Incertezas levam empresas a reavaliar o papel do RH

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Ainda não se sabe o rumo que as empresas vão tomar com o andamento da crise financeira. Mas, segundo analistas, uma mudança interna é dada como certa: a área de recursos humanos das companhias vai precisar se preparar para os novos tempos e adotar uma postura cada vez mais estratégica para apoiar os gestores. "Estamos observando no Brasil uma migração do foco do RH para planos de contingência, gestão de custos e retenção de talentos", afirma Marco Antônio Santana, gerente de relações com clientes para a América Latina da Watson Wyatt, consultoria internacional especializada em capital humano.

 

Segundo a pesquisa "Impactos da Crise Econômica nos Programas de RH", realizada pela Watson Wyatt com 248 empresas nos Estados Unidos no final de outubro, pelo menos 65% das entrevistadas acreditam que os problemas financeiros mundiais devem afetar, de alguma forma, seus orçamentos de RH nos próximos 12 meses. O estudo também mostrou que 30% das organizações- a maioria com mais de mil funcionários- congelaram novas contratações e 25% do total planejam brecar admissões este ano. 

 

Para Santana, o importante nesse mar de incertezas é que o setor de RH não fique à deriva, sustentado apenas nas soluções tradicionais de redução de despesas, como o corte de pessoal. "É necessário reavaliar questões estratégicas, como o modelo organizacional praticado e as políticas de remuneração e de bônus, para adaptá-las à nova realidade." 

 

O especialista aconselha que os diretores de RH saiam das suas mesas e identifiquem os talentos-chave da empresa, assim como os funcionários de baixo desempenho. O desenvolvimento de ferramentas de retenção para profissionais de alto potencial também deve entrar nas cartilhas do setor de pessoal. 

 

"No Brasil, a maioria das corporações já analisa com rigor qualquer reposição". Em conversas com empresas locais, Santana identificou organizações que também aproveitam a fase de turbulência para melhorar a qualificação do quadro, substituindo profissionais de baixo desempenho ou com perfil inadequado por empregados de maior capacidade. "O RH terá de fazer um 'reset' na forma de atuar e de avaliar os funcionários." 

 

A CPM Braxis, empresa de serviços de tecnologia com 5,4 mil funcionários e faturamento de R$ 1 bilhão, inicia este ano o programa Escola de Líderes, que inclui baterias de capacitação para as lideranças internas. "Vamos usar o e-learning como aliado nas atividades de treinamento e melhorar as ferramentas de avaliação de desempenho", garante Nivaldo Dutra, gerente de treinamento e desenvolvimento da companhia, que planeja este ano aumentar em até 10% os investimentos em capacitação, em comparação a 2008. 

 

Para Edson Rodriguez, vice-presidente da Thomas International Brasil, empresa de origem inglesa especializada em processos de seleção, as ofertas de capacitação não podem desaparecer da rotina das empresas para não atrapalhar a motivação dos funcionários. "Deve-se evitar a instalação da cultura da crise. Motivar as pessoas talentosas será um dos grandes desafios agora", diz o consultor, que atende o Bradesco e a Petrobras. 

 

Em 2008, a CPM admitiu 2,1 mil funcionários- um número 15% maior que o registrado no ano anterior. Este ano, deve contratar mais 2,2 mil profissionais e vai preservar seu programa de estágios. "A política de RH será a mesma, mas com um forte rigor no acompanhamento dos custos e na medição de resultados", afirma Dutra. 

 

Para Sandra Maura, diretora da consultoria de RH Topmind, o otimismo da CPM não parece exagerado. A especialista acredita que o enxugamento do quadro, com o único objetivo de reduzir despesas sem mudanças significativas de gestão, é um erro clássico das corporações em período de vacas magras. "Muitas vezes, a necessidade de demitir mostra que a gestão da empresa está obsoleta." 

 

A Simpress, do setor de terceirização de impressão e dona de um faturamento de R$ 225 milhões, tenta fazer o seu dever de casa- e remar contra a maré de demissões. Com 1,1 mil funcionários e filiais em cinco capitais, criou novas estratégias de remuneração e de atração de talentos. "Não há previsão de cortes. Na verdade, este ano, vamos contratar cerca de 350 pessoas para as áreas de marketing, vendas, setor técnico e de serviços", garante o presidente Vittorio Danesi, que fechou 2008 com faturamento de aproximadamente R$ 265 milhões. 

 

"Este ano, daremos continuidade a um novo modelo de remuneração variável, adotado em setembro, com metas compartilhadas entre as diversas áreas da empresa que têm contato com os clientes". Outra linha de ação é o projeto Sábios Talentos, criado para profissionais entre 45 e 70 anos que já se aposentaram ou buscam novas posições no mercado. O programa prevê a contratação e treinamento de 30 colaboradores. 

 

Com 858 funcionários nas mãos, Donizetti Moretti, gerente de recursos humanos da NEC, da área de telecomunicações, não acredita em redução de vagas este ano. "Há uma tendência para um quadro de pessoal estável", diz. 

 

Com um faturamento de R$ 501 milhões em 2007, a empresa contratou 253 funcionários em 2008, um volume 65% superior ao número de admissões de 2007. Para este ano, está previsto o lançamento de um programa de incentivo à inovação, com prêmios para os funcionários que desenvolvam idéias que possam ser adotadas pela companhia. 

 

Segundo Francisco Ramirez, sócio da ARC Executive Talent Recruiting, consultoria de recrutamento de executivos, a crise deve ser encarada como uma oportunidade para ganhar competitividade dentro dos escritórios- e a área de RH pode ajudar a pavimentar a estratégia. "É hora de reforçar o trabalho em equipe. Agora, todos os funcionários ficaram mais conscientes dos riscos para a organização e à permanência no emprego. Estão mais dispostos para se dedicar à companhia." 

 

"Deve-se organizar a casa, dar férias, licenças não remuneradas e negociar contratos de trabalho. Demitir deve ser o último recurso. Além de custar caro para dispensar e recontratar, talentos são perdidos", concorda Rugenia Pomi, diretora da consultoria Sextante Brasil, que realiza pesquisas em gestão do capital humano há 14 anos. 

 

"Com a desaceleração causada pela crise financeira, as empresas têm uma ótima chance de repensar formas de produção e investir no conhecimento dos seus indicadores de desempenho. Todo esse estudo sobre o DNA das companhias será cada vez mais imprescindível." 

 

Sobre o reflexo dos cortes para os funcionários que permanecem na organização, Maura, da consultoria Topmind lembra que deve-se levar em conta se a carga de trabalho extra, a pressão resultante de mais responsabilidades e a insegurança em relação à estabilidade no posto não afetarão o rendimento do colaborador. "Isso pode fazer com que ele se desligue voluntariamente." 

 

Outro fator que deve ser percebido com mais clareza pelo RH este ano é a volta do relacionamento com os ex-empregados. "Em caso de necessidade, um profissional que teve a experiência de trabalhar na empresa e já foi orientado para desenvolver uma determinada função pode ser a opção mais adequada para uma nova vaga." 

 

Veículo: Valor Econômico


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