pesar de o Brasil ter sido um dos países responsáveis pela concepção do Protocolo de Nagoya, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) ainda busca consenso dentro do governo para a aprovação do texto no Congresso. A bancada ruralista é contra a votação do texto do protocolo, que segue parado à espera de votação desde fevereiro de 2011. O documento prevê o pagamento de royalties para o país que fizer uso de biodiversidade originada em outro.
O Valor apurou que, agora, aprovação do texto está condicionada à criação de uma nova lei nacional para regulamentação da utilização e do pagamento de recursos genéticos e à participação do Brasil em tratados complementares ao Protocolo de Nagoya.
Apesar dos contratempos, as discussões em torno do protocolo ganharam força nos últimos dias, após uma série de entendimentos entre os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. A principal delas é um projeto de lei preparado pelo Ambiente para substituir a Medida Provisória 2186/2001, que regula o acesso e repartição de recursos genéticos.
O Valor teve acesso ao rascunho do texto e constatou que a nova lei deverá incluir uma cláusula que não permita o aumento de preços ao consumidor por conta do pagamento dos royalties para a agricultura. Pelo texto original da MP, o repasse é obrigatório, mesmo que isso prejudique o consumidor.
Além disso, a nova legislação buscará incentivar aportes em pesquisas com biodiversidade nacional para a agricultura. A MP é confusa nesse ponto e suas regras para acesso à biodiversidade nacional não são seguidas.
Outro assunto que avançou na última semana entre os dois ministérios foi a concordância em apoiar a criação de novos tratados que complementem Nagoya. Até a semana anterior, sem apoio da bancada ruralista e do Ministério da Agricultura, o Ministério do Meio Ambiente teve que ceder e concordou em apoiar estudos para tratados que incluam animais e microorganismos.
"Apesar de aparecerem ideias diferentes quanto ao assunto, não quer dizer que não há um processo de convergência política em curso", afirmou Roberto Cavalcanti, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente.
A Pasta não aceitava condicionar a aprovação de Nagoya à discussão de outros tratados para a regulação de alimentos - como, por exemplo, o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Agricultura e Alimentação (Tirfaa), da Organização Mundial para Agricultura e Alimentação (FAO). Esse tratado inclui exceções de pagamentos a diversos recursos genéticos vegetais e possui um mecanismo para facilitar o acesso a pesquisas.
Esse problema foi superado na semana passada, com a assinatura de um aviso conjunto da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e do ministro da Agricultura, Antônio Andrade. O documento foi encaminhado ao Itamaraty e levado a Roma para uma reunião da FAO na semana entre 15 a 19 de abril. Ele mostra que o país é favorável a novas discussões em relação à criação de outros tratados. A partir de agora, o Brasil quer que a FAO discuta a criação de acordos que funcionem em sintonia com Nagoya.
O trabalho do governo tem sido integrado tanto no Protocolo de Nagoya quanto no novo marco legal para o setor, disse Cavalcanti. "O MMA está comprometido com a busca de soluções que viabilizem a aprovação dos marcos legais de uso e conservação da biodiversidade", explicou. Hoje, o protocolo tramita pelo legislativo e o executivo está fazendo a sua parte para acelerar a revisão da legislação, disse Cavalcanti.
Ainda não está definido como será feita a repartição do uso da biodiversidade. O pagamento pode ser monetário, por meio de transferência de tecnologias e até mesmo com projetos de conservação e uso sustentável das espécies.
A bancada ruralista reclama que, apesar de depender de votação no Congresso, as discussões do protocolo estão concentradas no poder Executivo, como realçou o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC). Ele também acredita que o Ministério da Agricultura é pouco representado nas discussões. "As opiniões e representações estão muito focadas no Meio Ambiente. Por isso, vamos levar uma proposta ao ministro Antônio Andrade para a criação de um grupo de trabalho permanente para discutir o assunto".
"Os deputados estão pedindo mais esclarecimentos sobre o projeto de lei e entendemos que é justa a reivindicação. A revisão do marco legal está sendo realizada em consulta a vários setores como, por exemplo, o fármaco, o rural e o industrial. Existe uma pressão grande dos setores para uma legislação efetiva", afirmou Roberto Cavalcanti.
O protocolo, que só poderá entrar em vigor depois de ser ratificado por 50 países, afetará toda a cadeia de produtos oriundos de outras nações. A Colômbia, conforme uma fonte do Ministério da Agricultura, já puxou a fila e informou que pretende cobrar 30% pelo uso da batata. Por enquanto, apenas 19 países ratificaram o acordo, assinado por mais de 100 nações no total.
Ao assinar o acordo, afirma a fonte da Agricultura, o Brasil ignorou vários pontos que ainda não estão claros, como a forma da cobrança. No caso de sementes, por exemplo, também não se sabe se variedades existentes serão passíveis de cobrança ou se só as novas, sejam elas convencionais ou transgênicas.
Veículo: Valor Econômico