, que no ano de 2008 expandiram sua base em apenas 8%, para 217 milhões de plásticos, mas o volume faturado cresceu 32% sobre 2007, para R$ 112,3 bilhões. 

 

Sinal que tem mais gente preferindo comprar à vista. Na opinião da professora de natação Láila Matos, de 22 anos, esta é uma opção de pagamento muito melhor que a do plástico do varejo. "Minha mãe tem cartão da Renner, mas eu nem me interessei em ter um, porque poderia gastar mais e me endividar", afirma Láila, que na quarta-feira fazia compras na Renner do Center Norte com a irmã Bruna, de 25 anos, outra adepta da compra à vista. "Com muitos cartões, a gente perde fácil o controle", diz Láila. 

 

O analista de compras da Telefônica Marcelo Bispo, de 34 anos, que na tarde de quarta-feira levara para casa presentes da Renner e da C&A, tem a mesma preocupação. "Eu não tenho cartão de loja e sempre preferi pagar à vista, ainda mais nessa época, já que no início do ano é preciso ter dinheiro para acertar IPVA e outros impostos", diz ele. De férias, ele reclamava do tamanho da fila de pagamentos nas lojas. 

 

Na Marisa e na Pernambucanas, mais voltadas ao varejo de rua, o ritmo de compras também tem sido intenso. Mas a preocupação com os reflexos da situação econômica e financeira mundial no Brasil tem ajudado os consumidores a ficarem mais alertas. "A gente não sabe como vão ficar as coisas no ano que vem e, por isso, é bom não se endividar", diz a analista de crédito da Anglo American, Rosângela Vicente, de 32 anos, que na tarde de quarta-feira fazia compras na seção infantil da Pernambucanas, na rua da Consolação, na capital paulista. "Prefiro comprar sempre à vista, quem usa cartão não sabe exatamente quanto deve", afirma. 

 

Perto dali, na Marisa da rua Augusta, a copeira Alice Ramos do Nascimento, de 51 anos, era da mesma opinião. "Eu evito parcelar porque, além dos juros, a gente acaba juntando muitas prestações e perde o controle", diz ela, que não se interessou pelos apelos em displays da loja, que anunciavam o novo cartão da Marisa com a Itaucard, oferecido também na boca do caixa. 

 

Segundo Luiz Fernando Biasetto, sócio da consultoria Gouvêa de Souza & MD, especializada em varejo, o caminho para os cartões das grandes redes é o "embandeiramento", ou seja, adotar bandeiras como Visa e Mastercard, que permita com que os plásticos sejam usados em outros estabelecimentos, inclusive na concorrência. "Mas, a partir daí, é comum que o consumidor passe a pagar uma anuidade, que ele não costuma ter no cartão de loja comum", diz Biasetto. 

 

Este é um fator que aproxima o plástico do varejo das características do plástico do banco, fazendo com que o primeiro perca vantagens sobre o segundo. Especialmente quando há redução no número de parcelas sem juros, como fez a C&A nos últimos meses, que diminuiu de cinco para apenas três vezes sem acréscimo. Trata-se da mesma condição oferecida na Renner, por exemplo, para quem compra com cartões Visa ou Mastercard. "O banco Ibi, que administra os cartões da C&A, pode ter tido perdas com o crédito", diz Biasetto, referindo-se ao aumento da inadimplência. Procurados, nem o banco Ibi nem a C&A atenderam a reportagem. 

 

Na opinião de Noronha, da Abecs, o cartão de loja precisa oferecer mais do que crédito para o consumidor da classe média, que já conta com crédito na rede bancária. "Caso contrário, se o cliente não perceber o valor, não vai ficar com o produto." 

 

Veículo: Valor Econômico


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